#6 MUSICOTERAPIA: The Brian Jonestown Massacre – Memory Camp

Se és como a equipa da Redação da FRONTAL e já especulaste, inúmeras vezes, ao ouvires uma determinada música, sobre a probabilidade da sua inspiração ter partido algures dos confins do mundo médico, esta rubrica é para ti. É, portanto, com enorme satisfação que te trazemos hoje a continuação da Musicoterapia – a nossa rubrica musical, onde exploramos possíveis correlações, das mais óbvias às mais rebuscadas, entre a música que não nos sai da cabeça e a Medicina.


A génese da banda The Brian Jonestown Massacre remonta a 1990, na cidade de São Francisco, Califórnia. O nome resulta da fusão entre “Brian Jones”, homenagem a um dos membros fundadores dos Rolling Stones, e “Jonestown Massacre”, massacre perpetrado a 18 de Novembro de 1978, na Guiana, país da América do Sul, tomando a vida de 918 pessoas, por suicídio em massa ou assassinato, às ordens de Jim Jones (líder do culto religioso “People’s Temple”), que obrigou os seus seguidores a beber um sumo de frutas envenenado, e mandou assassinar os que se recusaram, incluindo crianças.
Ao longo dos anos, The Brian Jonestown Massacre sofreram inúmeras alterações, tanto a nível de sonoridade como de elementos. No entanto, por entre os mais de quarenta músicos que passaram pela banda nos seus 31 anos de existência, há uma figura que permanece imutável: Anton Newcombe, cantor e multi-instrumentista, que, além de ser um dos fundadores, é visto por muitos como o rosto e o cérebro da banda.

Memory Camp é uma música que sempre me intrigou quanto ao seu significado. Contrariamente ao título do álbum em que se insere, Revelation, lançado em 2014, deixa quase tudo por revelar. Ainda assim, Memory Camp afigura-se-me como um espaço mental repleto de memórias, do qual é impossível sair (“You might be sightless and you can’t get out”) e no qual se recomeça uma, outra e outra vez (“Tear up and start again / The game is rigged and you’ll never win”).

Mas será possível alguém ficar preso nas suas memórias e ser incapaz de formar novas, acordando todos os dias no mesmo momento? É aqui que entra o caso de Henry Molaison.
Henry Molaison (1926-2008) tinha 27 anos quando foi submetido a uma cirurgia de remoção da porção medial de ambos os lobos temporais, cuja função era ainda desconhecida. A cirurgia, que até então nunca tinha sido realizada, tinha como objetivo curar uma epilepsia incapacitante da qual o doente padecia há mais de uma década e que se demonstrava refratária à terapêutica farmacológica.
A cirurgia foi bem sucedida, pois os episódios convulsivos diminuíram significativamente em número e em gravidade. No entanto, devido à cirurgia, Henry Molaison (H.M.) tornou-se incapaz de formar novas memórias (amnésia anterógrada), deixando-o permanentemente preso no mesmo momento. Surpreendentemente, não houve qualquer tipo de perda intelectual ou de perceção, algo também documentado em casos de outros doentes com lesões temporais mediais.
A acrescentar a isto, Henry foi desenvolvendo uma amnésia retrógrada, que resultou na perda das memórias correspondentes a um período de 11 anos prévio à cirurgia, conservando apenas as memórias respeitantes aos primeiros 16 anos de vida. Esta última alteração da memória não é atribuída à cirurgia, não sendo ainda claro o que a provocou, mas é colocada a hipótese de resultar da combinação dos frequentes episódios convulsivos e da pesada terapêutica farmacológica que fez ao longo de muitos anos.

Grande parte das teorias da época defendiam que a memória se encontrava distribuída por todo o córtex, mas o caso em questão permitiu levantar a suspeita de que o hipocampo e algumas das estruturas adjacentes tinham uma função crucial. Após décadas de investigação, foi possível identificar o denominado “Medial Temporal Memory System” (MTMS), constituído pelo hipocampo e pelos córtices perirrinal, entorrinal e parahipocampal.

Todavia, o contributo do caso de Molaison não se ficou por aqui. Ele possuía uma elevada capacidade para manter a atenção e era capaz de memorizar informação durante um curto período de tempo, principalmente sucessões de números, desde que estas fossem ativamente relembradas, utilizando mnemónicas, por exemplo. No entanto, assim que a sua atenção divagava para outros tópicos, esquecia-se de toda a informação adquirida previamente. No caso de informação “difícil de codificar” através de mnemónicas, como caras ou desenhos, esta era “apagada” da sua memória em menos de um minuto. Estas experiências tiveram um papel fundamental na distinção entre os conceitos de memória imediata e memória de longo-prazo. Importa referir que, enquanto a formação de novas memórias explícitas a longo-prazo está dependente do MTMS, a recuperação de memórias formadas previamente a lesões nessa região não depende da mesma. É por este motivo que se considera que a amnésia retrógrada de Molaison não pode ser atribuída à cirurgia.

Ao longo das várias experiências, também foi testada a sua capacidade de adquirir destreza visuomotora: foi-lhe apresentada uma estrela de cinco pontas, cujo contorno ele teria de desenhar com um lápis, apenas vendo a sua mão e a estrela refletidas num espelho. Ao longo de 3 dias, H.M. revelou uma incrível capacidade de retenção da destreza necessária para completar a tarefa sem, no entanto, se lembrar de já a ter praticado antes.

Esta experiência veio demonstrar duas coisas: por um lado, provou a existência de vários tipos de memória e que nem todos estariam dependentes do lobo temporal medial (a área afetada pela cirurgia); por outro lado, permitiu a distinção entre a chamada memória declarativa (ou explícita), aquela que é acompanhada da sensação clara de nos estarmos a lembrar de algo (factos ou acontecimentos do passado), e a memória de procedimentos (ou implícita), relacionada com a capacidade de desenvolver destreza a realizar certas tarefas.
O caso de Molaison constituiu um grande avanço na compreensão da memória: a sua amnésia, aliada a um intelecto, personalidade e perceção inalterados. tornavam-no o sujeito ideal para estudo. Ao longo de 55 anos, Brenda Milner, a sua aluna Suzanne Corkin, e uma equipa do MIT avaliaram e realizaram inúmeras experiências com a colaboração de Henry Molaison, facto que, para alguns, levanta questões éticas, pois consideram que este era incapaz de concordar com as experiências.
De forma a preservar a sua privacidade, a identidade de Henry Molaison foi mantida em segredo, sendo identificado apenas com “H. M.” em artigos e publicações científicas. O seu nome apenas foi revelado após a sua morte, em Dezembro de 2008, e o seu cérebro foi, posteriormente, cortado em cerca de 2401 fatias que foram digitalizadas e utilizadas para criar um modelo tridimensional.

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