A ciência do humor

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Não se sabe ao certo se Viriato já fazia trocadilhos, ou se as piadas de loiras contribuíram de alguma forma para a extinção do Homem-de-Neandertal. Desconhece-se o momento exacto do primeiro duplo sentido alguma vez captado, mas no caso de ter ocorrido num momento particularmente inapropriado para um violento ataque de riso, é possível que tenha coincidido com a primeira grande provação do Homem.

Hoje, a FRONTAL debruça-se sobre as origens do humor e do riso, porque não há quem dispense uma genuína gargalhada, possivelmente a única circunstância associada à qual a palavra “contágio” é sempre bem-vinda.

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Um exemplo de humor universal

O riso é, basicamente, uma resposta fisiológica ao humor. Quando observadas algumas condições, o sujeito responde ao estímulo efectuando acções rítmicas, vocalizadas, expiratórias e involuntárias, conseguidas por sincronização da contracção de músculos faciais, encerramento incompleto da laringe pela epiglote e, em situações extremas, activação dos ductos lacrimais. Esta resposta é normalmente acompanhada de ruídos, situados algures entre o soluço pré-pubescente e o ronco sismogénico.

Porém, nem todos os estímulos são suficientemente poderosos para despoletar uma resposta satisfatória. Existe, pasme-se, quem se dedique a analisar o porquê e o como de uma gargalhada, e a ciência apelida-os de “gelotologistas”. A “Gelotologia”, do grego gelos (riso), aborda tanto os mecanismos do riso, como as teorias que tentam desmistificar a sua origem. Desde Aristóteles e Platão, Thomas Hobbes e Darwin, a inúmeros cientistas do nosso tempo, o génesis dessa acção deu azo a algumas conjecturas, destacando-se aqui três delas.

Teoria da Superioridade

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Testemunho fotográfico de um atentado à dignidade pessoal

80% do conteúdo existente no Youtube deverá a sua espirituosidade a esta teoria. Nesses vídeos, o protagonista é invariavelmente ou muito mau a manifestar a sua índole musical, ou muito bom a fracturar um grande número de estruturas ósseas. A teoria defende que o prazer que retiramos desses episódios deriva de uma sensação de superioridade em relação àqueles de quem nos rimos, e portanto todo o humor será derrisório. Existe menosprezo por aquilo de que se ri, julgando-o inferior de algum modo. Thomas Hobbes, provável pai da teoria, afirmou que “O riso é um tipo de glória repentina”, usando “glória” no sentido de “vanglória” ou “auto-estima”. Rimos do infortúnio de outros, ou do nosso próprio infortúnio passado, por estarmos conscientes de o termos ultrapassado de algum modo, como seja ter resistido à tentação de descer 145 degraus numa trotinete.

Teoria do Alívio

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A teoria do alívio é a base de trabalho da personagem cómica obrigatória nos thrillers ou filmes de acção. Em certos momentos de tensão ou suspense elevados, um único comentário é suficiente para quebrar a situação, permitindo ao espectador aliviar-se da emoção acumulada, para que o filme a possa elevar outra vez. É também a base do “humor negro” que, em certas circunstâncias, ajuda trabalhadores de sectores delicados a lidar com situações stressantes, dado que o acto de produzir ou processar humor providencia ao cérebro um afastamento momentâneo do que o rodeia, e aumenta posteriormente a objectividade em face das condições anteriores. Ainda que os níveis de ansiedade sejam um componente importante, nem todas as situações angustiantes reúnem as condições sociais necessárias para reproduzir aquela piada particularmente macabra. O jantar de anos da sogra é claramente um exemplo ilustrativo.

Teoria “Evolutiva”

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A teoria evolutiva é uma mescla de um grande número de outras teorias, mas baseia-se principalmente na “Teoria da Incongruência”, que defende que o humor é fruto da capacidade cognitiva de detectar incongruências entre um conceito exposto e a realidade.

Dada a participação dos “reward pathways” cerebrais no riso, é provável que o mesmo tenha proporcionado aos nossos antepassados algum tipo de vantagem evolutiva. Tipicamente, a libertação de endorfinas está ligada à imposição de importância por parte do cérebro a uma dada acção, recompensando-a e incitando assim o indivíduo a repeti-la tanto quanto possível. A sensação de prazer ao ingerir alimentos ricos em gorduras e sal, por exemplo, poderá ter fornecido aos primeiros humanos a ambição necessária para perseguir e caçar animais.

No que toca ao riso, não parece haver uma relação directa com a sobrevivência individual, mas sim com um mecanismo de aprendizagem: este detecta e corrige incongruências e dissonâncias entre expectativas e realidade. Basicamente, o nosso cérebro é uma máquina de decifrar padrões; à medida que absorve estímulos pelos órgãos sensoriais, constrói um modelo de realidade baseado nesses padrões observados, e organiza-os por ordem de importância. De um momento para o outro, a torrente de informação que nos chega do mundo exterior é processada tendo em conta semelhanças a padrões previamente organizados, e é dada especial atenção a algo que corresponda a um padrão armazenado importante (a cara de um familiar, por exemplo), ou a padrões atípicos no presente contexto. Deste modo, não só somos capazes de filtrar o ruído de fundo do ambiente que nos rodeia, como usamos esses mesmos padrões para antecipar o futuro com base em experiências passadas.

