Carreiras Alternativas

Está a observar-se uma mudança de tendência que poderá moldar significativamente esta forma de pensar: num mundo em que já não existem profissões com emprego garantido, a Medicina está a deixar de ser a excepção à regra. Já não se verifica a desesperada busca por clínicos, e o jovem médico recém licenciado vê invertida a relação entre a oferta e a procura até agora vigente. Desta forma, cabe agora ao estudante de Medicina abrir os seus horizontes e considerar um leque muito mais alargado de opções, que não passam apenas por uma carreira de contacto com o doente. Em boa verdade, há hoje opções de carreira em que o médico salva vidas sem ver doentes. Serão estas carreiras meramente alternativas ao muito palmilhado percurso clínico, ou serão elas o futuro da Medicina?

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Quando existe um sistema de saúde de acesso universal, é necessário decidir como gastar o dinheiro para que haja recursos para tratar – e bem – o maior número de pessoas possível. Num país em que a crise económica faz parte do contexto social há demasiado tempo, o papel de um bom gestor hospitalar é progressivamente mais importante. Este trabalho foi durante anos desempenhado por gestores sem formação clínica ou pelos clínicos mais experientes da instituição, neste caso frequentemente associado também a cargos de direcção clínica. Hoje em dia, muitas escolas de gestão do país, como a NOVA SBE, o ISCTE, a FEUP, só para nomear algumas, têm disponíveis cursos de pós-graduação na área da Gestão hospitalar e Gestão para a Saúde, que podem preparar médicos mais jovens, e com menos experiência clínica para desempenhar estas funções.

A relação entre o médico e o medicamento assemelha-se em muito à do ovo com a galinha: é difícil determinar qual terá surgido primeiro, ou qual depende de qual. Com a passagem do tempo e com a revolução industrial, a escala expande-se mas esta relação permanece. Assim, continua a haver lugar para médicos nas firmas farmacêuticas, particularmente em dois sectores: o desenvolvimento de novos fármacos, quer no desenvolvimento da molécula em laboratório quer depois nos estudos clínicos que lhes são feitos; e depois da introdução do medicamento no mercado, no processo subsequente de farmacovigilância. Várias farmacêuticas publicam anualmente anúncios de procura de profissionais, por vezes mencionando no perfil procurado a licenciatura em medicina, mas não critérios de experiência clínica ou especialidade pré-definida.

Mas nem só do desenvolvimento de medicamentos vive a investigação em Medicina. Existem inúmeras outras áreas de interesse – da fisiopatologia às tecnologias de imagem, passando por milhares de outras linhas de investigação para um número incontável de doenças – percebe-se que o número de perguntas que precisam de respostas só aumenta à medida que o Conhecimento vai crescendo. Assim sendo, uma carreira em investigação poderá ser uma alternativa ou um complemento a uma carreira clínica. Em Portugal, a situação da investigação médica feita por Médicos é, em vários aspectos, singular. O progresso do país nos últimos 20 anos em ciências biomédicas tem sido notável, não apenas pelo crescimento exponencial de recursos humanos altamente qualificados mas, também, pela criação de laboratórios de excelência devotados à investigação de matérias relevantes para a Medicina. Isto significa que nunca como hoje os médicos portugueses dispuseram de circunstâncias tão favoráveis ao estabelecimento de parcerias frutuosas entre a clínica e a ciência biomédica fundamental.

Uma ferramenta útil para jovens médicos interessados neste percurso, pode ser fazer um curso de metodologias em Investigação, como é o caso do CLIC – Certificado de Investigador Clínico. Trata-se de um programa foi preparado e implementado com o pressuposto de que é extremamente importante formar e qualificar os membros das equipas de investigação clínica (ensaios clínicos, estudos observacionais, etc.), nas instituições de saúde. O programa, que segue escrupulosamente o syllabus europeu, publicado em Março de 2013, é fornecido em formato de e-learning, e constituído por três níveis. Para o primeiro nível, que dá certificação de co-investigador médico e staff do centro de estudo, a formação é disponibilizada gratuitamente, mas a obtenção do certificado implica o pagamento da taxa em vigor na tabela de emolumentos das instituições emissoras.

