ESPECIAL FRONTAL | Dia Nacional do Doente com AVC 2019

Assinala-se hoje, dia 31 de março, o Dia Nacional do Doente com AVC – este Dia foi instituído em 2003 no sentido de sensibilizar a população portuguesa para o problema e promover a melhoria das práticas dos profissionais de saúde, reconhecendo o acidente vascular cerebral (AVC) como um problema de saúde pública de caráter multidimensional com graves consequências para o cidadão, para a sociedade e para o sistema de saúde.

Neste âmbito, temos o prazer de poder contar com a colaboração do Professor Doutor Miguel Viana Baptista, do Dr. André Sobral Pinho e da Dra. Rita Ventura, que prepararam um breve artigo com o intuito de consciencializar os nossos leitores para a importância, não só do reconhecimento e abordagem precoces do acidente vascular cerebral, como também do controlo dos seus fatores de risco.

 

Sobral-Pinho A. (a); Ventura R. (a); Viana-Baptista M.(a,b)
a Serviço de Neurologia do Hospital de Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Lisboa, Portugal
b CEDOC, Centros de Estudos de Doenças Crónicas, NOVA Medical School/Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, Portugal

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode ser definido, em termos gerais, como um défice focal neurológico agudo resultante de uma lesão vascular com mais de 24 horas de duração ou evidência imagiológica. É uma patologia com elevada incidência e a principal causa de mortalidade em Portugal. Os últimos dados disponíveis do Instituto Nacional de Estatística, relativos ao ano de 2016, mostraram que as doenças do aparelho circulatório, das quais o AVC faz parte, foram responsáveis por cerca de 30% dos óbitos verificados em Portugal, superando os óbitos ocorridos por neoplasias malignas (25%). Os esforços dedicados para diminuir estes números devem ser adotados não só por todos os profissionais de saúde, como também pela população em geral. Para tal, é fulcral a transmissão de duas mensagens: “O AVC é uma emergência!” e “o controlo dos factores de risco é fundamental”.

1) “O AVC é uma emergência!”: Um dos principais contributos para a elevada taxa de incapacidade e mortalidade decorrentes de um AVC prende-se com a chegada tardia dos doentes aos Hospitais. Este facto parece estar relacionado com dois motivos primários: a falta de sensibilização da população para a sintomatologia mais frequente relacionada com o AVC e a errada utilização dos meios de emergência.
Importa sublinhar e alertar que atualmente existe uma terapêutica de fase aguda para o AVC isquémico, nos casos em que é causado pela obstrução arterial por um trombo ou êmbolo, que tem como objetivo a sua dissolução, através de terapêutica fibrinolítica e/ou remoção, com terapêutica endovascular. De acordo com as indicações atuais, a fibrinólise poderá ser administrada, se forem respeitados alguns requisitos, até 4,5 horas depois do início dos sintomas, sendo que após esta janela temporal, deixa de estar disponível. Para além disto, sabe-se que este tratamento é tanto mais eficaz e seguro quanto mais cedo for administrado. A terapêutica endovascular com trombectomia mecânica, por sua vez, tem também indicações próprias e está disponível até às 6 horas (e alguns casos até às 16h e 24h) após o início dos sintomas, sendo que esta necessita de uma equipa multidisciplinar da qual também faz parte um Neurorradiologista de intervenção.

Angiografia da circulação cerebral anterior, com oclusão da artéria cerebral média esquerda, pré (1,2) e pós-trombectomia (3,4).

Percebe-se assim a expressão “tempo é cérebro” e o motivo pelo qual foi criado o sistema de emergência designado Via Verde do AVC. Em termos gerais existem duas modalidades deste sistema: Via Verde do AVC extra-hospitalar e intra-hospitalar. Na primeira existe uma articulação entre o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e os Hospitais, permitindo que os doentes sejam avaliados por uma equipa médica imediatamente aquando da sua chegada para que a avaliação e decisão de administrar terapêutica de fase aguda seja a mais célere possível. Dentro desta existe ainda um protocolo – Urgência Metropolitana de Lisboa – que assegura que o distrito de Lisboa e os do Sul do país disponham de uma equipa de Neurorradiologia de Intervenção pronta a atuar em caso de necessidade. A Via Verde do AVC intra-hospitalar, permite assegurar a maior brevidade na realização de todos os exames necessários (por exemplo: avaliação analítica e TC CE) para que a decisão de intervir possa ser a mais rápida e com a maior informação possível.
Todo o tempo que é passível de ser poupado é, por isso, essencial. É fundamental passar a
mensagem à população que, na presença de sintomas (como “boca ao lado”, falta de força e “alterações na fala”) deve ser contactado imediatamente o 112 e não recorrer por iniciativa própria ao Serviço de Urgência visto que, o atraso na activação deste sistema pode ser o suficiente para que o doente saia da janela terapêutica para tratamento de fase aguda e perca a oportunidade de receber um tratamento que melhoraria o prognóstico do evento.
Desde que foi criada a Via Verde do AVC, registou-se um aumento de 492 ativações em 2006 para 3496 em 2018. Em 2015, das 3114 activações da Via Verde do AVC, 1516 resultaram na administração de terapêutica fibrinolítica. Apesar destes dados mostrarem uma evolução positiva, existem ainda muitos casos que poderiam ter beneficiado deste sistema, mas que não o foram dada a falta de sensibilização por parte da população de como proceder.

2) “O controlo dos fatores de risco é fundamental”: Os fatores de risco clássicos para o surgimento de eventos cerebrovasculares como hipertensão arterial, tabagismo, dislipidémia, diabetes mellitus e fibrilhação auricular continuam, no seu conjunto, a atingir uma grande parte da população portuguesa, sendo que se estima que uma percentagem importante destes doentes não se encontra devidamente medicada ou não tem sequer conhecimento dos fatores de risco que possui. A consciencialização da população para ter um seguimento regular nos Cuidados de Saúde Primários (CSP) para o diagnóstico, tratamento e seguimento destas condições torna-se desta forma um pilar essencial na redução do número de acidentes vasculares cerebrais.
Importa ainda referir que, embora o AVC seja um evento agudo, as sequelas que deste podem advir vão, muitas vezes, acompanhar o doente para o resto da sua vida, com impacto não só para o próprio mas também para aqueles que o rodeiam. Por este motivo, o tratamento do doente com AVC deve passar por um programa de reabilitação e capacitação a longo prazo que envolve a proximidade e acompanhamento pelos CSP, apesar de, com maior frequência do que o desejável, os mecanismos disponíveis para este fim são em menor número do que as solicitações que tem.

É assim de aproveitar o dia nacional do doente com AVC para apelar a todos quantos têm conhecimentos sobre esta matéria que têm também o ónus de o fazer chegar a quem ainda não o tem, para que o acesso adequado e atempado às terapêuticas de fase aguda e a consciencialização dos factores de risco estejam disponíveis a uma parte cada vez maior da população. Só assim se poderá diminuir o impacto tão significativo desta patologia na sociedade.

Bibliografia

  • Clarke C.; Howard R.; Rossor M.; Shorvon S.; Neurology, A Queen Square Textbook, Wiley Blackwell, 2nd edition, 2016

  • AHA/ASA Guideline; 2018 Guidelines For The Early Management For Patients With Acute Ischemic Stroke, Stroke 2018

  • Programa Nacional para as Doenças Cerebro-cardiovasculares, DGS 2017

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