Entrevista com Jonathan Flint

O Professor Jonathan Flint, membro do Departamento de Psiquiatria da Universidade da California em Los Angeles, foi o responsável pela identificação do primeiro loci que contribui para a evolução da depressão. Ontem, o Professor Flint explicou à Revista FRONTAL um pouco mais sobre as doenças psiquiátricas que investiga.


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O Professor dedicou a sua vida a tentar encontrar a base genética por detrás das perturbações psiquiátricas, especialmente da depressão e ansiedade. Poderia clarificar como é que a sua investigação pode efectivamente conduzir a uma melhor capacidade diagnóstica e ao aperfeiçoamento terapêutico?

Primeiro, vou-me referir à segunda parte da pergunta. De forma simples, se pretendemos curar uma doença, temos de descobrir o que a causa. E, assim, ter alguma ideia de que genes estão envolvidos dá-nos uma pista. Mas uma pista é exatamente isso, uma pista para compreender um mecanismo. E se temos um mecanismo, então temos alguma ideia do que é preciso fazer para alterar esse mecanismo. Portanto, tenho estado a estudar esquizofrenia e descobri, trabalhando em cooperaçao com Steven Carroll, um gene chamado C4, que apresenta uma mutação que sei que aumenta o risco de esquizofrenia. Aqui, o que pretendo saber é o que é que C4 faz e como é que isso pode estar relacionado com a doença. Assim, eu precisava de fazer experiências, que o Steven fez, para demonstrar que o gene está envolvido em processos na alteração da forma como os neurónios se interligam. Isto é uma visão muito generalista e, honestamente, não é suficiente para nós criarmos um fármaco ou para pensar noutros tratamentos; mas ao menos dá-nos uma pista de como os mecanismos possam ser. Não é, como muitas pessoas pensaram até àquela data, que poderia ser simplesmente uma questão de alteração ao nível da neurotransmissão. Em todos os fármacos que temos para a esquizofrenia, a sua efectividade relaciona-se com a capacidade de bloquear receptores de dopamina. E aqui surgiu um mecanismo que não se relacionava com a dopamina, que não se relacionava com a neurotransmissão. É um novo mecanismo e, a partir daí, podemos começar a pensar em maneiras para o alterar. Portanto, descobertas genéticas são vias que nos permitem chegar aos processos donde as doenças surgem e, a partir daí, temos que usar a nossa imaginação. É preciso fazer experiências e pensar em como é que podemos alterar estes processos.