 Portanto, a teoria da incongruência sugere que algo é registado como “engraçado” quando começa por se adequar a padrões conhecidos, mas acaba por desafiar o modelo da realidade previamente estabelecido por tomar um rumo inesperado mas logicamente válido. A recompensa de endorfina encoraja o cérebro a procurar e armazenar padrões lógicos alternativos, tais como os existentes em anedotas ou trocadilhos.

O riso acontece awatchssim na sequência da aprendizagem de algo novo que possa aperfeiçoar a nossa capacidade de predizer o futuro imediato, e rir alto encoraja outros membros do grupo social a “anotar” a congruência inesperada (de facto, somos 30 vezes mais propícios a rir se estivermos rodeados de outras pessoas).

Assim sendo, exposições subsequentes a padrões similares não terão o mesmo efeito, dado que o padrão já foi incorporado no modelo de realidade, o que poderá explicar o porquê de uma piada só provocar riso na primeira vez que é contada. O “timing” também é essencial, uma vez que a mente necessita de tempo para processar a informação inicial, mas não tempo suficiente para resolver a incongruência por si. No entanto, alguns grupos específicos são de certa forma imunes às condições anteriores; uns percepcionam o mundo em redor como um infinito mar de estímulos humorísticos, sendo considerados “embriagados” ou “ébrios”; outros parecem não percepcionar o mundo de todo, encontrando-se num estado de animação ligeiramente mais moderada apelidado de “morte”.

Muito riso, muito siso

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O incrível cérebro humano

Têm sido feitas algumas experiências para tentar descodificar os eventos cerebrais que levam à produção de riso. Numa delas, os sujeitos foram ligados a um electroencefalógrafo, e a sua actividade cerebral registada, tendo sido observadas algumas actividades específicas: enquanto o córtex esquerdo analisava as palavras e a estrutura do estímulo humorístico, o lóbulo frontal, envolvido em respostas sociais e emocionais, tornava-se extremamente activo, e o hemisfério direito ficava encarregue da análise intelectual necessária ao entendimento da piada. A área de processamento sensorial do lóbulo occipital, contendo células processadoras de estímulos visuais, também se mostrava activa durante o evento, e ocorria, por fim, estimulação das áreas motoras, evocando as tradicionais respostas físicas ao estímulo, ou o “riso” propriamente dito. O sistema límbico foi também identificado como fulcral na produção de riso, especialmente o hipotálamo, onde existe libertação de dopamina, componente major dos “reward pathways”. Adicionalmente é desencadeada uma libertação de endorfinas, que se acredita derivar do elevado número de expirações que acompanham o riso, e que levam a “exaustão” dos músculos abdominais, similarmente ao que acontece após a prática de exercício físico.

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Para além das óbvias vantagens a nível psíquico, o humor e o riso podem influenciar o bem-estar físico. Vários estudos sugerem que o riso vigoroso exercita e relaxa a musculatura, melhora a respiração, estimula a circulação, diminui a produção de hormonas “stress-related”, e tem influências positivas ao nível da imunidade. A libertação de endorfinas anteriormente referida aumenta os limiares de dor, como comprovado num estudo que analisou as respostas de indivíduos sujeitos a estímulos dolorosos enquanto viam cenas de “Mr. Bean” ou actuações de stand-up. Em média, a capacidade dos participantes de tolerar o estímulo infligido aumentou significativamente, com o limiar de dor a subir 10% nos indivíduos integrados em grupos após 15 minutos de exposição a conteúdo humorístico, e um pouco menos nas experiências individuais (demonstrando mais uma vez que o riso é, em grande parte, uma experiência social).

Quer seja de uma anedota, de um deslize Freudiano, ou de um amigo estatelado no chão, rir é um dos prazeres mais simples e agradáveis da vida terrena. Usamos o humor como ferramenta num leque de acções que vai desde o estreitamento de laços entre amigos ao derrubar de regimes políticos opressivos. E mesmo que rir não fornecesse nenhum benefício aparente, a médio ou longo prazo, o ser humano seria tão adepto dele como o é agora. Afinal, somos uma espécie com tendências autodestrutivas, variando desde duas guerras mundiais no período de um século a procrastinar uma dissertação até duas horas antes do prazo final, desde a construção desregrada de armas de destruição maciça a saber que a mãe vai telefonar e deixar o telefone em silêncio. De todas as características necessárias para lidarmos uns com os outros como seres humanos, a mais importante será, de longe, um enorme sentido de humor.

Para saber mais
http://www.scientificamerican.com/podcast/episode/humor-science-weems/ http://science.howstuffworks.com/life/inside-the-mind/emotions/laughter1.htm http://www.sfgate.com/opinion/article/What-makes-us-laugh-and-why-Scientists-2556699.php http://www.livescience.com/16038-laughter-soothes-pain.html http://en.wikipedia.org/wiki/Theories_of_humorhttp://www.bbc.com/future/story/20120601-what-makes-us-laugh

Fontes das imagens
http://weknowmemes.com/wp-content/uploads/2012/02/was-cool-before-it-mattered.jpg http://s3-ak.buzzfeed.com/static/enhanced/webdr03/2013/5/15/8/original-4804-1368620438-7.jpg http://www.sharenator.com/image/46574/ http://bizarro.com/comics/march-7-2013/ http://theawkwardyeti.com/comic/lost-watch/ http://memeblender.com/wp-content/uploads/2012/04/scumbag-brain-alphabet.jpg http://theawkwardyeti.com/comic/gym/

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