Uma família chamada Santana

Poder estudar Medicina na Faculdade de Ciências Médicas é uma sorte apenas reservada para nós.

Texto: Catarina Cardoso

Ilustração: Paulo Lucas

Uns pela primeira vez. Outros como resultado de uma ou mais tentativas infrutíferas e consequente insistência. De todos os pontos do país e ilhas. Diferentes  sonhos, diferentes perspectivas, diferentes personalidades. Unidos por uma média aritmética baseada no que foi feito em três anos e em três exames. Unidos pela mesma vontade e ambição. Unidos pela mesma escolha. Todos os caminhos, por muito distintos, terminaram na Muy Nobre Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.

Aqui não importa a origem, se estamos na nossa cidade natal ou se viemos de uma terrinha cujo nome nem todos conseguem pronunciar. Tanto faz se frequentámos outro curso ou se caímos de pára-quedas, direitinhos do secundário. É indiferente o clube, idealismo político ou gostos pessoais e musicais. A partir do momento em que se ultrapassa a porta, não só se entra num dos mais belos edifícios da cidade, como também numa das mais belas e acolhedoras famílias académicas. E então sim, todos os pequenos grandes detalhes da nossa vida que não têm uma palavra a dizer sobre a entrada no curso ganham importância, vão sendo descobertos, contados e partilhados com aqueles que, à semelhança, estão a iniciar um novo momento nas suas vidas e são esses mesmos detalhes que nos fazem tanto únicos como essenciais.

Entrar em Medicina é daquelas coisas difíceis de descrever, daqueles sonhos orgulhosamente realizados, um misto de sentimentos, orgulho e receio, felicidade e inquietação. Um curso com fama, de tão longo e complicado. Há uns que o temem, outros que o idolatram, mas todos nutrem carinho, na mesma medida que respeito. Um carinho especial que fará com que nunca se deixe de acreditar e um respeito que fará com que o desleixo nunca ganhe (muita) vantagem.

O caminho far-se-á de passos, pequenos mas decididos – que a direcção é mais importante que a velocidade, por vezes pouco seguros e muitas vezes perdendo o rumo. O caminho far-se-á de olhares curiosos, desconfiados e expectantes. O caminho far-se-á de pedras no sapato, dores nas pernas, nas costas e outras mazelas para dar e vender. O caminho far-se-á de loucura, exuberância, desespero e felicidade. O caminho far-se-á.

Seguindo o curso natural da vida académica, passaremos todos de caloiros, meios perdidos no novo dia-a-dia e procurando ainda o lugar adequado, a doutores, com mil e uma histórias para contar e outras tantas para ouvir, que é isso que nos torna humanos. Neste tão falado caminho vamos ansiar a passagem do teórico ao prático, desejar andar com o estetoscópio ao peito, mesmo não sabendo identificar a diferença entre um sopro sistólico e uma fibrilhação auricular, ambientar-nos ao cheiro do hospital e começar a ser tratados por “Sr(a) Doutor(a)”, por muito pouco que nos sintamos dignos desse título e de tal confiança. Neste tão falado caminho, há tantas fases e transformações quantas as que a nossa imaginação permitir, desde pequenos caloiros recém-chegados assustados com a quantidade de matéria a grandes (ou serão pequenos também?) recém-formados médicos assustados com a responsabilidade de uma nova vida. As metamorfoses acontecem inevitavelmente, na nossa cabeça, no nosso coração, na nossa personalidade e no modo de ver tudo à nossa volta.

A verdade é que o curso de Medicina é movido pela paixão. Não imagino o sacrifício que seria fazê-lo sem um pingo de interesse pelo organismo humano, sem um je ne sais quoi de fascínio pela luta constante do equilíbrio, por uma batalha sem fim entre saúde e doença. Se poder estudar é uma bênção reservada (infelizmente) para alguns, estudar Medicina é um privilégio reservado para poucos, e poder estudar Medicina na Faculdade de Ciências Médicas é uma sorte apenas reservada para nós.

Digo sorte porque jogámos contra probabilidades infinitas e encontrámos o nosso lugar aqui, bem em frente ao jardim do Campo Mártires da Pátria, na soalheira (bem, nem sempre!) colina de Santana. Gosto de pensar assim, que tudo isto é uma bênção, um privilégio e uma sorte e talvez seja isso que faz com que os dias passem, uns mais depressa que os outros, e com que possa olhar para trás e ver caminho percorrido e depois para a frente, claro e ver o caminho que tanto desejo ainda percorrer. O caminho far-se-á.

A vocês, novos caloiros e membros desta tão grande e nobre família, deixo-vos uma mensagem especial:

“Bem-vindos aos melhores anos das vossas vidas!” 

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