A primeira parte da sua pergunta foi sobre o diagnóstico, e deixei essa parte para depois porque é um pouco mais difícil e a resposta não é genérica. A resposta que lhe vou dar é sobre esquizofrenia, mas poderia ser sobre autismo ou depressão. Seria a mesma. A coisa agradável sobre a genética é que esta surge como uma forma imparcial de estudar um mecanismo. Pode fazer-se para qualquer coisa. O diagnóstico é diferente. O diagnóstico varia com a perturbação. Como sabe, o treino médico reflete como nós dependemos, para a maioria das doenças, de colher a história do doente, do exame objetivo e depois da realização de alguns testes, que vão apoiar ou refutar a nossa hipótese diangóstica. Em psiquiatria, isto não acontece porque, na psiquiatria, tudo o que eu posso fazer é falar com o doente. E tem havido um enorme interesse em alterar isso. Como podemos obter biomarcadores? Como é que podemos obter resultados objectivos? E não depender apenas no que nos é dito? Poderia desempenhar o mesmo papel que em outras áreas da medicina – pedir análises sanguíneas e poder dizer “o sr. tem esquizofrenia. Diz aqui nas suas análises”. Mas como é que podemos chegar a essa fase? E isso, como disse, não é algo que vamos encontrar como o mesmo para todas as doenças. Mas suponho que isto seria de esperar. Sabemos que o autismo e a esquizofrenia, que estas doenças são, segundo muita evidência, doenças do neurodesenvolvimento. Enquanto que doenças como a ansiedade e a depressão, de início mais tardio, têm uma maior intervenção ambiental. Portanto, o que seria usado para fazer o seu diagnóstico poderia ser muito diferente. Depois, existe ainda um segundo conjunto de questões, que se relacionam com a dúvida de estas doenças serem na realidade uma única doença. Se estamos a lidar com síndromes em vez de doenças. Se se pensar no impacto da genética no que fazemos, como por exemplo [Hum]. Tinha um bom exemplo, mas há de voltar daqui a momentos. Quando se tem informação proveniente do seu teste biológico, o teste que se enviou para o laboratório, que aponta para uma subcategoria da doença, que teria uma diferente….  Da mesma maneira que faria como se estivesse a estadiar um cancro. Se tivermos um cancro, eu posso dizer “esta pessoa tem cancro intestinal” mas isso constitui apenas o início. Depois, gostaria de saber o quão invasivo é, qual a informação transmitida pela anatomia patológica. Seria, então, nesta fase que poderia começar a pensar em qual o tratamento necessário e como avançar. É assim quando falamos de uma pessoa com depressão? Estaríamos a dizer que a pessoa tem depressão como se tivesse febre? Existem muitas maneiras diferentes mediante as quais poderia ter febre, muitas maneiras pelas quais poderia ter desenvolvido depressão. E eu precisaria de tentar perceber quais são as que se aplicam ao seu caso. E, portanto, o meu diagnóstico vai depender muito de como vou recolher essa informação, de como vou utilizar a informação biológica que poderei obter, para poder refinar o possível diagnóstico. De certo modo, é um problema mais complicado.

Apesar de ter analisado a sequência do genoma numa amostra de 5,000 mulheres chinesas com depressão major, segundo um dos seus artigos mais recentes, a muitos dos seus estudos genéticos sobre perturbações mentais e comportamentais são efectuados em animais, como minhocas, moscas ou ratos. Elucide-nos: como consegue assegurar que um destes animais sofre de esquizofrenia quando ainda não se identificou o gene responsável pela doença? Como saber que os efeitos dos genes no comportamento são comparáveis entre humanos e outros animais?

Bem, a resposta à sua primeira questão é não.  Não é possível perceber se uma mosca ou uma minhoca, ou um rato, têm esquizofrenia, e penso que seria muito ingénuo afirmar que isso é possível. E, na realidade, não é para isso que se deve usar organismos modelo. O que temos é uma questão sobre função, sobre mecanismo. Volta para o mesmo problema –  se tiver um marcador genético, um índice e fixar-me a  estas coisas, tenho questões sobre o que esse produto genético faz. Se não se souber, ou se não se tiver nenhum gene, como estava a sugerir, então, não se pode facilmente progredir de uma coisa que se sabe estar errada num rato para o que estaria errado num humano. Para o fazer, teria que ser feito a um nível em que se pense que há homologia. Exemplos clássicos de como é fácil dar um passo em falso é o das doenças de sangue, pensando nas hemoglobinopatias, por exemplo. Sabemos exatamente o que causa a Anemia Falciforme, uma mutação pontual na cadeia beta. E sabe-se exatamente como modelar isso, mudar esse aminoácido em ratos. Mas se se fizer isso, a patologia não é a mesma, porque a fisiologia do organismo não é a mesma. Então mesmo a esse nível, algo tão estável como a estrutura da globina que está a fazer a mesma coisa ao transportar oxigénio, não se verifica a mesma doença. Por isso, tem que se ter extremo cuidado em como se faz a transformação  de um organismo para outro. Dito isto, todos eles têm um sistema nervoso central, todos eles têm neurónios, portanto vai ser obtida alguma informação mas interpretá-la será muito difícil.

 


Fotografia e Tradução: Marta Rodrigues

Gravação: Paulo Reisinho

Coordenação de Imagem: José Pedro Mendes

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