Cacau – a cura para o esquecimento ?

A doença de Alzheimer (AD) é a patologia neurodegenerativa mais comum em todo o mundo, afetando 44 milhões de pessoas. Foi primeiramente descrita em 1907 por Alois Alzheimer e caracteriza-se por agregados patológicos da proteína β-amilóide ou da proteína tau. A sua incidência é cada vez maior, esperando-se que afete, em 2050, 1 em cada 85 pessoas. Muitos estudos têm sido desenvolvidos na tentativa de procurar a cura para esta doença. O mais recente medicamento experimental, C31 ou LM11A31, está a depositar grandes esperanças na comunidade científica, embora apenas tenha sido eficaz em estudos não-clínicos…

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Aproxima-se uma época festiva, sempre associada ao consumo de chocolate (quem não tem vontade de comer um grande ovo de chocolate nesta semana?). Existe tradicionalmente no pensamento comum uma dicotomia entre o prazer de comer chocolate e os seus potenciais efeitos sobre a Saúde. Mas será que esta substância se revela tão prejudicial quanto se pensa?

Um estudo publicado no Journal of Alzheimer’s Disease em Junho de 2014, Cocoa Extracts Reduce Oligomerization of Amyloid-β: Implications for Cognitive Improvement in Alzheimer’s Disease, revela que uma preparação de extrato de cacau pode ter um papel preponderante na redução dos danos nas vias nervosas, características da AD, antes dos sintomas se desenvolverem.

Porquê o Cacau?

Esta substância é constituída por polifenóis, antioxidantes associados à prevenção de doenças degenerativas, que reduzem a disfunção cognitiva associada à idade e o envelhecimento patológico do cérebro e que estão presentes em frutas e legumes. Em indivíduos saudáveis, cada célula nervosa envia um impulso elétrico que atinge uma sinapse e conduz à libertação de neurotransmissores. Contudo, na AD as estruturas sinápticas são altamente afetadas pela acumulação da proteína β-Amilóide nas sinapses, afetando os mecanismos que mantêm os circuitos de memória em bom estado. A sua deposição despoleta respostas inflamatórias que danificam as células nervosas.

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Qual a sua implicação no Alzheimer?

Os flavonóides (subclasse dos polifenóis) que constituem a preparação de cacau podem ter um efeito marcado na recuperação da transmissão sináptica. Isto porque a sua ingestão adequada impede a acumulação desta proteína em oligómeros que danificam o cérebro. Uma vez que se acredita que o declínio cognitivo se inicia antes do aparecimento de sintomas, este estudo pode ter implicações enormes na prevenção e redução dos efeitos, ainda catastróficos, desta doença. O consumo de cacau foi também associado à redução da glicémia e ainda da pressão arterial, por vasodilatação mediada pelo óxido nítrico.

Neste estudo, foram utilizados três diferentes extratos – “Natural”, “Dutched” e “Lavado”, sendo este último o que continha maior conteúdo de polifenóis e maior atividade antioxidante. Estes inibem a geração das proteínas tóxicas já mencionadas, β-amilóide e agregados anormais da Tau, e promovem a sua clearance. A sua função mais importante passa por prevenir a acumulação destes agregados neurotóxicos, associados à perda de sinapses que são fundamentais para a comunicação entre neurónios. Outro fator também muito importante é o seu papel na prevenção da desregulação do LTP (Long-Term Potentiation) ao nível do Hipocampo. Este processo consiste num aumento da resposta a uma transmissão sinática produzida por ativações repetidas dos neurónios pré-sináticos, o que está associado a uma maior eficácia sinática, sendo, nesta localização, fundamental para a conservação da memória a curto prazo (constituindo a sua perda um dos sinais mais precoces na AD). Este resultado suporta a tese de que a desregulação da integridade da transmissão sinática se revela mais importante nesta patologia do que a perda de neurónios propriamente dita. Assim sendo, a recuperação desta função tornou-se assim o alvo mais influente na redução dos défices cognitivos característicos desta patologia e revela-se uma importante estratégia contra a progressão da AD.

A eficácia do extrato de “Lavado” comparativamente aos restantes reforça o papel ativo dos polifenóis no aumento da função sinática e, portanto, na reversão da progressão da doença.

Contudo, mesmo com um resultado que abre perspetivas futuras no tratamento de doentes, muitos mais estudos terão de ser feitos para determinar se haverão outros componentes ativos nos extratos de cacau, ou se estes interferem com diferentes mecanismos da doença. Por outro lado, é também possível aferir que a composição dos extratos é fundamental para a eficácia do tratamento, não tivesse o “Lavado” uma eficácia mais promissora que os restantes, o que reforça que o processo envolvido na produção de cacau pode estar associado ao seu efeito biológico. Curiosamente, duas das técnicas de produção mais comuns resultam na perda de até 90% do conteúdo em polifenóis do cacau… O que demonstra que terá de ser feito um compromisso entre os produtores e a comunidade científica na definição de metas para combater o avanço da AD.

É preciso lembrar, porém, que esta “boa” notícia (que ainda carece de um melhor esclarecimento) tem uma grande desvantagem associada: o Chocolate de Leite, eventualmente o preferido de muita gente, contém apenas cerca de 30 % de cacau… Já para o Chocolate Negro, amargo, essa percentagem pode atingir os 70%! É importante salientar de que foi o cacau o alvo deste estudo e que o chocolate mais doce apresenta também potenciais malefícios: doença cardiovascular (ao elevar o Colesterol LDL), Diabetes, Doença do Refluxo Gastro-Esofágico. Mas, dada que a época que se aproxima, há sempre espaço para um pequeno “deslize”…

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Francisco Vara Luiz é aluno do 4º ano da NOVA Medical School|Faculdade de Ciências Médicas, embora tenha frequentado um ano de Medicina na Universidade dos Açores…daí, guarda algumas das melhores memórias da sua vida. Agora, mantendo-se no curso que sempre desejou, tem a grande motivação de viver na “sua” cidade e de estar perto da família (amigos também são família!) e do seu clube (Sporting, what else??) . O desejo de pertencer a um grande projeto fê-lo ingressar na equipa da FRONTAL, em Dezembro de 2014. Pelo caminho, ingressou noutros projetos e atividades que espelham as suas motivações de vida - ser uma melhor pessoa e um melhor profissional.

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