A Direção Geral de Saúde e o Ministério da Saúde têm-se reunido e tomado providências: no site da DGS encontram-se atualizações e comunicados com as mais recentes informações trazidas a público, havendo medidas especiais acionadas ao nível do Serviço Nacional de Saúde desde que o surto foi identificado. O Ministério do Ambiente, por sua vez, responsabiliza-se por, em atuação conjunta com as entidades de saúde competentes, investigar o episódio e o local que está na origem da explosão de casos de Doença dos Legionários. Os hospitais reagem, acionando planos dignos de estado de sítio, unindo-se público e privado numa tentativa de resposta efetiva e que visa, enfim, capacitar Portugal para uma situação infeciosa como a que se vive durante a última semana. Os cidadãos, por sua vez, ouvem, interpretam e tentam proteger-se: ninguém quer ser o próximo.
No entanto, do ponto de vista da Saúde Pública, a Legionella é hoje um caso de estudo na medida da sua dimensão espacio-temporal, fazendo com que duas das questões que prevaleçam sejam, inevitavelmente, como reage um país a uma epidemia e que medidas permitem aos portugueses assumir que tudo vai acabar bem, quer neste caso, quer em qualquer outro.
Quem fica doente?
Antes de mais, é necessário (re)lembrar que a infeção por Legionella não acontece em todas as situações; apesar de ubíqua, a bactéria em causa exige do hospedeiro um conjunto de características que, de algum modo, o tornam suscetível à aquisição de infeção e, em última instância, de doença (pneumonia atípica). Como de resto vem sendo anunciado em telejornais e outras comunicações públicas, são fatores de risco importantes:
- a idade superior a 50 anos;
- o género masculino;
- hábitos tabágicos marcados;
- doenças respitratórias crónicas;
- alterações metabólicas;
- insuficiência renal;
- imunossupressão (doentes sujeitos a corticoterapia, transplantados ou hemato-oncológicos).
Somemos a isto a quantidade de bactérias que infetam a água doce depois transformada em aerossol, que terá de ser em grande número para que a infeção (principalmente nos indivíduos sem fatores de risco) aconteça.
Deste modo, não é de esperar que um jovem saudável venha a sofrer de Pneumonia por Legionella, da mesma forma que a população pediátrica, apesar de mais suscetível a outras infeções se comparada com a população adulta, não estar entre os grupos de risco: apenas 1% das crianças com menos de 14 anos e entre 2 a 4% com mais de 14 ficam doentes.
O que deve um médico fazer no caso de suspeita ou confirmação de um caso de Infeção Respiratória por Legionella spp?
Esta é uma doença infeciosa de declaração obrigatória desde 1999, integrando a lista de doenças transmissíveis de declaração obrigatória (Portaria nº 1071/98, de 31 de Dezembro). No entanto, apenas em 2004 foi criado um verdadeiro “Programa Nacional de Vigilância Epidemiológica Integrada da Doença dos Legionários”, participando num conjunto de medidas que visam assegurar uma forte vigilância epidemiológica desta doença. Assim, paralelamente ao tratamento do doente, o médico tem de contactar, obrigatoriamente, os Delegados de Saúde da zona onde a situação é confirmada; tal pode ser feito diretamente, através de notificação laboratorial por via da DGS, notificação do EWGLINET e, desde há quatro anos, através de notificação do ELDSNet (também via DGS). Conhecido o caso, cabe ao Delegado abrir um Inquérito para estudo epidemiológico do mesmo, a que se segue um Estudo Ambiental. Deste modo, a investigação de uma situação de infeção por Legionella envolve duas frentes: uma, relativa ao doente e contactos; outra, relativa à procura de possíveis fontes de infeção.
Que medidas de contigência foram acionadas pelo Ministério da Saúde?
Dada a já de sobremaneira descrita rápida evolução do surto que se iniciou na passada sexta-feira, dia 8 de novembro, as principais entidades responsáveis pela Saúde Pública em Portugal reuniram-se para criar um plano de contingência capaz de travar a progressão assustadora da epidemia e, mais importante, dar resposta às necessidades destes doentes, de modo a limitar ao máximo a mortalidade associada. Não chegaram os Inquéritos Epidemiológicos nem as Investigações Ambientais: a situação exigiu (e ainda exige) medidas drásticas e eficazes, como a ativação de um Plano de Contigência.
Na sua essência, este Plano de Contigência foi um plano de reorganização hospitalar, dadas as necessidades especiais dos casos graves de pneumonia que, de repente, surgiram. Como tal, foi pedido aos hospitais (principalmente os de referência) que cedessem mais camas para as Unidades de Cuidados Intensivos, pelo facto de estes doentes exigirem, tantas vezes, cuidados especiais e ventilação assistida. Esta terá sido a primeira fase de readaptação; a segunda, por sua vez, envolveu também a rede de cuidados de saúde privados, pois só assim poderiam ser supridas as necessidades especiais dos hospitais do SNS num cenário como este. Por outro lado, os Serviços de Urgência de hospitais como o de Vila Franca chegaram a ter afluência nunca antes vista, o que exigiu mais horas de trabalho de mais profissionais de saúde. A Linha de Saúde 24 foi também reforçada, tendo-se registado um fluxo de telefonemas muitos superior ao normal.
Apesar de em 1976, durante a reunião anual da Legião Americana na Pensilvânia, ter acontecido o evento inaugural e mais mortífero de sempre de Doença dos Legionários, com 29 mortes e 180 casos detetados, terá sido já em 2002, no Reino Unido (Barrow), que se verificou o maior surto registado (494 infetados e 7 mortos), associado ao sistema de refrigeração de aparelhos de ar condicionado; segue-se o surto espanhol de 2001, desta vez associado às torres de refrigeração de uma unidade hospitalar em Murcia.
Os números em Portugal continuam a aumentar, embora mais lentamente; a expetativa é que assim continue por mais uns dias, dada a ainda por esclarecer origem do foco infecioso – mesmo que as últimas suspeitas, passíveis de confirmação num futuro muito breve, remetam para as torres de refrigeração da empresa Adubos de Portugal (ADP), localizada na zona de Vila Franca de Xira.
De tal modo tem relevância, que é já notícia em múltiplos órgãos de comunicação e informação em todo o mundo. A DGS prevê que dia 20 deste mês o número de casos pare de subir.