Dr. Bruno Miranda | As memórias episódica e semântica no planeamento cognitivo

Antes de tomar decisões, imaginamos várias vezes o que pode acontecer. Esta antecipação de consequências de ações ainda não tomadas é cognitivamente exigente e pouco se sabe das suas bases teóricas e neuronais. A visão dominante defende que, quando planeamos “o que vou fazer amanhã?”, usamos memórias pessoais dependentes do tempo e lugar – memória episódica. Assim, a simulação do futuro usa a experiência passada de “no sábado comi um croissant naquela pastelaria” para avaliar se essa hipótese é adequada. Contudo, doentes com lesão no lobo temporal médio (LTM), responsável pela memória episódica, conseguem imaginar certas experiências. Consequentemente, teorias recentes sobre planeamento cognitivo destacam uma contribuição independente e alternativa do conhecimento não-pessoal e culturalmente compartilhado – memória semântica, e do lobo temporal anterior (LTA).

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O projeto premiado com o Prémio João Lobo Antunes (1a edição) da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa visa testar a hipótese de que ambos os tipos de memória suportam de forma independente o planeamento, usando doentes com defeitos específicos de memória episódica (Doença de Alzheimer) e semântica (Demência Semântica). Os dois grupos serão comparados em testes neuropsicológicos, questionários de pensamento passado/futuro e em duas novas tarefas comportamentais. Estas últimas consistem em tarefas de decisão de duas escolhas, mas com transições da primeira para a segunda escolha que são dependentes ora de experiências pessoais – tarefa episódica, ora de conhecimento culturalmente compartilhado – tarefa semântica. Os resultados destas avaliações serão ainda correlacionados com o volume em ressonância magnética dos LTM e LTA nos dois grupos.

Os resultados têm potencial para um contributo científico relevante por duas razões. Primeiro, porque os trabalhos prévios no tema são escassos e focam-se sobretudo em aplicar questionários subjetivos. Em contraste, as duas tarefas comportamentais do projeto foram desenvolvidas tendo em conta avanços na área da cognição computacional e testam direta e quantitativamente o processo de planeamento. A segunda razão é o facto de estas tarefas poderem vir a ser também aplicadas na prática clínica, para identificar precocemente defeitos cognitivos específicos.

No futuro, os meus interesses de investigação independente enquadram-se na crescente convergência das áreas de ciências computacionais, cognitivas e neurofisiologia.

Ao contrário de uma investigação exclusivamente clínica, procuro na clínica um instrumento para aprofundar o conhecimento teórico da neurociência cognitiva básica. Por outro lado, um melhor esclarecimento do processo cognitivo tem um óbvio impacto na fisiologia da doença e na prática clínica de diagnóstico ou tratamento.

Os interessados em saber mais informações ou em colaborar na investigação poderão contactar-me.

* Bruno Miranda (MD)

Investigador no Grupo de Fisiologia Clínica Translacional do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes

Professor Auxiliar Convidado no Instituto de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Interno do Internato Complementar em Neurologia no Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte

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