Biologia do cancro é um assunto que, infelizmente para os estudantes de Medicina, não cabe num artigo. Por essa razão, cingir-nos-emos a ter em conta que:
- Esta doença caracteriza-se por uma proliferação celular descontrolada;
- Na base deste fenómeno estão mutações genéticas;
- As mutações podem ocorrer por acaso durante o processo de divisão celular, havendo no entanto agentes externos que aumentam o seu risco de ocorrência (tabaco, radiação UV, químicos tóxicos, tipo de dieta, álcool);
- Quanto maior o número de divisões pelo qual uma célula já tenha passado, maior a probabilidade de ter mutações acumuladas e, consequentemente, células neoplásicas – o que explica que esta doença surja predominantemente em idades avançadas;
- Diferentes cancros estão associados à presença de padrões específicos de mutações genéticas, o que tem implicações diagnósticas, terapêuticas e prognósticas importantes.
É por estas razões que poderemos encontrar largas dezenas de tipos diferentes de cancro, cada um com as suas características singulares, podendo mesmo ocorrer variações de pessoa para pessoa, devido ao carácter arbitrário das mutações. É por esta razões também que é enganador falar numa cura para o cancro – diferentes cancros respondem de forma diferente a diferentes tratamentos, diferentes pessoas respondem de forma diferente a diferentes tratamentos e, mesmo com a doença em remissão, algumas células neoplásicas podem ter escapado ao tratamento por terem mutações que lhes conferem resistência, o que pode resultar em recaídas cada vez mais difíceis de tratar (visto que não responderão ao último tratamento a ser aplicado). É por estas razões também que os indicadores utilizados para medir o sucesso de um tratamento contam com a variável tempo – por exemplo, percentagem de doentes vivos ao fim de 5, 10 ou 20 anos ou percentagem de doentes em remissão ao fim do mesmo tempo.
O nome dispensa grandes apresentações: manipular o sistema imunitário para tratar uma doença. O sistema imunitário pode deixar passar alguns tumores em claro durante algum tempo, sendo o grande objectivo da imunoterapia aumentar a sua resposta a estas doenças. Tal pode ser feito através da estimulação das células de defesa do organismo ou da administração de proteínas do sistema imunitário produzidas artificialmente (anticorpos monoclonais, por exemplo).
Ainda não há artigos publicados. Houve tão simplesmente uma série de apresentações num meeting da American Association for the Advancement of Science durante o mês de Fevereiro. Aqui, Stanley Ridell, do Fred Hutchinson Cancer Research Center de Seattle, Washington, deu boas notícias: 94% de uma amostra de 35 doentes com leucemia linfoblástica aguda tratados com recurso a uma técnica de imunoterapia designada por CART (Chimeric Antigen Receptor T-cells) ficaram em remissão, assim como mais de 50% de um grupo de mais de 40 pessoas com linfoma. Tudo isto em doentes em que a quimioterapia tinha falhado, com apenas alguns meses de vida pela frente. A técnica referida consiste na transferência de genes codificantes de um receptor para a CD19, uma proteína de superfície que só existe nos linfócitos B (origem das células neoplásicas das doenças em causa), para linfócitos T. Estas células vão depois reconhecer as células neoplásicas e destrui-las.
O Dr. Ridell, do Fred Hutchinson Cancer Research Center explica, no vídeo abaixo, como a imunoterapia poderá vir a ser o futuro do tratamento oncológico. Para saberes mais sobre os estudos em curso, visita a página do Riddel Lab.
Um outro grupo do Instituto Científico de San Raffaele de Milão, liderado por Chiara Bonini, mostrou que estas células podem sobreviver no organismo por períodos de tempo superiores a uma década.
Há que ressalvar, contudo, três aspectos importantes:
2. As amostras de doentes são pequenas, não sendo possível tirar conclusões definitivas quanto à eficácia do tratamento;
3. Tal como já referido – ainda não há qualquer artigo publicado, pelo que o procedimento ainda não foi sujeito a peer-review, isto é, o trabalho levado a cabo pelos investigadores ainda não foi avaliado e criticado pelos seus pares.
Por estas razões, embora haja razões para acreditar no potencial da imunoterapia de uma forma geral – que já é utilizada – e os resultados referentes a este tratamento em particular sejam animadores, há que esperar mais algum tempo para um veredicto final.
Há também boas notícias no tratamento do cancro da mama, vindas da 10ª Conferência Europeia do Cancro da Mama, a decorrer em Amsterdão. Um ensaio financiado pela Cancer Research UK mostrou excelentes resultados de um tratamento com uma combinação entre trastuzumab (nome comercial Herceptin) e lapatinib num grupo específico de doentes, tendo ambos como alvo o HER2 (sigla para “human epidermal growth factor receptor 2” – isto é, é uma proteína presente à superfície de diversas células com um papel importante no seu crescimento e, por consequência, importante no desenvolvimento do cancro), embora com mecanismos de actuação ligeiramente diferentes.
Particularizando: de entre 257 doentes com cancro da mama HER2 positivo, um grupo foi aleatorizado para receber lapatinib, outro para receber trastuzumab, havendo ainda um grupo de controlo. Tudo isto no intervalo de tempo entre o diagnóstico e a cirurgia. A determinada altura, depois de analisados os resultados de outros ensaios, algumas das doentes a receber lapatinib também passaram a receber trastuzumab.
Deste modo, cerca de um quarto de 66 doentes a receber ambos os medicamentos viram os seus tumores a reduzir drasticamente e até mesmo, em alguns casos, a desaparecer apenas ao fim de 11 dias (os tratamentos actuais são eficazes mas duram 3-4 meses). 17% das doentes ficaram com doença residual (tumor com menos de 5mm) e 11% ficaram sem qualquer vestígio de doença. Por outro lado, no grupo tratado apenas com trastuzumab, apenas 3% das doentes ficaram sem doença detectável ou em níveis residuais. Este tumor é agressivo, recidiva frequentemente e o seu tratamento até aqui tem contemplado desde cirurgia a quimioterapia, passando pelas terapêuticas direccionadas ao HER2 e também, se o tumor tiver receptores para a progesterona e/ou para os estrogénios, a hormonoterapia.
Se estes resultados vierem a ser confirmados posteriormente por outros ensaios, muitos doentes poderão escapar à quimioterapia no processo de tratamento. Há que ter em conta no entanto que o trastuzumab actualmente só está autorizado a ser utilizado em conjunto com quimioterapia e que os tumores HER2 positivos são apenas aproximadamente 20% do total dos tumores da mama e que destes, no único ensaio até agora conduzido, cerca de um quarto teve os referidos resultados.
São os primeiros baby steps desta relativamente nova modalidade de tratamento. Quando é que irá para a piscina dos grandes, isso, já é outra história.