A Cultura do Medo – Parte II

Na primeira parte de “A Cultura do Medo”, a FRONTAL explicou como o medo interage no nosso cérebro e quais as raízes antropológicas de alguns medos frequentes no Homem. No entanto, apesar de o Homem se assustar, mantém uma paradoxal atração pelo susto e por tudo aquilo que lhe possa provocar medo. E porquê?

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Quem se assusta e quem quer ser assustado?

Em 1994, M. Zuckerman (Behavioral Expressions and Biosocial Bases of Sensation Seeking) defendeu que existem limiares de medo diferentes de pessoa para pessoa. Assim, uma pessoa mais “assustadiça” terá um limiar de medo mais baixo do que uma pessoa mais “corajosa”. Contudo, contrariamente ao que possa parecer, nem sempre esta situação é má – é preferível saltar de medo e gastar energia por coisa nenhuma do que não saltar e ser comido (Monsters Evolve: A Biocultural Approach to Horror Stories, 2012). Assim, pessoas com níveis de medo inferiores assustar-se-ão com facilidade, mas a sua reação ao estímulo parece ser mais veloz; pelo contrário, pessoas com níveis de medo superiores, dado o mesmo estímulo, não se assustarão com a mesma facilidade e não terão tão rapidamente o mesmo impulso de fuga.

“I want to play a game.”

Pessoas com um limiar de medo alto procuram mais facilmente filmes de terror de forma a testar esse mesmo limite – metaforicamente falando, seria como fazer desportos radicais mentalmente e testar o nosso limite psicológico. Mais ainda, ver filmes de terror ou jogar jogos do mesmo género ajudará a maturar as capacidades de deteção e fuga de predadores, à falta de grandes felinos e répteis a circular nas grandes cidades com os quais nos possamos divertir. Esta suposição é confirmada pela preferência das crianças por jogos que envolvam explorar ou esconder. Assim, tal como num jogo, também a ficção horrível é um estimulante mental que nos permite experimentar potenciais perigos, adquirir o conhecimento do predador e sentir medo sem o risco do perigo real. (M. Clasen, 2012)

Por outro lado, existem também vários casos na literatura de pessoas que reportaram ataques de pânico, paranoia, confusão e até esquizofrenia após terem visto filmes de terror. O caso mais notório é precisamente O Exorcista (Cinematic neurosis following “The Exorcist”. Report of four cases., 1975). A literatura é, o entanto, ambígua, uma vez que tanto atribui O Exorcista como a força gatilho que desencadeou os comportamentos alterados como a gota num copo previamente cheio de distúrbios psiquiátricos não controlados ou menosprezados.

Contudo, pensa-se que existam também outros fatores que levam um individuo a procurar filmes ou histórias de terror. Estudos feitos em diversas populações afirmam que o pico de interesse pelo horror se desenvolve na adolescência e diminui a partir da idade adulta, sendo que o sexo masculino é o grande consumidor deste género. Mais ainda, e de forma ainda controversa, tem-se concluído que indivíduos que apreciem os géneros horror e gore sejam menos empáticos e mais propensos a desenvolver atitudes antissociais e que, de uma forma geral, o sexo feminino é mais suscetível a cenas violentas ou com conteúdo visceral. Nestes estudos propôs-se também que o prazer alcançado com a visualização de filmes de terror se deve ao facto de a personagem principal (com a qual o espectador se identifica) escapar do predador. Contudo, esta opinião é contraposta com a miríade de filmes em que, de facto, essa premissa não ocorre. (Hoffer, C., Levine, K. 2005 e Walsh, A., Brantford, L. 2009) Em 1993, Mary Oliver realizou um estudo que propunha que o prazer poderia advir do castigo da imoralidade, ao questionar rapazes de uma escola tradicionalista, que reportaram apreciar bastante filmes de terror onde a vítima tinha um amante. Walsh e Brantford reforçam também esta tese ao alegar que o género tem um papel importante na escolha do filme de terror – numa seleção de filmes de terror e gore entre 1960 e 2007, concluiu-se que uma mulher tem uma probabilidade significativamente maior de sofrer uma morte sombria se for promíscua e que, contrariamente aos homens, nestes filmes, a sua morte é normalmente lenta e antecedida de perseguição e aprisionamento.

