Mosquito vs Bactéria

E se o segredo para combater doenças como a malária e a dengue estivesse no aparelho digestivo dos mosquitos? Segundo investigadores da John Hopkins University, nos EUA, a solução para doenças transmitidas por mosquitos-vetores pode estar nas substâncias sintetizadas por bactérias da microbiota destes insetos. A FRONTAL foi investigar o caso.

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Até agora sabia-se que a interação entre os mosquitos e as bactérias influenciava a competência destes para patogénios humanos através de mecanismos como a estimulação do sistema imunitário do inseto, sequestro do patogénio pelos micróbios e fatores anti-patogénicos sintetizados pelas bactérias. Este conhecimento tornou a microbiota dos mosquitos num apetecível material de estudo na perspetiva do controlo de doenças transmitidas por vetores.

As doenças transmitidas por vetores

Vetores e doenças associadas
Vetores e doenças associadas

Os vetores são organismos que transmitem ativa ou passivamente um agente infecioso entre humanos ou de um animal infetado para um humano. Os vetores mais frequentes são insetos, sendo a picada o mecanismo de transmissão dos agentes patogénicos. Os insetos-vetores mais comuns são os mosquitos, a mosca da areia e a carraça. É preciso ter em conta que um inseto pode ter no seu interior diferentes agentes patogénicos, o que significa que, através de uma única picada, podem ser transmitidas várias doenças.

No universo das doenças transmitidas por vetores destacam-se a malária e a dengue. A malária é a mais letal deste grupo – segundo os Centers for Disease Control and Prevention (CDC), estima-se que em 2010 tenha havido 219 milhões de casos de malária a nível mundial e que 91% dos 660000 casos fatais tenham ocorrido em África. A dengue é a doença transmitida por vetor que apresenta um crescimento mais rápido a nível mundial – nos últimos 50 anos a incidência aumentou em 30 vezes e, na atualidade, cerca de 40% da população mundial corre o risco de a contrair.
De facto, estas doenças têm sido dois ossos duros de roer. A globalização e as alterações ambientais, tanto a nível do clima como da urbanização, têm conduzido a uma re-emergência e expansão a nível geográfico das doenças transmitidas por vetores. Tradicionalmente consideradas como doenças dos países tropicais, representam cada vez mais uma ameaça à saúde pública a nível mundial.

Campanha da OMS - Prevenção das doenças transmitidas por vetores
Campanha da OMS – Prevenção das doenças transmitidas por vetores

Malária

A malária é uma doença parasitária (Plasmodium) transmitida pela picada de mosquitos Anopheles fêmeas.
Há 5 espécies de Plasmodium que provocam malária em humanos, sendo os mais comuns o Plasmodium falciparum e o Plasmodium vivax. O P. falciparum é o mais perigoso, com as maiores taxas de complicações e mortalidade.
Os mosquitos Anopheles são os únicos vetores dos Plasmodium, no entanto o cenário complica-se um pouco mais devido ao facto de haver 60 espécies de Anopheles conhecidas, cada uma delas com as suas particularidades biológicas e ecológicas.
O período de incubação varia em média entre 10 e 15 dias e os doentes referem sintomas como: febre alta, calafrios, sudorese, dores articulares, cefaleias, fadiga, náuseas e vómitos.
O diagnóstico precoce é a chave para o sucesso no tratamento da malária. Um caso de malária por P. falciparum pode evoluir em apenas algumas horas para um quadro de coma e falência multiorgânica. Uma vez atingidos estes níveis de gravidade, a mortalidade ronda os 20%, mesmo com instituição de terapêutica adequada.
Segundo a OMS, o tratamento mais indicado, principalmente para os casos de malária por P. falciparum, é a terapêutica combinada à base de artemisina (ACT).

