Medicina… is all around (parte I)

Aulas, testes, trabalhos, exames, estudos, sonhos, escolhas, expectativas, colegas, amigos, familiares por vezes também. A medicina está presente em cada um dos segundos da nossa vida. Mas também fora do ambiente e rotina do dia-a-dia que escolhemos estamos completamente envolvidos por ela: notícias, reportagens, séries, filmes, livros.. É precisamente deste último tema que a FRONTAL vos vai falar hoje: livros. Não, não se assustem que não vamos falar de tratados de anatomia e fisiologia ou do temido Harrison. Vamos antes falar da forma como a literatura retrata de uma forma algo real o que é ser médico, mesmo quando as linhas escritas refletem uma história inventada. Vamos falar de médicos que decidem escrever a sua própria história. Vamos falar da forma como a medicina é vista por escritores deste e de outros tempos. Vamos falar de como a medicina.. is all around.

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Podemos começar por falar de “Sinto Muito” de Nuno Lobo Antunes, um conjunto de pequenas histórias contadas na primeira pessoa, relatando de forma bastante comovente e sincera diversas experiências, lições, ensinamentos e perdas ao longo dos muitos anos em que trabalhou como neuro oncologista pediátrico. Num livro que cativa da primeira à última página podemos aperceber-nos dos sentimentos de revolta, tristeza e impotência que se apoderam do médico/escritor quando as coisas não correm bem. Porque sabemos que por vezes as coisas não correm bem. Conta-nos o que sente quando é preciso reconhecer a derrota. Quando é preciso explicar à família que não há mais nada a fazer. Quando é preciso controlar os sentimentos e as lágrimas. Quando é preciso ganhar coragem para agarrar aquela mão pela última vez. Mas partilha também as pequenas coisas boas. Quando vê um sorriso. Quando ouve um “obrigado” do fundo do coração. Quando se sente acarinhado. Gestos, palavras, olhares, cada momento importante, cada memória, cada vida. Faz crescer em nós o orgulho de ser ou querer ser médico. A vontade de querer contornar o destino. O desejo de tocar a vida de alguém, mudá-la para melhor. “Entristece o coração, mas recompensa-o grandemente, tornando-o mais leve e melhor.”

“Há no médico o desejo de ser santo, de ser maior. Mas na sua memória transporta, como um fardo, olhares, sons, cheiros e tudo o que o lembra de ser menor e imperfeito. Este é um livro de confissões. Uma peregrinação interior em que a bailarina torce o pé, o saltador derruba a barra, o arquitecto se senta debaixo da abóbada, e no fim, ela desaba.”

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Podemos continuar com “Cidadela”, de Archibald Joseph Cronin que nos retrata a história de um jovem médico idealista. Archibald J. Cronin era formado em medicina e, após detectada uma úlcera duodenal e recomendados seis meses de descanso absoluto, começou a escrever e nunca mais parou. Aparece-nos assim “Cidadela”, um romance que retrata as condições sociais e a medicina dos anos 30. Andrew Manson é um médico recém-formado que exerce a sua profissão numa pequena aldeia, sendo dedicado, íntegro e revolucionário, muito apreciado pelo seu trabalho em prol da sociedade. Estas qualidades rapidamente foram reconhecidas, o que culmina com a sua mudança para Londres. Deslumbrado com o dinheiro fácil, começa a atender apenas os pacientes ricos e as suas convicções ficam esquecidas. Trata-se de uma batalha entre a integridade científica e as obrigações sociais. Trata-se de um equilíbrio entre a felicidade e o estatuto. Trata-se de uma escolha entre o caminho fácil e o caminho certo. Batalhas que vamos ter que enfrentar, equilíbrios que vamos perder e encontrar muitas vezes, escolhas que vamos ter que fazer. Um livro que nos faz pensar na razão que nos trouxe até aqui, nas motivações e receios que temos e no caminho longo e sinuoso que vamos percorrer. [hr]

Por outro lado, encontramos os mais variados títulos de Robin Cook. Considerado o introdutor do tema médico nos géneros literários apresenta-nos uma sucessão de livros como “Coma”, “Mutação”, “Sinais Vitais”, “Cego”, “Febre”, “Contágio”, “Cromossoma 6” e “Toxina”, entre outros. Tenta representar a rotina e o bizarro, o quotidiano e o recente, conceitos opostos mas sempre presentes lado a lado quando nos referimos a medicina. Conta-nos os dois lados da medicina e mais ainda se os houvesse, baseando-se no que viu e aprendeu com a sua experiência. “Coma” continua a ser, após muitos anos, a sua obra de referência. Conta-nos a história de Susan Wheeler, uma estudante de medicina, que decide investigar a fundo as práticas do Hospital Memorial de Boston após dois pacientes terem entrado misteriosamente em coma após as respectivas cirurgias. As descobertas deixam-na terrivelmente abalada e a teia de estranhos acontecimentos revela ser, nada mais, nada menos, que um esquema religiosamente montado pelo próprio hospital para aumentar os lucros.

“A investigação podia dar esperanças para o futuro, curando as doenças… mas tinha um outro potencial muito mais perturbador.”  Mutação [hr]

Podemos falar também de “Retalhos da vida de um médico” de Fernando Namora. Este livro consiste numa coletânea de “retalhos”, sem qualquer preocupação a nível cronológico, escritos na primeira pessoa e que funcionam simultaneamente como um diário/autobiografia e crónica social da primeira metade do século XX. Transmite-nos as dificuldades de um jovem médico numa província alentejana, os desafios e peripécias de quem ainda tem muito para aprender, as metamorfoses que também nós teremos de sofrer para nos adaptarmos onde a vida nos levar.

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Muito mais poderíamos abordar.. A medicina retratada em folhas de papel, de forma tão simplista e recompensadora ao mesmo tempo. Quanto mais fundo procuramos mais nos apercebemos que é um caminho interminável. Carlos da Maia n’“Os Maias” de Eça de Queirós, João Semana em “As pupilas do senhor reitor” de Júlio Dinis e tantos outros personagens ao longo dos tempos. Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa era médico. Artur Conan Doyle, famoso pelas peripécias de Sherlock Holmes, era médico. Traduziu-o nos variados raciocínios relacionados com medicina para desvendar os, aparentemente impossíveis, casos. Tantos outros médicos escritores que existiram e continuam a existir. Outros que não são médicos mas que escrevem sobre médicos. Outros que escrevem sobre a mente, sobre a doença e sobre a dor.

Ler alimenta a nossa imaginação, transporta-nos para onde queremos ir. Ler sobre medicina, sobre médicos de outros tempos e do nosso eleva as nossas expectativas e faz-nos querer continuar este caminho. Pelo menos para mim. Entre gargalhadas e pequenas lágrimas, um pensamento surge frequentemente: “É mesmo aqui onde quero estar.” É esse o poder das palavras.

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Tem 21 anos e é aluna do 3º ano da FCM-NOVA. Desde sempre teve um fascínio pelo corpo humano e tudo o que estivesse relacionado. Essa razão, aliada ao facto de adorar pessoas fez com que a Medicina fosse a única e possível escolha. A escrita surge como um hobbie e uma forma de partilhar os pensamentos que vão surgindo com pequenas coisas do dia-a-dia.

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