É sempre melhor ver filmes acompanhado…

Freud e os adeptos da teoria freudiana provavelmente explicariam esta atração por filmes de terror/gore dependente do sexo com desejos infantis reprimidos e violentos. Muito mais simpática é a “teoria do enroscanço” (Snuggle Theory), criada por Zillmann, Norbert e Mundorf em Effects of an opposite-gender companion’s affect to horror on distress, delight, and attraction – estes autores concluíram que uma rapariga, ao ver um filme de terror, pode lançar gritos histéricos de medo, mas irá desfrutar muito mais do filme caso esteja acompanhada por um rapaz que se mantenha calmo durante o filme. Pelo contrário, um rapaz irá gostar muito mais do mesmo filme caso esteja acompanhado de uma rapariga que fique perturbada com o mesmo. Nas palavras de Stuart Fishoff,

Scary movies and monsters are just the ticket for girls to scream and hold on to a date for dear life and for the date (male or female) to be there to reassure, protect, defend and, if need be, destroy the monster.

The Psychological Appeal of Movie Monsters, 2005

Esta teoria só é válida em determinadas culturas, onde é esperado este tipo de comportamento de ambos os sexos. À luz desta teoria, as noitadas a ver filmes de terror podem ser consideradas um rito de passagem, no qual vários indivíduos, ao invés de se debaterem com inimigos estranho ou fazerem prodigiosas caçadas, assistem a cenas assustadoras, às quais sobrevivem. (Clasen, M. 2012)

Poster de “Night of the Living Dead”

Os filmes, livros ou jogo com temas “terríveis e horríveis” podem ser uma forma inconsciente de tentarmos exceder o nosso medo, sentindo, caso sejamos bem-sucedidos, bem-estar e um sentimento de “missão cumprida”. Contudo, valerá também a pena relembrar que muitas dessas obras têm também uma metáfora ou uma mensagem subjacente que também cativa o espectador atento. Citemos vários exemplos. Em Dawn of the Dead (1978), através do uso de zombies, o consumo descontrolado da sociedade é satirizado pela chacina de humanos num shopping e Stephen King considera o seu remake como um gatilho da ansiedade pós-11 de Setembro. O filme Night of the Living Dead é considerado uma metáfora para a ansiedade provocada pela Guerra Fria. O Exorcista pode ainda ser analisado segundo uma perspetiva que considera a transfiguração demoníaca da menina de 8 anos uma metáfora do distanciamento mãe-filha do final do século XX (a mãe que não reconhece a filha) e que questiona a verdadeira vocação das entidades religiosas. Mas, seja qual for o motivo que leva os seres humanos a assistir a filmes assustadores ou a procurar o susto sem ser em exames de faculdade, o horror e o terror, desde que à aceitável distância de um ecrã, serão sempre bem-vindos.

MOTELx

É nesse princípio que se baseia o MOTELx, o Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa, a decorrer no Cinema São Jorge entre os dias 11 e 15 de Setembro. Este festival tem como objetivo a promoção da produção de filmes de terror portugueses, além da divulgação de obras cinemáticas contemporâneas do mesmo género. Neste festival, além de se assistir a filmes de terror, são também proporcionados variados workshops e entrevistas com algumas das mentes do terror no cinema – este ano, o MOTELx contará com a presença do génio Tobe Hooper, realizador de The Texas Chain Saw Massacre (1974) e Poltergeist (1982), e de Hideo Nakata, realizador da versão original japonesa de Ring (1998). O evento competitivo deste festival é o Prémio Yorn MOTELx – Melhor Curta de Terror Portuguesa, que permite aos participantes estrearem as suas peças no festival. Se gostas de bons sustos, então este é o teu festival!

Para mais informações sobre o MOTELx, visita o site.

 

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Joana Moniz Dionísio é uma aluna do 5º ano de Medicina na FCM-NOVA. Apesar de ter nascido em Lisboa, viveu durante toda a sua vida em Alcobaça, até regressar novamente à capital para ingressar no ensino superior. Vem de uma zona conhecida pela sua doçaria conventual, mas as suas paixões e hobbies ignoram por completo a culinária, indo desde a Medicina, Literatura e História Universal até temas como a Cultura Oriental e Música Clássica. É colaboradora da revista FRONTAL desde Março de 2013 e foi no também nos idos de Março do ano seguinte que se tornou editora da secção Cultura. Desde Novembro de 2014 que assegura a função de Editora-Geral da FRONTAL. A autora opta pelo Antigo Acordo Ortográfico.

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