O Renascer de um Sorriso

A perda dentária é um problema comum mas frequentemente negligenciado e com repercussões significativas na qualidade de vida dos indivíduos afectados. Factores de risco como as cáries e o próprio envelhecimento podem fazer com que actividades tão simples como comer e falar se tornem um verdadeiro tormento. O que dirias se, em resposta a este problema, fosse possível induzir o organismo a produzir dentes novinhos em folha? A FRONTAL explica-te este processo.

RISE OF THE GUARDIANS

O ponto de partida

A possibilidade de se conseguirem recriar dentes com as mesmas características dos que são perdidos, seja por descuido na higiene oral ou por qualquer outra causa – como um acidente de viação – atrai a atenção dos investigadores há já algum tempo. E se simplesmente fosse possível remover dentes “problemáticos”, colocar uma matriz artificial e deixar o organismo produzir dentes completamente novos? A resposta a esta questão pode estar escondida no estudo da diferenciação celular do tecido mesenquimatoso.

Qualquer investigador que pretenda fabricar órgãos em meio laboratorial tenta, logicamente, reproduzir as capacidades dos tecidos embrionários de se especializarem e constituírem, em última instância, um órgãos completo. Por seu turno, estes últimos usam factores de crescimento para estimular o seu desenvolvimento, activadores de genes para promover a diferenciação celular, e forças mecânicas que modulam as respostas celulares a todos estes elementos. Até agora, em todas as tentativas realizadas com vista à criação artificial de órgãos, foram empregues unicamente factores de crescimento e activadores de genes, não se tendo incorporado o papel das forças mecânicas neste processo.

Uma importante revelação

Há poucos anos, Ingber e Tadanori Mammoto (MD, PhD), Instrutores de Cirurgia no Boston Children’s Hospital e na Harvard Medical School, investigaram um processo designado de condensação mesenquimatosa, usado pelos embriões para iniciar a formação de uma variedade de órgãos como o dente, a cartilagem, o osso, o músculo e o rim. Neste processo, as células de tecido conjuntivo que constituem o mesênquima (células estaminais) trocam sinais bioquímicos com o epitélio que as cobre. Estes sinais levam as células mesenquimatosas a encolher-se, gerando um pequeno nó no local de formação do novo órgão. Partindo de modelos de mandíbulas de embriões de ratos, Ingber e Mammoto observaram que, quando comprimidas, as células mesenquimatosas auto-estimulavam a formação de dentes compostos por tecidos mineralizados, como a dentina e o esmalte. Tendo em conta este mecanismo, está actualmente em fase de concepção um meio de produção de dentes artificiais.

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Micrografias fluorescentes de células mesenquimatosas dentárias. Com o encolher do gel ao contactar com a temperatura corporal, as células precursoras dos dentes, que a 34ºC se encontravam elongadas (esquerda), ficam contraídas e mais unidas aos 37ºC (direita), bem como mais densas, ao iniciarem a deposição de minerais que endurecem os dentes.

A experiência que tudo mudou

Neste sentido, uma equipa de investigadores conseguiu modificar, recentemente, um polímero formador de gel chamado PNIPAAm. Este polímero, já utilizado para o transporte de fármacos para os tecidos, encolhe abruptamente quando é aquecido. Por modificação do mesmo, obteve-se então um novo polímero, capaz de formar um gel passível de ser colonizado por células e que contrai especificamente à temperatura corporal. Este gel esponjoso é, portanto, a actual grande promessa em termos de meio de produção dos tão desejados dentes, visto que tem a capacidade de, uma vez implantado no organismo, poder ser impregnado por células mesenquimatosas, sendo induzido a encolher em três dimensões de modo a compactar as células no seu interior.

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Os vários tipos de células mesenquimatosas estaminais do dente. Adaptado de: http://www.store-a-tooth.com/mesenchymal-cells#.U55Dn_m-2Qp

Num teste inicial, foram implantadas células mesenquimatosas no gel, que foi depois aquecido em meio laboratorial. O gel encolheu num período de 15 minutos após ter atingido 37º de temperatura, levando a que as células encolhessem também e se unissem, o que permitiu a expressão de Pax9, Msx1 e Bmp4, três genes importantíssimos para a formação dos dentes. Numa experiência seguinte, o gel impregnado de células mesenquimatosas foi implantado sob a cápsula renal de ratos – a escolha deste local recaiu sobre o facto deste ser um tecido com boa perfusão sanguínea e frequentemente usado em experiências relacionadas com transplantação. O resultado desta experiência foi absolutamente incrível: as células implantadas não só expressaram genes de desenvolvimento dentário, mas também cálcio e minerais, mimetizando as células mesenquimatosas do corpo humano no momento de início da formação dos dentes.

De facto, não nos podemos esquecer que, no corpo humano, as células mesenquimatosas trabalham em conjunto com células formadoras de epitélio na construção de dentes. Tendo isto em conta, o próximo passo será testar a capacidade do referido gel em estimular ambos os tipos de tecidos, de modo a que seja possível gerar dentes completamente funcionais.

Será que, à luz desta experiência, poderemos vir a dizer adeus aos implantes e próteses dentárias? Estaremos prestes a conhecer uma “terceira dentição”, que tornará as velhas dentaduras uns meros objectos de museu? Em todo o caso, até lá, uma boa higiene oral e um estilo de vida saudável continuarão, inexoravelmente, a ser a receita de sucesso para preservar a saúde da curva mais bonita do corpo, o sorriso.

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David Almeida é aluno do 5º ano de Medicina na FCM-NOVA. Natural de Ovar, partiu para a capital com o objectivo de se tornar um Médico, e trouxe com ele as suas inclinações românticas de médico-artista,como Conan Doyle, Fernando Namora, e George Miller. O choque da Ciência com a Humanidade e o abraço entre elas na Medicina, bem como a dicotomia do papel cronista-participante da Cultura na vida do ser humano, são as suas maiores paixões.

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