O único Papa no paraíso de Dante

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Quantas foram as ruas baptizadas com nomes de médicos ilustres? Quantas praças não têm nas placas de identificação o título de Doutor? A FRONTAL percorre a calçada portuguesa em busca destes “Deuses” da Medicina e conta-te as suas histórias. E quem melhor para começar que não o único português a ocupar o lugar de Papa: o “nosso” Pedro Hispano?

[dropcap]F[/dropcap]oi desde o reinado de D. Sancho I (1185-1211) que se começaram a enviar estudantes portugueses para as universidades estrangeiras. Todavia, ao contrário dos dias de hoje, os níveis de escolaridade eram outros e a universidade começava logo a ser frequentada a partir dos 14 ou 15 anos de idade, a seguir aos primeiros anos na escola de ler e contar. Chegado à universidade, o estudante iniciava o seu percurso geral como “mestre de artes”, durante o qual estudava gramática, dialética, retórica, matemática, geometria, música e astronomia. Apenas após esta etapa é que prosseguia para o seu doutoramento, o qual poderia ser em teologia, direito canónico, direito civil ou medicina.

Assim aconteceu com Pedro Julião, mais conhecido por Pedro Hispano, pois, ainda no século XIII, “Hispano” significava Península Ibérica e de Portugal eram as suas origens. Nascido em Lisboa em data incerta entre o ano de 1205 e 1220, estudou para “mestre de artes” em Paris e depois medicina, não se conseguindo determinar com exatidão se em Montpellier ou na escola de Salerno, antes de ser professor em Siena, médico e diplomata em Roma e, mais tarde, se ter tornado no Papa João XXI.

Embora hoje existam dúvidas de que se trate do mesmo Petrus Hispanus, durante toda a idade média foi-lhe atribuída a autoria do livro Summulae logicales, cânone de introdução à lógica durante o século XIII

Embora hoje existam dúvidas de que se trate do mesmo Petrus Hispanus, durante toda a idade média foi-lhe atribuída a autoria do livro Summulae logicales. Esta obra tornou-se na principal razão do seu nome ficar conhecido por toda a Europa ocidental do século XIII, pois passou a ser utilizada como o cânone de introdução à lógica de todas as universidades, tendo sido traduzida para diferentes línguas e multiplicada em várias edições e manuscritos.

Obras médicas de Pedro Hispano, por Maria Helena Rocha Pereira (1973). Este exemplar encontra-se disponível na Biblioteca da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Obras médicas de Pedro Hispano, por Maria Helena Rocha Pereira (1973). Este exemplar encontra-se disponível na Biblioteca da Faculdade de Medicina de Lisboa.

Por outro lado e sem margem para dúvida, são da sua competência inúmeros tratados de medicina. Entre outros, merecem por ora destaque o livro De oculis sobre oftalmologia, o qual consta que terá sido consultado por Michelangelo (1475-1564), e livros sobre a conservação da saúde pública, como Regimen sanitatis ou De conservatione sanitatis. Neste último, traduzido do latim para o português por Maria Helena Rocha Pereira em 1959, são apresentadas as características de cada estação do ano, seguidas de recomendações dietéticas, listas do que faz bem ou mal aos diferentes órgãos do corpo e conselhos diversos sobre alimentos, exercícios e banhos.

Os conselhos de Pedro Hispano

Por mais estranhas que as advertências médicas de Pedro Julião da Península Ibérica possam parecer ao leitor contemporâneo, a preocupação com a saúde, com o bem estar e com a qualidade de vida do ser humano são aspetos que se destacam. Ao dar prioridade a estes conceitos, os seus textos valorizam o uso da razão e atribuem aos próprios indivíduos a responsabilidade de zelarem pela sua própria saúde. Pelas suas palavras “(…) é mais útil prevenir as doenças do que, uma vez contraídas, pedir auxílio (…)”. Ainda na opinião daquele que chegou a ser médico de vários bispos e do Papa que historicamente o antecedeu, “(…) a sabedoria, o caráter e a honestidade (…)” desempenham papéis fundamentais na construção de uma vida repleta.

“É mais útil prevenir as doenças do que, uma vez contraídas, pedir auxílio”, aconselha Pedro Hispano

Após uma vida dedicada à ciência e à arte da medicina, como Papa exerceu, porém, um pontificado demasiado curto. Foram apenas 8 meses, completados desde os finais do ano de 1276 até ao acidente da sua morte em Maio de 1277. Ainda assim, durante esse período, revelou-se de um enorme empenho na união entre os cristãos e teve uma grande influência para que vários tratados de paz, sobretudo entre França e Castela, fossem alcançados.

A sua reconhecida figura de homem de grande saber, bondade e consenso constituiu um dos principais motivos para que n’ A divina comédia, a conhecida obra escrita por Dante Alighieri no início do século XIV, o único Papa português fosse também o único dos Papas a alcançar o Paraíso.

Perpendicular à Avenida de Roma em Lisboa, a Avenida João XXI liga o Campo Pequeno ao Areeiro e Praça de Londres.
Perpendicular à Avenida de Roma em Lisboa, a Avenida João XXI liga o Campo Pequeno ao Areeiro e Praça de Londres.

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