Opinião: Teóricas, para que vos quero?

As aulas teóricas são tão antigas como o ensino universitário; provavelmente  a sua fraca afluência também. Ideia polémica? Claro – mas tal não faz esquecer a imagem de anfiteatros desoladoramente ocupados apenas por uma dúzia de pessoas. Irresponsabilidade dos alunos ou insuficiência do modelo? Vamos tentar perceber.

Ao longo da formação de um estudante universitário, este é confrontado diversas vezes com uma simples pergunta: “e amanhã vais à teórica?”. Esta questão surge, e é muitas vezes respondida com um não, pois as aulas teóricas, em oposição às práticas que serão obrigatórias e importantes, são facultativas e secundárias à formação e sucesso escolar. Uma noite complicada, mais horas de sono, desinteresse do aluno ou fraca qualidade das aulas são apenas algumas das razões possíveis para os auditórios de muitas faculdades estarem às moscas ao fim da segunda ou terceira semana do semestre. A questão que se coloca, então e considerando a sua baixa popularidade, é perceber qual é lugar das grandes dissertações ensino universitário dos dias de hoje.

Frequentar as teóricas de forma regular não é garantia de boas notas, mas é certamente uma boa ajuda. Apesar de ser verdade existirem muitos bons alunos a praticarem uma política de gazeta sistemática, igualmente é impossível negar que a grande maioria dos brilhantes costuma seguir as aulas teóricas com afinco, detendo um lugar cativo na primeira ou segunda fila do auditório. Alguns apontam como receita do sucesso do segundo tipo de alunos um trabalho continuo e sistemático, sendo a frequência das aulas apenas um de muitos aspectos de tal plano e não a sua pedra basilar. De uma maneira ou de outra, é indiscutível que as teóricas têm algumas virtudes: por um lado permitem perceber quais os conhecimentos exigidos em exame, por outro permitem a retenção de alguma informação, a mínima que seja, sendo comum ouvir-se comentários do género “pois, eu vou porque fica sempre qualquer coisa.” ou “dá jeito para dar uma primeira olhadela à matéria” por parte de habitués dos anfiteatros.

A respeitável aula de anatomia, versão 1920

Apesar da existência de algumas virtudes nas aulas teóricas, nem que seja às apresentadas por um ou outro professor mais cativante, a maioria dos comentários é geralmente bastante negativo. Tal é ponto assente. A falta da capacidade oratória e explicativa por parte dos palestrantes está no topo das críticas, repetindo-se as aulas massudas e aborrecidas que nada acrescentam à leitura do material bibliográfico, mas esta é uma lista que se pode desenrolar em vários tomos. Diapositivos confusos, barulho de fundo recorrente, frases ditas em contra-relógio para se poder respeitar o tempo da aula, tons de voz monocórdicos, luzes apagadas indutoras de sono, impossibilidade de levantar questões, são alguns dos erros apontados e transformam uma teórica de cinquenta minutos numa maratona interminável de tempo perdido. No entanto, a problemática que se pretende levantar não está particularmente relacionada com a falta de qualidade ou não das prelecções teóricas apresentadas nas universidades portuguesas, antes com o seu lugar no ensino actual. Afinal, valerá a pena existirem aulas a que um grande número de alunos não dá qualquer valor?

Alguém tem dúvidas?

Actualmente, encontram-se à disposição dos alunos inúmeros instrumentos que lhes permitem obter os conhecimentos leccionados nas teóricas de forma mais rápida, didáctica e fácil. Desde aulas gravadas e posteriormente passadas a escrito (ou “desgravadas”, que permitem o conhecimento ipsis verbis do que foi dito pelo regente), sebentas diversas, vídeos ilustrativos de partes da matéria na internet, livros de grande qualidade, explicações de colegas e, claro, as úteis aulas práticas, nas quais geralmente existe uma tutorização muito mais próxima e eficaz. No meio desta guerra e com o objectivo de verem menos cadeiras vazias em frente de si, por vezes muitos professores optam por coagir os alunos a frequentarem as suas aulas através da atribuição de bonificações na nota final ou outras técnicas, em vez de tentarem oferecer nestas algo que acrescente à formação dos alunos uma mais-valia e que não possa ser adquirido em livros ou outros meios. A resposta ao problema passa diversas vezes por dizer “isto aqui não é muito bom, mas é o que se arranja e têm que vir à mesma”, mesmo que isso signifique a ocupação de várias horas semanais que poderiam ser usadas, por exemplo, para estudar.

Chegando-se a este ponto, é necessário perguntar: então e o que se deve fazer? A resposta não é simples, tampouco aqui será possível dá-la. O fim das aulas teóricas é uma opção possível, muito embora pouco provável – é quase certo que ainda existe lugar para este tipo aprendizagem nas faculdades do amanhã. O que parece óbvio, porém, é que uma grande mudança nas mesmas terá que ser efectuada para granjearem uma utilidade razoável. Efectivamente, existem cursos nas quais estas são fundamentais, no entanto tal não será norma mas excepção. Hoje, a justificação para a sua transversalidade estará associada a uma tradição bem estabelecida mais do que aos seus possíveis benefícios na formação do estudante. Novas formas de ensinar têm de despoletar e é possível que as dissertações teóricas de tradição milenar fiquem pelo caminho.

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O Luís Afonso nasceu em Coimbra, mas sempre sonhou ser de Mortágua. É estudante do 6º ano de Medicina, mas gostava era de ter um bar de praia em Copacabana e um canudo de Línguas Orientais na algibeira. Se o virem num concerto de Coldplay com ar aluado, provavelmente enganou-se no caminho ao sair de casa para comprar bolachas com chocolate, situação que, aliás, lhe acontece frequentemente. Quase ganhou o torneio de Trivial Pursuit da Queima das Fitas, só que errou a pergunta «Quantos dias sobrevivem os Glóbulos Vermelhos?». A partir daí a sua vida foi sempre a descer.

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