#7 MUSICOTERAPIA: Don McLean – Vincent

Se és como a equipa da Redação da FRONTAL e já especulaste, inúmeras vezes, ao ouvires uma determinada música, sobre a probabilidade da sua inspiração ter partido algures dos confins do mundo médico, esta rubrica é para ti. É, portanto, com enorme satisfação que te trazemos hoje a continuação da Musicoterapia – a nossa rubrica musical, onde exploramos possíveis correlações, das mais óbvias às mais rebuscadas, entre a música que não nos sai da cabeça e a Medicina.


Don McLean

Donald McClean III, nascido em 1945, é um cantor e compositor americano.
Foi na década de 60 que a sua carreira musical teve início mas as suas influências musicais começaram desde criança; cantores como Frank Sinatra e Buddy Holly faziam já parte do seu repertório. Com a adolescência vieram as influências da música folk e, com 16 anos, McLean comprou a sua primeira guitarra e começou a estabelecer contacto com a indústria musical.


Em 1969, Don gravou o seu primeiro álbum, “Tapestry”, que incluía êxitos como “Castles in the Air” e “And I Love You So”, sendo este recusado 72 vezes por empresas discográficas até ser lançado em 1970 pela Mediarts.
No entanto, só em ’71 é que McLean conseguiu o reconhecimento ambicionado com “American Pie”, presente no álbum autointitulado então lançado, que incluía ainda “Vincent”, o seu segundo maior hit.


Vincent e Perturbação Bipolar

“Vincent”, que em janeiro de 2018 tinha atingido as 5 milhões de airplays, é um tributo a Vincent Van Gogh, que sofreu ao longo da sua vida com uma doença mental, possivelmente perturbação bipolar, acabando por pôr um termo à sua vida quando tinha apenas 37 anos.

A perturbação bipolar é uma patologia do foro psiquiátrico caracterizada por episódios de mania, ou hipomania, e depressão major, intercalados com períodos de funcionamento normal. Durante os episódios maníacos, as pessoas apresentam um comportamento mais eufórico, com pensamentos acelerados, humor mais irritável e psicose. Os episódios depressivos, por outro lado, são caracterizados por tristeza, anedonia, baixa auto-estima, fadiga, entre outros. A frequência destes episódios aumenta com a idade e os doentes com a patologia tem um risco muito elevado de suicídio.Embora a etiologia da perturbação bipolar não seja bem conhecida, sabe-se que existe uma componente genética fortemente associada, havendo outros fatores associados.

Numa manhã, enquanto estava a ler um livro sobre o pintor holandês, McLean sentiu-se inspirado a escrever sobre a sua vida e sobre alguns dos seus quadros mais emblemáticos, de entre eles “A Noite Estrelada”, que configura a vista que Vincent tinha no quarto do Asilo de Saint-Rémy-de-Provence, onde ficou hospitalizado. Deste sopro de inspiração, nasceu esta música quase biográfica, que rapidamente se tornou um hit, alcançando o 12º lugar no Billboard Hot 100.

A letra começa por fazer uma alusão ao quadro, como se uma voz interior convidasse Vincent a pintá-lo (“Starry starry night, paint your palette blue and gray”). Mas é na segunda estrofe que parece haver uma conversa entre McLean dirigida a Van Gogh, com referência ao sofrimento do pintor, devido à sua sanidade mental (“how you suffered from your sanity”), e com referência à depressão (“With eyes that know the darkness in my soul”) e ao seu suicídio (“took your life as lovers often do”). Com a sua tonalidade melancólica, a música transporta-nos àquele quarto e à obra do artista, transporta-nos ao que ele sentiu e à forma como o mundo o encarava, transporta-nos à sua solidão e aos retratos pendentes em quartos vazios (“portraits hung in empty halls”), que estão lá e ninguém vê, e cujo denominador comum é Vincent, sozinho e sem reconhecimento.

Esta música surge como uma bonita homenagem a Van Gogh e à forma como, através da sua arte, o pintor tentava libertar outros do peso que sentia. McLean entendia os problemas e sofrimentos do artista, a desvalorização por parte de uma sociedade que nunca o compreendia nem conseguiria compreender pela estigmatização que existia em torno da saúde mental (“they would not listen, they would not know how”).

Em última análise, Don McLean sugere que, apesar de todo reconhecimento e apreciação que atualmente Van Gogh tem, nós ainda não compreendemos o que o pintor queria expressar através da sua arte, nem tão pouco compreendemos a sua doença. E talvez esta seja uma das maiores fatalidades da vida de Vincent: ser incompreendido. (“They were not listening, they’re not listening still. Perhaps they never will”)

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