Impressão de Órgãos 3D

Quando a técnica de impressão a três dimensões (3D) foi inventada na década de oitenta do século passado, não se imaginava que a partir dela pudessem ser replicados artigos de joalharia, calçado e vestuário, brinquedos, alimentos, peças de automóveis, próteses humanas e até… órgãos. Contudo, esta ficção já se metamorfoseou em realidade, representando um triunfo histórico significativo do mercado biotecnológico, nomeadamente no campo da medicina.

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A impressão tridimensional de órgãos e tecidos – bioimpressão – permitirá, automaticamente, sob o controlo de um computador, a reconstrução de partes do corpo humano com material biológico oriundo do próprio paciente: os esferoides celulares, as unidades de construção ideais à cultura 3D. Ao serem cultivados no laboratório, estes agregados de células-tronco humanas produzem a biotinta que será “impressa” a jato, camada a camada, numa matriz de biogel -daí que esta técnica também seja designada de «fabrico aditivo». Finalmente, um programa computacional traduz o modelo digital do órgão graças aos movimentos dos bicos extrusores da impressora 3D, como se de uma máquina de gelados se tratasse.

As potencialidades biomédicas da impressão 3D revelam-se promissoras, quer para os profissionais de saúde, quer para os utentes. Aliás, investigadores pioneiros nesta área ousaram mesmo prever que, neste século:

Cell and organ printers will be as broadly used as biomedical research tools as was the electron microscope in the 20th century.

Trends in Biotechnology, 2003

Um dos avanços mais ambicionados prende-se com a possibilidade de transplantar protótipos de órgãos oriundos não de um dador mas das células-tronco do paciente, o que poderia solucionar problemas como o risco de transmissão de doenças, a incompatibilidade imunológica e, por conseguinte, a imunossupressão. Matar-se-iam, assim, dois coelhos de uma cajadada: menos tempo de espera e despesas de saúde pública; mais qualidade de vida.

Uma empresa russa de biotecnologia, a 3D Bioprinting Solutions, anunciou um projeto que tem em marcha para reproduzir órgãos do corpo humano. Por outro lado, a Organovo (a primeira empresa de bioimpressão 3D, fundada em 2007) estima que dentro de duas décadas será possível criar órgãos completos. Porém, se os cirurgiões já executaram transplantações bem-sucedidas de diversos tecidos planos (pele e cartilagem) ou de órgãos ocos e tubulares (uretra, bexiga, vagina), produzidos em laboratório, não é menos verdade que órgãos sólidos como o fígado, o pâncreas, o rim ou o coração acarretam um rol de complexos desafios no âmbito da engenharia de tecidos. Entre eles, a incapacidade técnica de reconstruir a arborização vascular que os compõem.

organovo-logoAqui, o Dr. Forgacs (fundador científico da Organovo) introduz uma mudança de paradigma: em vez de se pretender replicar a intrincada arquitetura dos órgãos humanos, ele sugere que se concebam estruturas biológicas funcionalmente equivalentes. Como os mini-órgãos, microestruturas capazes de desempenhar funções vitais (ex.: secreção de insulina), trabalhando cooperativamente com o órgão lesado.

Por outro lado, e se a bioimpressão “imprimisse” uma nova pele diretamente sobre lesões e queimaduras? Investigadores da Wake Forest School of Medicine (Carolina do Norte, EUA) desenvolveram um laser que, ligado à bioimpressora, é capaz de produzir um mapa topológico tridimensional da ferida, determinando o seu tamanho e profundidade. Espera-se que esta tecnologia – capaz de, entre 20 a 30 minutos, sarar uma ferida de dimensões 10 x 10 x 1 cm – possa ser testada em ensaios clínicos no prazo de um a dois anos; no espetro de indivíduos a que se destina sobressai a população diabética e idosa. Outra aplicação que surtirá um impacte económico inegável no setor da indústria farmacêutica radica na possibilidade de fabricar tecidos humanos tanto para a pesquisa/desenvolvimento de novas drogas como para testar a sua toxicidade. É este, de resto, o objetivo da Biobots, no mercado desde 2015: imprimir tecidos e órgãos humanos em miniatura que ponham fim aos testes nos animais.

O progresso na tecnologia de bioimpressão 3D dependerá de uma rede interdisciplinar que contemple o contributo de anatomistas, biólogos, matemáticos, engenheiros de computação, de automação e de robótica. Não menos importante são as problemáticas que esta aliança entre medicina e bioengenharia suscitará no foro ético. Que regulamentos deverão ser implementados para preservar a segurança dos doentes? Que critério vigorará sobre a transplantação de órgãos artificiais, quando a ciência não for mais um obstáculo? Que repercussões se poderão fazer sentir na esperança média de vida, e no mercado negro de órgãos? Poderá a bioimpressão 3D potenciar o surgimento de um novo tipo de super-humano?

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