Scientific Lectures | Entrevista com Martha Clokie PhD

A professora Martha Clokie dedica a sua vida profissional ao estudo dos bacteriófagos e à sua interacção com os hospedeiros bacterianos. Graças à sua pesquisa, podemos um dia vir a descobrir uma terapêutica alternativa contra microorganismos resistentes aos antibióticos, uma das maiores ameaças da medicina do século XXI.

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Os bacteriófagos parecem ser uma alternativa exequível aos antibióticos. Mas será a sua especificidade absoluta? E quais são os riscos que identificou até agora relacionados com o uso de bacteriófagos e produtos derivados dos fagos?

A especificidade é uma vantagem, pois não existirão os problemas que temos quando usamos antibióticos, como disbiose, uma vez que haverá um dano colateral muito menor, porque não iremos afetar bactérias que não pretendamos eliminar. Mas também é complicado, porque necessitamos de realizar muitos testes para ter a certeza que temos vírus com um espectro de ação tão alargado quanto possível, dentro das espécies que temos disponíveis.

Ainda não identificámos muito bem os riscos, mas não há forma de estes vírus atacarem, por exemplo, células humanas. Olhando para os dados que temos de Clostridium difficile, que é o projeto mais avançado que temos até à data, podemos ver que a especificidade dos vírus para esta espécie é bastante elevada. Temos outro projeto, financiado pela Fundação Gates, no qual nos debruçamos sobre Shigella, recorrendo a um modelo de infeção desta espécie e bacteriófagos ativados e estamos a investigar o impacto destes no restante ambiente microbiano.

Atualmente, testamos a especificidade dos nossos vírus aplicando-os a todas as bactérias que consigamos e, se tivermos em conta que temos 1000-2000 espécies bacterianas no intestino, muitas das quais não somos capazes de fazer crescer em cultura, uma vez que não temos as ferramentas necessárias para esse efeito, chegamos à conclusão que é muito difícil perceber os riscos. Ainda assim, a minha convicção é que o impacto negativo destes fagos nunca será tão grande quanto o de um antibiótico, e o dano causado será menor. Penso que a especificidade é verdadeiramente o ponto fulcral e é também a especificidade que tem mais limitado o nosso envolvimento com os fagos, mas acredito que conseguiremos ir mais longe.

Tendo em conta o que a sua investigação tem revelado até ao presente, acredita que estes agentes poderão, no futuro, substituir por completo os antibióticos (tanto em humanos como na criação de gado) ou deverão ser estudadas soluções adicionais à resistência antibiótica?

Não creio que os fagos irão substituir completamente os antibióticos, mas sou da opinião que serão bastante capazes de os complementar. Por exemplo, usando os bacteriófagos num ambiente de criação de animais, poderíamos guardar o uso de antibióticos apenas para o ser humano, uma vez que temos mais conhecimento dos efeitos destes no Homem. Fiquei bastante entusiasmada com alguns dos dados da nossa investigação, que mostram que, estatisticamente falando, o uso conjunto de fagos e antibióticos é eficaz. Tomando como exemplo o Clostridium difficile, sabemos que num ambiente com formação de biofilme os fagos funcionam tão eficazmente quanto a micomicina; se os combinarmos, seremos capazes de atingir níveis superiores de eliminação de biofilme. Provavelmente haverá uma penetração do biofilme pelos fagos, o que permitirá a entrada do antibiótico. Creio que estes vírus poderão ser usados não só para prolongar o efeito dos antibióticos, mas também, de uma forma sinérgica, para aumentar a sua eficácia.

Tem algum conselho para aqueles que ambicionam fazer a diferença no mundo da investigação ligada à saúde?

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Eu diria que, se tiverem interesse numa dada condição ou numa solução para um problema em particular que tenham observado, acho que o devem tentar investigar, mesmo que as outras pessoas vos digam para não o fazer, que já foi resolvido, ou que não resultou. Ignorem essas pessoas. Por exemplo, quando iniciei a minha investigação com fagos há dez anos atrás, os meus colegas estavam sempre a dizer “Já tentaram fazer isso na Geórgia, e não resultou” ou “Já fizeram isso na Rússia, deixa lá isso; limita-te a compreender a ciência fundamental, não a tentes aplicar”, mas desde então a maré mudou muito e há um interesse muito maior e um maior financiamento. Agora os meus colegas vêm ter comigo e dizem “Porque não investigamos esta doença?”. Vocês são jovens, não se sintam desencorajados por serem  ‘maltratados’ por pessoas com ideias pré-concebidas que não tenham ‘digerido’ bem aquilo que vocês planeiam fazer. Agarrem-se com força às coisas que são do vosso interesse.


Entrevistador: Maria Inês Roxo

Transcrição: Paulo Lucas

Revisão: Rita Amador

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