Dor Crónica: A Luta Continua

Mais de 30% da população portuguesa sofre de dor crónica, tendo esta implicações graves no desempenho social e profissional, mas também na economia da saúde do nosso país. A FRONTAL foi averiguar o que tem sido feito no âmbito das novas terapêuticas para a dor crónica, no intuito de melhorar a qualidade de vida destes doentes.

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“A pain in the neck”

A nível europeu, a dor crónica afeta cerca de 1 em cada 5 adultos, podendo ser definida como uma dor com duração superior a 3 meses ou que persiste após o período esperado de recuperação. Em Portugal estima-se que cerca de 36% da população adulta sofra de dor crónica, sendo que, em 16% destes casos, a dor é considerada moderada ou forte – de acordo com a iniciativa Pain Proposal, 2010.

As suas causas são quase infinitas: vão das neoplasias à diabetes, passando pelas diversas situações em que a causa da dor permanece indeterminada. Segundo consta no Manual de Dor Crónica da Fundação Grünenthal, “A Dor Crónica é causadora de morbilidade, absentismo ao trabalho e incapacidade temporária ou permanente, gerando elevados custos aos sistemas de saúde, com grande impacto na qualidade de vida do doente e das famílias”. O seu impacto social, profissional e económico foi também quantificado na iniciativa Pain Proposal: “Aproximadamente 50% dos indivíduos com dor crónica referem que a dor afeta de forma moderada ou grave as suas atividades domésticas e laborais, 4% perderam o emprego, 13% obtiveram reforma antecipada e a 17% foi feito o diagnóstico de depressão”.

Uma vez que a dor crónica não diz somente respeito a uma especialidade médica, tem vindo a adquirir, ao longo do tempo, a atenção de equipas médicas multidisciplinares e também de investigadores, no intuito de se tentar obter de um tratamento definitivo, acompanhado e menos dispendioso para estes doentes.

Caminhando para uma cura?

Várias têm sido as descobertas feitas no âmbito da busca de uma cura para a dor crónica, sendo de realçar as que mais recentemente foram anunciadas.

Foi na Universidade Rovira i Virgili de Tarragona (URV) que, em 2012, um grupo de cientistas percebeu que a dimetil-esfingosina (DMS), um metabolito das membranas celulares neuronais, seria, após a sua introdução no sistema dos roedores, a responsável pelo aparecimento de dor nos animais que não a apresentavam previamente. “Demonstrámos que há uma via metabólica sobre a qual é possível atuar (…) [e] reações que, no futuro, poderão vir a ser úteis ao desenvolvimento de fármacos inibidores” – afirma o investigador Óscar Yanes.

Em 2013, uma equipa de investigadores da França e da Suécia descobriu o envolvimento da proteína 14-3-3 zeta no mecanismo da dor crónica em roedores, através da sua interação com a subunidade B1 do recetor GABAB. “Os níveis da proteína 14-3-3 zeta que ocorrem naturalmente são mais elevados na medula espinhal de ratos que sofrem de dor crónica” – afirma Marc Landry, cientista da Universidade de Bordeaux.

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Estrutura do C. geographus, com destaque para o ducto de veneno (a azul claro e escuro). Imagem adaptada de: https://www.scienceopen.com/document/vid/b1192470-7892-45d4-b352-4ec4852fb1fd

No entanto, o achado que é, quiçá, o mais interessante nesta área é extraordinariamente recente. Já este ano, no presente mês, uma equipa de cientistas australianos, juntamente com investigadores da Universidade do Porto, descobriu a interessante capacidade do caracol Conus geographus de produzir um veneno capaz de intervir futuramente no tratamento da dor crónica (Jornal CiênciaHoje, Abril 2014). 

Este caracol marinho é conhecido pela enorme letalidade da sua picada, para a qual ainda não existe antídoto conhecido, estando documentadas cerca de 30 mortes humanas que lhe poderão ser atribuíveis. A sua picada liberta quantidades e composições variadas de veneno consoante os alvos do ataque sejam moluscos, vermes ou peixes. O veneno possui toxinas que paralisam as suas vítimas através do bloqueio de recetores neuromusculares – recentemente, foi inclusive descoberto que este composto possui também propriedades analgésicas de capacidade muito, mas mesmo muito, superior à da morfina.

Os resultados desta pesquisa mostram que a libertação de toxinas de diferentes segmentos do ducto de veneno do animal pode originar venenos distintos de predação ou defesa, que são sintetizados por centros neuronais completamente distintos. O objetivo desta particularidade será, provavelmente, a limitação dos gastos energéticos da produção de veneno para o animal. À luz deste estudo, espera-se que, no futuro, venha a ser possível a comercialização deste veneno para uso em humanos, de forma a se constituir um novo tratamento para a dor crónica, com eficácia superior à dos fármacos que se encontram atualmente no mercado e que se destinam a esse mesmo fim.

De acordo com a iniciativa Pain Proposal, a oferta curricular no ensino da Medicina no nosso país é deficitária em termos de disciplinas que abordem os pressupostos da dor, tornando-se, portanto, fundamental que haja uma maior “chamada de atenção” de profissionais para a área da dor. Deste modo, a luta para que o seu tratamento passe a ser encarado como uma prioridade na melhoria de qualidade de vida dos doentes que a apresentam continua.

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Nota: Para mais informações acerca da terapêutica atual para a dor, bem como dos estudos realizados, a nível nacional, no âmbito da dor crónica, recomenda-se a leitura do Manual de Dor Crónica patrocinado pela Fundação Grünenthal e a consulta do sítio da Associação Portuguesa para o Estudo da Dor. A iniciativa Pain Proposal pode ser consultada aqui.

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