Autismo – um enigma por desvendar?

O desenvolvimento de perturbações do espectro do Autismo envolve uma complexa interação entre variantes genéticas e fatores ambientais, alterações imunes e variações da plasticidade sináptica numa fase precoce da vida. Afinal como se encontra a investigação atualmente?

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Estamos ainda longe de conhecer a vasta etiologia deste tipo de perturbações e de criar uma ponte que estabeleça a sua ligação com a patogénese e as tão conhecidas manifestações clínicas. Esta relação será certamente fonte de novos critérios e métodos de diagnóstico que permitirão uma intervenção precoce e monitorização adequada ao longo da vida.

O Autismo foi descrito pela primeira vez em 1943, pelo médico austríaco Leo Kanner, sendo integrado posteriormente num grupo de doenças designado de Autism Spectrum Disease (ASD).

O ASD é um distúrbio do neurodesenvolvimento que é comportamentalmente definido e diagnosticado a nível psiquiátrico em Portugal, de acordo com  o DSM-V (última edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders publicado pela American Psychiatric Association, em 2013).

Segundo um estudo estatístico de 2014 do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), cerca de 1% da população mundial está diagnosticada com ASD, sendo 5 vezes mais frequente nos homens do que nas mulheres.

O ASD compreende uma ampla variedade de sintomas, nomeadamente dificuldade na interação social, na construção de relacionamentos interpessoais e na comunicação, bem como comportamentos estereotipados e repetitivos. Podem ainda surgir comorbidades tais como hiperatividade, deficiência mental, convulsões, ansiedade e depressão major. Curiosamente, o Autismo é considerada a doença mais grave pertencente ao ASD devido à maior severidade dos sintomas, como o atraso no desenvolvimento da linguagem e a deficiência comportamental e intelectual.

Na última década, estudos em animais e Humanos aumentaram substancialmente a par do aumento considerável da prevalência do ASD. Estes estudos apontam o desequilíbrio imunológico como um dos principais componentes etiológicos do ASD.

As citocinas estão envolvidas no efeito pleiotrópico do SNC no neurodesenvolvimento e modulam a atividade neuronal, nomeadamente a resposta do SNC às infeções, lesões e inflamação. Segundo a revisão de Carmem Gottfried de 2015, ocorre um aumento dos níveis de citocinas pró-inflamatórias observadas em cérebros humanos post-mortem e no plasma de crianças com ASD. Estas evidências enfatizam a ideia de que doentes com ASD apresentam um desequilíbrio imunológico, havendo ainda uma forte associação de encefalite com a patogénese da ASD tal como Janet Kern refere na sua revisão de 2016.

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Foi ainda observado um aumento de auto-anticorpos (anti-dsDNA e anti-nucleares) no soro de crianças com ASD (4-11 anos) comparativamente com indivíduos saudáveis. Os auto-anticorpos parecem atuar contra várias proteínas expressas no tecido nervoso, particularmente recetores de serotonina, proteína básica de mielina, proteínas de choque térmico, glial fibrillary acidic protein (GFAP) e human neuronal progenitor cells (NPCs). Este último achado científico foi corroborado por estudos epidemiológicos, dirigidos pelo investigador Hjördis Osk Atladottir da Aarhus University em 2009 e pelo investigador Alexander Keil da University of North Carolina em 2010, que estabeleceram uma forte correlação entre o ASD e a história familiar de doenças autoimunes. As doenças autoimunes maternas (lúpus, arterite reumatóide e doença celíaca) são consideradas fator de risco por poderem interferir com o normal desenvolvimento cerebral dos fetos.

A investigação foi mais longe e a investigadora Betty Diamond, imunologista do The Feinstein Institute for Medical Research in Long Island, dirigiu um estudo em tecido cerebral de ratos que evidenciou a ligação de auto-anticorpos a neurónios localizados principalmente no córtex frontal, hipocampo e cerebelo – áreas comprometidas no Autismo – indicando a neutralização destes auto-anticorpos como um futuro método de prevenção.

Mas, afinal, como ocorre esta interação imune materno-fetal? A passagem de anticorpos maternos através da placenta representa um mecanismo de proteção imunológica fetal. Porém, ao contrário dos adultos, a barreira hematoencefálica nos fetos não está completamente formada fazendo com que o cérebro em desenvolvimento seja vulnerável a substâncias transmitidas pelo sangue materno.

Estudos clínicos dirigidos pelo investigador  Brian K. Lee da Drexel University School of Public Health em 2015 e pelo investigador Hjördis Osk Atladottir da Aarhus University em 2010 indicam ainda que infeções graves durante a gravidez, sobretudo víricas e bacterianas, aumentam o risco de ter uma criança com Autismo. Investigações realizadas em roedores e macacos, por Jared Schwartze em 2013 e Christopher Machado em 2015, investigadores da University of California, suportam esta teoria ao demonstrarem que a injeção de agentes imuno-ativadores durante a gravidez despoleta um padrão comportamental típico do Autismo na descendência. A título de exemplo, um trabalho científico promissor orientado pela investigadora Gloria Choi do Massachusetts Institute of Technology em 2016, evidenciou um aumento da IL-17 de origem materna na descendência, sendo que o bloqueio do subtipo IL-17A em ratos infetados e em gestação previne o aparecimento de sintomas na descendência. Este estudo suporta a teoria de que existe uma conexão imune materno-fetal, apontando a IL-17 como um possível alvo-terapêutico.

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Posto isto, por que motivo os descendentes animais e Humanos respondem de maneira diferente em caso de infeções maternas? Existe uma forte componente genética que pode ser determinante na manifestação do fenótipo de Autismo e que, em associação com as alterações ambientais que afetam o útero durante a gestação, sustentam a hipótese das interações neuroimunes no desenvolvimento da ASD.

O número ascendente de casos de ASD implica um grande impacto social, familiar e económico. É crucial tomar consciência que o Autismo não é apenas uma doença das crianças e adolescentes, mas sim uma doença que afeta toda a vida adulta. É um enigma que precisa ser desvendado. Atreves-te?

Para saber mais

Facts and Statistics

The enemy within

Blocking key immune signal prevents autism signs in mice

Large study links maternal infection to autism risk

Large study links autism to autoimmune disease in mothers

Maternal anti-brain antibodies may play a role in autism


http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26822608
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26441683
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3625915/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25442006
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25218900
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4717322/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19581261
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20798635
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24837704
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http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25862937
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http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25442006

Fontes das imagens
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26441683
https://spectrumnews.org/
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A Joana Simões é estudante do 4º ano de Medicina da FCM-UNL. Nasceu em Aveiro, uma grandiosa cidade conhecida por ser a “Veneza Portuguesa” e tão afamada pelos seus deliciosos ovos moles. Já Sever do Vouga é a região que a viu crescer, local onde estudou e motivo de tamanha paixão pela Natureza. A licenciatura e mestrado na área de Ciências Biomédicas despoletaram o seu gosto pela investigação que complementa a vocação que tem pela Medicina. É colaboradora da FRONTAL desde Março de 2016.

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