Esta é, sem dúvida uma das estrelas mais novas e brilhantes desta constelação de oportunidades. As aplicações informáticas vieram mudar quer a forma como os médicos trabalham, como aprendem – globalizando o acesso rápido a conhecimento – quer a forma como os doentes estão informados. Em grandes hubs da indústria informática, verifica-se que um número já significativo de médicos à data da sua saída das universidades locais, escolhem trabalhar em empresas tecnológicas como consultores em vez de concorrer por uma vaga em internato. Mediante o importante crescimento que este tipo de indústria tem assumido em Portugal, é possível que possa aparecer por cá também algumas propostas interessantes de desenvolvimento de carreira deste tipo.

As instituições de ensino da Medicina têm necessidade de corpos docentes mais extensos que outras áreas do conhecimento, devido ao ênfase necessariamente dado à componente de ensino prático. Aliado a isto, observa-se que a rápida evolução do conhecimento e a aplicação do input dado pelas ciências da Educação estão a mudar a forma como se ensina e avalia medicina, o que cria oportunidades. O aparecimento de apps online como o Peergrade, que olham para a forma como é feita a comunicação entre professor e aluno, do ponto de vista de submissão de trabalhos e avaliação é meramente um exemplo disso. Desta forma, jovens médicos que aliem um bom curriculum académico à capacidade de surfar esta onda de inovação poderão considerar procurar oportunidades nesta área.

A área da comunicação em medicina tem várias vertentes que podem ser exploradas. Muitos escritores médicos trabalham em agências de comunicação médica, o que implica que os seus maiores clientes são empresas da indústria farmacêutica. O trabalho associado poderá passar pela produção de materiais de divulgação de produtos e de marketing para estas empresas, a tradução ou reportagem de conferências. Pode também haver trabalho deste tipo associado a sindicatos e outras organizações médicas. Outra opção é trabalhar para organizações especializadas na produção de revisões sistemáticas de literatura médica ou materiais de evidence-based medicine, como por exemplo a Cochrane Library, ou na edição ou revisão de artigos para publicações médicas científicas. Existe ainda a possibilidade de escrever para jornais generalistas, newsletters e conteúdos para websites, embora não exista tradição em Portugal destes materiais serem produzidos por médicos, estando frequentemente entregues a jornalistas. Em qualquer caso, para seguir uma carreira nesta área, é importante o desenvolvimento de boas capacidades de comunicação verbal e escrita, bem como uma rede de contactos de peritos nas diferentes disciplinas médicas. Para facilitar o acesso a oportunidades profissionais nestas áreas poderá ser útil a progressão académica além do mestrado integrado em Medicina com, por exemplo, um doutoramento.

Existem algumas indústrias, que pelas suas especificidades, pressupõem estudo das adaptações fisiológicas necessárias a que os seus trabalhadores desempenhem as suas funções em segurança. Algumas já foram introduzidas em especialidades médicas, como é o caso da Medicina Desportiva para os atletas profissionais, mas ainda existem pequenos nichos em que são precisos médicos para formas extremas de medicina do trabalho, que não se encaixam em nenhum curriculum de especialidade actualmente existente. São o caso da indústria aeroespacial ou da Fórmula 1. Lamentavelmente, as vagas para este tipo de funções são poucas e espalhadas pelo mundo…

Por fim, há que mencionar uma alternativa que passa pelo trabalho para instituições de solidariedade social ou organizações não governamentais. Citando a opinião do Dr Gilles Van Cutsem, médico dos Medicins Sans Frontières, é importante haver alguma desenvoltura na capacidade de trabalho autónomo, que nestes casos é frequentemente desempenhado em condições adversas, o que implica muitas vezes mais experiência do que aquela detida por um médico à saída da universidade. Assim, e pesquisando por sites de recrutamento, como portais das Nações Unidas, UNICEF, International Medical Corps ou Medicins Sans Frontières, percebe-se que raramente aparece alguma vaga disponível para médicos com menos de 2 a 5 anos de experiência clínica. Constata-se que o acesso a estes empregos é consideravelmente mais competitivo do que seria de esperar e isso torna francamente mais difícil obter uma posição remunerada deste tipo.

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