Jejum Intermitente: como cronometrar a alimentação

Dieta e exercício são os pilares essenciais para uma rotina saudável, porém concretizar o essencial tem-se transformado num suplício mundial, tendo os caminhos para atingir o saudável se multiplicado ao longo do tempo e espaço. Na panóplia de opções que nos são constantemente bombardeadas, escolher a que melhor se adapta ao nosso caso é difícil e exige sempre uma opinião profissional, que nem sempre é possível. Focando o pilar da dieta, a questão ronda sempre o “O que comer?”, “Quanto comer?” e “Como comer?”, ora o jejum intermitente (JI) responde ao “Quando comer?”, trazendo uma nova perspetiva.

No JI, a alimentação é circunscrita a um período de tempo específico, sendo o restante tempo dedicado ao jejum. Existem diversas maneiras de o fazer baseadas essencialmente na escolha de um período de tempo regular para alternar o jejum e a alimentação. Os esquemas podem variar desde comer apenas durante um período de 8 horas e realizar jejum no restante tempo ou mesmo uma única refeição a cada 2 dias duma semana.

O paradigma é simples e eis a explicação: Os alimentos, ao serem ingeridos, são processados ao longo do trato gastrointestinal, sendo os hidratos de carbono reduzidos a açúcares, posteriormente absorvidos para a circulação. Estes açúcares são usados pelas células para a produção de energia e, caso não sejam usados na totalidade, são armazenados sob a forma de gorduras. A entrada dos açúcares para a célula é regulada pela insulina, sendo também responsável pelo seu armazenamento sob a forma de gorduras ao nível dos adipócitos. Como a libertação de insulina é estimulada pela alimentação, através de períodos de jejum prolongado é possível baixar os níveis de insulina ao ponto de os adipócitos terem de quebrar as gorduras para poderem ser usadas como fontede energia.

Os estudos feitos em jejum intermitente são muito promissores. A prática deste método tem-se mostrado efetiva na perda de peso, controlo do risco cardio-metabólico e ainda na prevenção da diabetes. Todavia, a magnitude da extensa literatura adepta e relatadora da eficácia deste regime não se compara à escassa prova científica. Os ensaios realizados são ainda insuficientes para as deduções divulgadas. Existem, também, limitações ao nível do regime de alimentação, que se torna muitas vezes difícil de conjugar com o horário de alimentação mais comumente usado. Os períodos de jejum prolongado e diminuição do número de refeições não são compatíveis com o estilo de vida de um indivíduo com um horário laboral fixo. Porém, estudos mais recentes apontam para uma forma de jejum intermitente mais realista, eficaz e adaptável, tendo por base o timing do jejum.

Com o objetivo de testar se o JI tem benefícios independentes da perda de peso, foi feito um estudo com uma nova abordagem – o time-restricted feeding (TRF). O TRF estende o tradicional período de jejum entre o jantar e o pequeno-almoço da manhã seguinte, podendo ser praticado com ou sem a redução de ingestão de calorias. O objetivo é reduzir o período de 12h de alimentação para um intervalo inferior a 10h seguido de um jejum diário de pelo menos 14h.

Salienta-se que a eficácia do TRF depende da altura do dia em que a alimentação é feita, tendo apenas benefícios quando feita em regimes matinais. Uma alimentação tardia resulta em níveis de glucose pós-prandial, tensão arterial e lípidos cada vez piores. Estes efeitos do TRF podem ser explicados pelo relógio biológico interno – o sistema circadiano, responsável por regular o metabolismo da glucose, lípidos e obtenção de energia. No ser humano, o metabolismo está otimizado para uma ingestão matinal, havendo uma maior sensibilidade à insulina e uma melhor resposta das células β-pancreáticas. Assim, o alinhamento da alimentação com o ritmo circadiano, aumentando a ingestão ao pequeno-almoço e reduzindo-a ao jantar, parece melhorar o controlo glicémico, perda de peso, níveis lipídicos e reduzir o apetite.

Esta intervenção combinada da restrição alimentar com os ritmos circadianos foi testada como um novo subtipo de JI – o early time-restricted feeding (eTRF). Foi realizado um novo estudo randomizado e em crossover em 8 homens com pré-diabetes. Pretendeu-se demonstrar que o eTRF promove uma melhoria no controlo glicémico, função vascular e redução de marcadores inflamatórios e de stress oxidativo mesmo quando a ingestão alimentar é mantida e não há perda de peso.

Os participantes adotaram um intervalo alimentar diário de 6h, com jantar antes das 15h e jejum de 18h, durante 5 semanas, tendo o grupo de controlo um período alimentar de 12h. As refeições foram fornecidas e controladas de forma a manter o peso e eliminar possíveis vieses.

Os resultados confirmaram o postulado. Um jejum indeterminado em regime eTRF aumenta a sensibilidade à insulina, melhora a função das células β-pancreáticas e diminui ainda a insulina pós-prandial, a tensão arterial e o stress oxidativo. O eTRF não afetou os marcadores inflamatórios. Verificou-se também uma diminuição do apetite noturno, o que pode facilitar a perda de peso. Assim sendo, o jejum intermitente parece ter benefícios para a saúde mesmo na ausência de perda de peso.

A exequibilidade do regime também foi confrontada com os participantes, que na sua maioria reportaram existir uma maior dificuldade em realizar todas as refeições nas 6h do que fazer um jejum de 18h. A adesão dos participantes foi positiva, tendo em média demorado 10 a 12 dias a adaptarem-se ao novo padrão. Com base nas suas experiências, os participantes inferiram que um período de 7h a 8h de ingestão alimentar seria exequível para a maioria das pessoas.

Com esta nova abordagem, é possível realizar um jejum indeterminado mais compatível com o nosso regime diário. Deixa de ser necessário diminuir drasticamente a ingestão calórica e comer a horários desajustados. Sublinha-se a importância de uma alimentação equilibrada de predomínio matinal e da restrição ao máximo da ingestão noturna. O timing é essencial para garantir a eficácia. O JI, em eTRF, pode ainda ser uma estratégia benéfica para a população pré-diabética e hipertensa pelos seus efeitos na saúde cardio-metabólica, pelo que se torna essencial impulsionar os estudos nesta área e encontrar uma maior fundamentação científica, com base em novos ensaios, de maior dimensão, abrangentes à população global.

Bibliografia:

https://www.hopkinsmedicine.org/health/wellness-and-prevention/intermittent-fasting-what-is-it-and-how-does-it-work

https://www.health.harvard.edu/blog/intermittent-fasting-surprising-update-2018062914156

Early Time-Restricted Feeding Improves Insulin Sensitivity, Blood Pressure, and Oxidative Stress Even without Weight Loss in Men with Prediabetes. Cell Metabolism, May 2018

https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S1550413118302535?token=95D89DDB2A848F1DDCDF33F49AFA2050352820A64E9BBFFF7E8EFF9BF02FF11EDFB43C9BBA3D1B13842344E176CDDF00&originRegion=eu-west-1&originCreation=20210919092802

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