Ciclo de vida do Plasmodium
Ciclo de vida do Plasmodium

Dengue

A dengue é uma doença viral cujo principal vetor é o mosquito Aedes aegypti fêmea.
4 serotipos conhecidos de vírus dengue (DEN 1-4). É certo que a infeção com um dos serotipos confere imunidade para esse serotipo específico – no entanto, o risco de dengue hemorrágica aumenta com infeções subsequentes por outros serotipos.
O período de incubação varia entre 3 a 6 dias. Os principais sintomas de dengue são febre alta, cefaleias, dores musculares e articulares, náuseas, vómitos e exantema. A dengue propriamente dita raramente é fatal, contudo, a dengue hemorrágica é uma complicação potencialmente letal e pode apresentar-se com hipotermia, dor abdominal intensa, taquipneia, gengivorragia e hematemeses.
Após o aparecimento dos primeiros sintomas, o doente pode transmitir a doença, via mosquitos Aedes, durante 4 a 5 dias, embora possa alcançar um máximo de 12.
Não há nenhum antiviral eficaz no tratamento da dengue, nem nenhuma vacina. Atualmente faz-se tratamento sintomático, sendo que, nos casos de dengue hemorrágica, a estabilização hemodinâmica é crucial.

Sintomas dengue vs dengue hemorrágica
Sintomas dengue vs dengue hemorrágica

A microbiota dos mosquitos

As doenças transmitidas por mosquitos-vetores são cada vez mais uma ameaça a nível mundial e as soluções terapêuticas são ainda muito limitadas. É neste contexto que a equipa da John Hopkins University desenvolveu um estudo centrado na microbiota de mosquitos da espécie Aedes aegypti e das suas propriedades anti-patogénicas.
Neste estudo foi isolada uma bactéria da flora intestinal do mosquito Aedes aegypti, pertencente ao género Chromobacterium, a Csp_P. Os resultados deste trabalho sugerem que a Csp_P tem propriedades anti-patogénicas e entomopatogénicas – ou seja, é capaz de parasitar um inseto, matando-o ou incapacitando-o -, o que a torna num potencial candidato para o desenvolvimento de estratégias de controlo da malária e da dengue.

Segundo os investigadores: “As propriedades anti-patogénicas de largo espetro aliadas à sua capacidade de matar mosquitos tornam a Csp_P um candidato interessante para o desenvolvimento de novas estratégias de controlo de duas das mais importantes doenças transmitidas por vetores.”

Para observar os efeitos da Csp_P sem interferência de outros micróbios, os mosquitos das espécies Aedes aegypti e Anopheles gambiae foram tratados com antibióticos, tendo sido posteriormente adicionada Csp_P à água com açúcar utilizada na sua alimentação. Deste modo, observou-se uma rápida colonização do tubo digestivo com formação de biofilmes (uma espécie de aglomerado habitacional de bactérias).
Quando ingerida pelos mosquitos, a Csp_P reduz significativamente a suscetibilidade para infeção com Plasmodium e vírus da dengue. Além disso, tanto nos mosquitos em que ocorreu colonização como nos que tal não aconteceu, observou-se uma diminuição da longevidade (propriedades entomopatogénicas), que foi atribuída à exposição através da ingestão da bactéria. Paralelamente, avaliou-se o impacto da exposição das larvas de mosquito à Csp_P, em meio aquático, tendo-se verificado que as larvas de ambas as espécies de mosquitos sofreram uma redução no tempo de vida.

Chromobacterium combate a malária e a dengue em múltiplas frentes
A Chromobacterium combate a malária e a dengue em múltiplas frentes

Os biofilmes de Csp_P foram também eficazes contra outras bactérias isoladas da microbiota dos mosquitos Aedes aegypti, nomeadamente Pseudomonas, Paenobacillus, Comamonas, Acinetobacter, Enterobacter, Pantoea, Serratia e Chryseobacterium spp.
Outro dos passos do trabalho foi a avaliação da ação direta da Csp_P, in vitro, sobre o Plasmodium e o vírus da dengue. Ficou demonstrado que a Csp_P tem uma ação anti-Plasmodium e anti-vírus da dengue independente do mosquito. Estes resultados sugerem que, possivelmente, o mecanismo envolvido será a produção de metabolitos tóxicos para os patogénios, que poderão ser estudados no âmbito do desenvolvimento de novas armas para a prevenção e tratamento das infeções.

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