Corpo carotídeo: a peça que faltava?

Atualmente, a hipertensão arterial constitui o mais importante fator de risco cardiovascular modificável, adquirindo uma prevalência, em Portugal, de cerca de 42,1%. Sabe-se também que, em doentes diabéticos, a doença cardiovascular é a principal causa de morte. Neste sentido, a FRONTAL foi falar com a Doutora Sílvia Conde acerca da recente descoberta que o seu grupo de investigação fez em relação ao desenvolvimento de insulino-resistência e hipertensão arterial, e que tem como protagonista o corpo carotídeo

Dra Sílvia Conde - Investigadora Principal
Doutora Sílvia Conde, Investigadora Principal deste estudo (CEDOC)

A equipa de investigação da Faculdade de Ciências Médicas, liderada por Sílvia Conde, do Centro de Estudos e Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da NOVA (CEDOC FCM-NOVA) distinguiu-se recentemente com o projeto “Role of carotid body in the development of metabolic disturbances”, publicado este ano nas revistas Diabetes e New Scientist. Com este projeto, Maria João Ribeiro, estudante de Doutoramento do Laboratório liderado por Sílvia Conde, foi premiada de forma inédita em Portugal. A jovem investigadora ganhou o prémio EPHAR Young Investigator AADS 2014, uma distinção para o melhor artigo publicado por jovens europeus na área da Farmacologia, concedida pela Federação das Sociedades Europeias de Farmacologia.

Qual a importância do corpo carotídeo?

carotid body
Localização do corpo carotídeo

Antes de mais, a Doutora Sílvia Conde relembra o que é o corpo carotídeo e quais as suas funções: “É um pequeno órgão localizado na bifurcação das artérias carótidas e que funciona como um sensor de oxigénio. Quando há uma diminuição da quantidade de oxigénio no sangue, por exemplo quando se sobe a uma montanha de elevada altitude ou se diminui a capacidade de transporte de oxigénio, o corpo carotídeo é ativado. A ativação deste órgão leva a um aumento da frequência respiratória para repor a quantidade de oxigénio no sangue e ativa o sistema nervoso simpático, que é o responsável por estimular ações que possibilitam ao organismo responder a situações de stress.”

Uma situação de frequente stress metabólico é a diabetes mellitus tipo 2, em que há um aumento dos níveis de insulina no sangue devido aos níveis elevados de glicose no mesmo (hiperglicémia). Num doente saudável, o aumento de insulina é suficiente para que o excesso de glicose seja conduzido para o interior das células, diminuindo os seus níveis sanguíneos. No entanto, num doente diabético tipo 2, a ação da insulina é frequentemente infrutífera, pelo que os níveis elevados de glicose no sangue se mantêm, mesmo apesar da hiperinsulinémia – diz-se, nestes casos, que há insulino-resistência. Geralmente, os doentes nesta situação sofrem também de obesidade (IMC>30) e de hipertensão arterial, sendo que esta última já existe, muitas vezes, ainda antes de se instalar o quadro de diabetes tipo 2. Neste sentido, a ideia inicial do projeto seria “avaliar se o corpo carotídeo poderia ser um sensor de insulina e se, na presença de elevadas quantidades desta hormona, ocorreria uma sobre-estimulação deste pequeno órgão. Isto provocaria um aumento da atividade do sistema nervoso simpático e, consequentemente, levaria ao desenvolvimento de insulino-resistência e hipertensão arterial.”

Hipertensão arterial vs Diabetes mellitus tipo 2 – fim à vista?

Critérios de Síndrome Metabólico
Critérios para Síndrome Metabólico

Os primeiros resultados deste estudo encontram-se já publicados (Ribeiro et al., Diabetes, 2013 62, 2905-16) e têm tido significativa cobertura mediática. Isto porque a equipa de Sílvia Conde fez uma descoberta que poderá vir a ser de grande relevância para o controlo futuro da diabetes tipo 2 e da hipertensão arterial, dois dos maiores flagelos médicos do século XXI. Segundo Sílvia Conde: “Demonstrámos que a atividade do corpo carotídeo está aumentada em modelos animais de pré-diabetes e síndrome metabólico induzidos por dietas hipercalóricas. Demonstrámos também que, abolindo a atividade deste órgão, através da ressecção crónica do nervo do seio carotídeo, se consegue prevenir o desenvolvimento de resistência à insulina e hipertensão arterial nestes modelos animais. Para além disso, descrevemos pela primeira vez que o corpo carotídeo é um sensor de insulina e que é a hiperinsulinémia que leva a uma sobreativação do órgão. Concluímos então que o corpo carotídeo está implicado na patogénese da diabetes tipo 2 e da hipertensão arterial.”

Demonstrámos que a atividade do corpo carotídeo está aumentada em modelos animais de pré-diabetes e síndrome metabólico

Diabetes
Sintomas a ter em conta para o diagnóstico da Diabetes Mellitus

Para a população portuguesa não é difícil de entender a importância que este estudo adquire, uma vez que a hipertensão arterial é cerca de duas vezes mais frequente nos diabéticos do que na população geral, afetando 30-80% destes doentes, dependendo do grau de obesidade, da idade, da etnicidade e do tempo de evolução da doença (in Revista Factores de Risco, nº22, Julho a Setembro de 2011).

Os estudos mecanísticos em modelos animais de pré-diabetes e síndrome metabólico foram corroborados por um estudo clínico realizado em colaboração com o Prof. Miguel Mota Carmo, no Hospital de Santa Marta (CHLC, EPE), e, atualmente, em colaboração com a companhia farmacêutica GlaxoSmithKline (GSK), esta ambiciosa equipa trabalha para desenvolver um projeto que identificará os circuitos neuronais envolvidos no processo de resistência à insulina.

E no futuro?

Em termos de perspetivas futuras, a Doutora Sílvia Conde esclarece: “Agora o nosso objetivo é caracterizar os circuitos neuronais envolvidos no desenvolvimento da insulino-resistência. A descoberta das vias neuronais envolvidas na génese da diabetes tipo 2 e outras alterações metabólicas permitirá o desenvolvimento de implantes, como por exemplo nanochips, que detetem as alterações, como o aumento das concentrações de insulina e pressão arterial, e sejam capazes de as normalizar.”

A equipa da FRONTAL louva o trabalho da equipa do laboratório CEDOC FCM-NOVA e agradece a colaboração e disponibilidade da Doutora Sílvia Conde para a realização deste artigo, desejando o maior dos sucessos para a sua investigação.

CEDOC FCM-NOVA Carotid Body & Metabolism: from Molecules to Systems
CEDOC FCM-NOVA: Carotid Body & Metabolism: from Molecules to Systems
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Ana Rute Marques é aluna do 5º ano da FCM-NOVA. Nascida em Lisboa, cresce em Corroios. Ingressa no ensino superior em 2009, na Faculdade de Ciências Médicas, no mestrado integrado de Medicina. É colaboradora da Revista FRONTAL desde o início de 2013. Os seus interesses pessoais, além da Ciência (em especial das Neurociências), abrangem o Mundo Animal, a 7ª arte, as técnicas de Defesa Pessoal e os Clássicos da Literatura Portuguesa.

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