A ciência hipnotiza-te?

A palavra “hipnose”, introduzida no século XIX por James Braid, provém do grego Hypnos, que na mitologia helénica significa Deus do Sono, chamado Somnus pelos romanos. Com a colaboração da Dra Joana Monteiro, Interna do Ano Comum, a FRONTAL quebra os tabus da Hipnose,  esclarecendo a sua ciência e respetivos mecanismos. 

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Baseando-se no seu trabalho final de mestrado intitulado ”Aspetos psiconeurofisiológicos da Hipnose em situação clínica” e sob orientação do Professor Mário Simões, Joana esclarece:

A aplicação da hipnose à clínica remonta há vários séculos, contudo o seu potencial enquanto instrumento terapêutico e de investigação tem sido por vezes menosprezado em virtude da reputação negativa veiculada pela hipnose de palco.

A hipnose pode ser definida como um procedimento durante o qual o terapeuta sugere a um indivíduo alterações nas sensações, percepções, pensamentos ou comportamento.

Genericamente, a hipnose envolve três conceitos fundamentais: concentração, atenção e imaginação, que interagem para atingir um estado psicofisiológico natural de concentração focal atenta e receptiva, com relativa suspensão da consciência periférica. 

Acerca do papel do sistema nervoso central neste fenómeno, Joana Monteiro explica:

Embora não haja nenhum sinal patognomónico que permita identificar o estado hipnótico, os estudos de neuroimagem têm objectivado alterações reprodutíveis na função cerebral em condição hipnótica que permitem estabelecer diferenças nos indivíduos muito hipnotizáveis relativamente ao seu estado de base e relativamente aos indivíduos pouco susceptíveis. Estes padrões de activação neuronal específicos (neuroimagiologia) do estado hipnótico favorecem [pullquote] o conceito de hipnose como estado modificado de consciência (EMC) único, diferente da vigília, sono ou sonho,  simulação ou acordo social [/pullquote]. A hipnose, enquanto EMC, afecta as funções integrativas do cérebro e induz  alterações na comunicação entre subunidades cerebrais responsáveis pela formação da experiência consciente. Este conceito facilita a compreensão de fenómenos como a amnésia no indivíduo hipnotizado e o “observador escondido”, em que o sujeito é capaz de relatar diferentes experiências em níveis distintos de consciência.

Exteriormente a hipnose assemelha-se à sonolência, embora o indivíduo esteja muito concentrado nos conteúdos da mente ou nas palavras do terapeuta. Em termos electroencefalográficos, a hipnose apresenta um padrão distinto de sono ou vigília, caracterizando-se pela predominância de ondas teta, mais frequentes em estados de sonolência, e geralmente associadas à percepção parcial do meio ambiente e a um estado “dream-like”.

Nos estudos de imagem tem-se verificado que os efeitos sugeridos por hipnose são acompanhados por alterações da actividade cerebral nas áreas que, normalmente, estariam associadas à mediação dos processos em questão, sugerindo que os efeitos induzidos pela hipnose são “reais”, quer a nível da experiência subjectiva quer a nível dos processos cerebrais subjacentes. Derbyshire et al. (2004), constataram que, em oposição à dor imaginada, a dor produzida por sugestão hipnótica fazia acompanhar-se de activações das áreas normalmente activadas na dor física.

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No estudo das alterações psiconeurofisiológicas provocadas pela hipnose, importa diferenciar aquilo que resulta, unicamente, da indução hipnótica (hipnose neutra) daquilo que é consequência de sugestões hipnóticas. A indução hipnótica pode ser definida como uma entrada programada em transe, o que acontece quando se está totalmente absorvido numa tarefa ou experiência, originando um estado de processamento mental modificado, o que influencia uma forma pré-existente de sugestionabilidade. É importante ter em consideração os efeitos dos diferentes procedimentos de indução hipnótica, de modo a discernir  aqueles que resultam de um procedimento de indução em particular, daqueles que constituem atributos fundamentais da hipnose.

A aceitação de estímulos verbais sem qualquer crítica e a experiência de respostas extra-volitivas são algumas das características da hipnose, que variam em função do grau de sugestionabilidade dos indivíduos, parecendo ter relação, entre outros, com o córtex cingulado anterior. Esta estrutura parece ter um papel fundamental na indução e sugestão hipnóticas, apresentando alterações da activação, concomitantemente com a activação de estruturas responsáveis pelo movimento e sensação sugeridos.

Haverá então futuro para a Hipnose?

A hipnose apresenta determinadas particularidades que futuramente poderão constituir-se como potenciais alvos psicoterapêuticos, nomeadamente, no que toca à analgesia hipnótica.

Novos estudos poderão proporcionar melhores descrições científicas das correlações fenomenológicas da hipnose e permitir desmitificar a parte subconsciente da consciência humana.

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Ana Rute Marques é aluna do 5º ano da FCM-NOVA. Nascida em Lisboa, cresce em Corroios. Ingressa no ensino superior em 2009, na Faculdade de Ciências Médicas, no mestrado integrado de Medicina. É colaboradora da Revista FRONTAL desde o início de 2013. Os seus interesses pessoais, além da Ciência (em especial das Neurociências), abrangem o Mundo Animal, a 7ª arte, as técnicas de Defesa Pessoal e os Clássicos da Literatura Portuguesa.

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