Novo SNS: todos temos um papel a desempenhar

Poucos dias após a divulgação dos resultados de The Future for Health , um dos mais profundos estudos sobre Sistema de Saúde Português jamais realizado, apresentamos uma análise particular ao nosso SNS. Que comece a discussão sobre o seu futuro. 

[Opinião]

[dropcap]C[/dropcap]omeço esta coluna com um assunto tão em voga. Esta terça-feira foi apresentado publicamente o estudo encomendado pela Fundação Gulbenkian ao Lorde Nigel Crisp com o título “The Future for Health: everyone has a role to play”. O relatório aponta-nos para a necessidade de um novo pacto na saúde, em que todos terão um papel a desempenhar. O relatório propõe uma transição do sistema atual, centrado no hospital e na doença, para um sistema centrado nas pessoas e baseado na saúde, em que os cidadãos são parceiros na promoção da saúde e na organização dos cuidados.

Mas numa altura em que se discute o Sistema Nacional de Saúde (SNS) e este faz 35 anos cabe-nos, antes ainda de analisarmos as propostas mais ou menos vagas deste relatório publicado, perceber quão bom ou quão mau é o nosso sistema que queremos tanto mudar.

Em 2013 a Holanda foi considerada novamente o país europeu com o melhor sistema de saúde de acordo com a Health Consumer Index (EHCI), a Suíça fica em 2º, França em 9º, tendo Portugal ficado com o 16º lugar do ranking. Já no ranking de 2013 da Organização Mundial de Saúde (OMS) o primeiro lugar é atribuído a França, o 2º à Itália, a Holanda no 17º, Suíça no 20º e Portugal arrecadou um honroso 12º lugar.

Conclui-se portanto destes 2 rankings que a OMS considera melhor os países em que os sistemas de saúde são, como o Francês, Italiano e Português, prestados quase exclusivamente pelo Estado num modelo assistencial. No entanto, quando comparado com o EHCI, esses países não correspondem nem aos melhores índices de qualidade nem aos melhores índices de satisfação por parte da população, que são atribuídos a países com sistemas de saúde liberais baseado em seguros públicos e privados de saúde, como a Holanda, Suíça ou Noruega.

Será então credível acreditar que o nosso SNS é melhor do que os sistemas de saúde de países como a Islândia, Holanda, Reino Unido, Suíça, Bélgica, Suécia e Alemanha? Não terá este tipo de ranking uma forte componente ideológica na sua elaboração? Como se justifica o facto de os melhores sistemas de saúde não apresentarem os melhores índices de qualidade e satisfação? Preferimos um modelo eficiente que funcione com qualidade para os cidadãos ou um modelo assistencial utópico não funcionante?

Preferimos um modelo eficiente que funcione com qualidade para os cidadãos ou um modelo assistencial utópico não funcionante?

Historicamente e já desde o início da década de 90 os países europeus tinham alcançado os objetivos de cobertura universal dos cuidados de saúde com qualidade elevada. Fatores diversos, tais como a evolução terapêutica e tecnológica, o envelhecimento da população e, sobretudo, o aumento dos níveis de vida, tendiam porém a provocar maiores gastos com a saúde e faziam crescer o seu respetivo peso no PIB, que atualmente chega já a 10%. Em 1994, no âmbito da U.E., os Estados-membros comprometeram-se a reformar os seus sistemas de saúde, respeitando três objetivos: a igualdade de acesso, a garantia da qualidade dos cuidados e a viabilidade e sustentabilidade financeira dos sistemas. Portugal pouco ou nada fez.

Somado a isto, a crise financeira desencadeada em 2007 e com ela toda uma série de efeitos económicos e sociais, vieram trazer novos problemas ao SNS Português, como nos dá conta o Relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde: A crise está a afetar a coesão social reduzindo as opções de escolha com um consequente aumento da procura de serviços e gastos públicos. Outro efeito dos cortes orçamentais, igualmente preocupante, é o aumento dos sinais de insatisfação por parte dos prestadores de cuidados (médicos, enfermeiros, técnicos, estudantes), com resultados na migração para fora do sistema, incentivada por alterações nas condições de trabalho, mas principalmente pelas disparidades de remuneração quer em termos competitividade entre diferentes países como também disparidades entre as remunerações públicas e privadas.

O SNS terá que fazer face a um triplo desafio: por um lado, será obrigado a adotar medidas de contenção de custos e eficiência com vista à sua sustentabilidade; por outro, terá que preparar-se para uma procura crescente de doentes com uma diminuição da quantidade e qualidade dos prestadores; ao mesmo tempo que deverá manter a igualdade de acesso e os padrões mais elevados de qualidade.

Com 35 anos de vida,. estará o SNS demasiado velho para responder aos desafios de um sistema de saúde  moderno? (fotografia: Pedro Palma)
Com 35 anos de vida,. estará o SNS demasiado velho para responder aos desafios de um sistema de saúde moderno? (fotografia: Pedro Palma)

Estará portanto este modelo do SNS de 1979 preparado para um país pós-Troika? Aguentará o SNS de hoje as inúmeras pressões a que é e estará sujeito? Poderá o SNS cumprir os três objetivos propostos pela EU (igualdade, qualidade e sustentabilidade) no futuro? Não está na altura de olhar para os países que melhor fazem e mudar o paradigma?

A crise trouxe-nos estas questões mas trouxe-nos também oportunidades. Isto porque as estratégias para mitigar o impacto da crise devem ser encaradas como oportunidades de reforma dos sistemas de saúde e sua legitimação junto das comunidades e não apenas um exercício de equilíbrio entre receitas e despesas.

Cabe-nos também a nós participar nessa discussão e ter um papel a desempenhar.

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Atualmente é aluno do 6º ano de Medicina da FMUL, Presidente da Mesa da RGA da AEFML, Membro discente do Conselho de Escola da FMUL, Conselheiro-Geral da Associação Académica da Universidade de Lisboa, Membro do Grupo de Trabalho para reforma dos Anos Clínicos na FMUL e Coordenador-Geral da Noite da Medicina. Foi membro da ANEM e da Direção da AEFML. Tem especial interesse pela Politica, Economia e Finanças Públicas, Ciência e Educação Médica.

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