Glúten, o maior inimigo da humanidade

Não há dieta como esta: sem glúten, desaparecerem os quilos em excesso e acrescentam-se uns quantos anos de vida no final da estrada. São muitas as pessoas que já aderiram a esta moda. Mas serão os resultados tão miraculosos como se defende?

[dropcap]A [/dropcap]moda parece ainda não ter chegado a Portugal, mas não deve faltar assim tanto tempo para que as lojas do Bairro Alto (Lisboa) à Miguel Bombarda (Porto) se encham de produtos livres de glúten. A razão? Um estilo de vida mais saudável, com uma dieta que promete não só eliminar uns quantos quilos indesejáveis, como também acrescentar anos de vida. A crer em algumas informações que circulam na internet, o glúten é o maior inimigo da humanidade desde a descoberta do tabaco; mas será isso mesmo verdade?

Se há coisa em que Hollywood é pródiga é a da adesão a modas exotéricas estimulantes da saúde. Da pulseira do equilíbrio à bizarra sapatilha em forma de pé, tudo é válido na incessante busca da eterna juventude, tão necessária, aliás, num negócio em que cinquentonas precisam de manter uma forma de fazer suspirar gerações dos 7 aos 77.

A coqueluche atual parece ser a dieta livre de glúten. Esta não é propriamente uma invenção americana – afinal, a nação do hamburger e da coca-cola XXL é prolífera em encontrar novas formas de atentar contra a saúde das populações, e não o contrário – sendo já conhecida desde há largos anos em países do centro e norte da europa, estando os modernos habitantes de Berlim a Copenhaga completamente habituados a ver nos rótulos dos alimentos bio um símbolo sinónimo de “glúten-free”. A FRONTAL procura responder às questões mais importantes daqueles que pretendem ter uma vida livre de glúten –  desde quem sofrem de doença celíaca, aos frenéticos do ginásio – num guia que torna tudo mais simples.


Afinal, o que é o Glúten?

Composto formado pelas proteínas glinadina e glutenina, o glúten é encontrado naturalmente em semente de cereais da família das gramíneas, como o trigo, cevada, centeio, ou  aveia.

Que alimentos são ricos em glúten?

Demasiados para quem deseja estar afastado dos mesmos. Como referido, diversos cereais são ricos em glúten, alimentos que formam historicamente a base de diversas dietas a nível mundial. Do inestimável pão nosso-de-cada-dia, à evitável cerveja da quinta à noite, o glúten é uma constante nos pratos (e copos) da maioria dos seres humanos.

Adicionalmente, o glúten é utilizado como aditivo proteico em alimentos dirigidos a vegetarianos.

O glúten é um nutriente importante para o nosso organismo?

Não. Mas os alimentos ricos nesta proteína são-no. Os cereais são a base alimentar do ser humano desde que este largou o nomadismo, iniciou a prática da agricultura, fundou civilizações e todas as implicações – das guerras mais ou menos constantes à invenção da imprensa, razão pela qual é possível ler-se a FRONTAL -a que a este passo se encontram associadas.

As clássicas “roda” e “pirâmide dos alimentos” dão uma grande importância aos cereais enquanto base da alimentação e recomendações mais rencentes – como a publicada pelo Departamento da Agricultura do Governo Norte-Americano – mantêm as mesmas recomendações no que toca aos cereais.

 O glúten vai fazer mal à minha saúde?

Com toda a certeza; mas só se pertenceres ao 1% da população mundial que sofre de doença celíaca. Efetivamente, os indivíduos afetados por esta doença têm uma intolerância completa a alimentos ricos nesta proteína. Vómitos, diarreia, mal-estar geral ou outras alterações extra-intestinais são alguns dos sintomas referidos, todos capazes de criar um estado altamente comprometedor do bem-estar do doente. A evicção de alimentos ricos em glúten é um imperativo para estes indivíduos, tarefa difícil numa sociedade onde a dieta é altamente rica em cereais. Existem soluções substitutas de alimentos com glúten, mas a sua disponibilidade continua a não ser a melhor no nosso país.

O que é a doença celíaca?

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A doença celíaca é uma doença auto-imune que afecta o intestino delgado. Resulta de uma resposta patológica do sistema imunológico, com a apresentação da gliadina aos linfócitos T helper localizados na parede intestinal. A enzima transglutaminase tecidual tem um papel importante na patogenia, através de uma modificação da gliadina que facilita o atravessamento da superfície do intestino.

A inflamação provocada pela resposta imune leva a uma lesão progressiva das estruturas do tubo digestivo, nomeadamente o encurtamento das vilosidades, atrofia da parede e consequente diminuição da superfície abortiva. Em última análise, leva alterações de digestão e síndrome mal-absortivo.

Existe uma componente hereditária importante na doença celíaca, com uma prevalência de 10% em familiares de primeiro grau. Os genes codificadores do antigénio leucocitário humano (HLA, do inglês Human leukocyte antigen) do haplotipo DQ2 e DQ8 têm uma relação bem estabelecida com esta entidade clínica.

Como já referido, o tratamento para a doença celíaca é a evicção na dieta de alimentos contendo glúten.

Ok, não tenho doença celíaca… será que o glúten, ainda assim, é inofensivo?

Talvez. Existe uma patologia mal definida com o nome de “intolerância não-celíaca ao glúten” que poderá afetar perto de 10% da população americana. Esta entidade foi descrita recentemente, estando associada a doentes com sintomas gastro-intestinais como diarreia, obstipação e mal-estar intestinal, despoletados ou agravados pelo consumo de glúten, mas sem o diagnóstico de doença celíaca ou alergia ao trigo.

Todavia, a discussão ainda vai no adro no que toca ao estabelecimento da sensibilidade ao glúten enquanto entidade clínica bem definida. A sobreposição da sintomatologia gastrointestinal associada ao consumo de alimentos ricos em glúten e o síndrome do intestino irritável, bem como a falta de marcadores específicos de doença ou mecanismos fisiopatológicos estabelecidos, são alguns dos entraves à aceitação global de uma doença deste género.

Farto-me de comer alimentos ricos em glúten mas não tenho sintomas. Ainda assim, acho que devia seguir uma dieta sem este nutriente. Posso fazê-lo?

Claro que sim. Mas isso não significa automaticamente uma dieta mais saudável. Logicamente, muitas pessoas referem algum grau de intolerância ao gúten, tal como o fazem em relação a muitos outros alimentos. Contudo, há que se ter em conta que os alimentos ricos em glúten, nomeadamente os cereais já referidos, contêm nutriente importantes. O trigo, por exemplo, é o principal cereal utilizado em Portugal, sendo uma das pedras-basilares da nossa dieta. Adicionalmente, a maioria dos alimentos glúten-free têm uma deficiência em nutrientes como vitamina B, cálcio, zinco, ferro, magnésio e fibras, quando comparados com outros que a contêm.

Perda de peso é algo apontado como associado a dietas pobres em glúten, mas mais uma vez tal será apenas uma meia-verdade. A eliminação do pão, pizzas, bolos e outros alimentos ricos em glúten é sem dúvida uma vantagem a apontar. Porém, não é por ser glúten-free que uma caixa de bolachas ou um gelado vai deixar de engordar! O melhor caminho é sempre a moderação…

No fim da conversa, estou decidido em seguir uma dieta livre de glúten. Que alimentos devo ter o cuidado em incluir na minha nova dieta?

Arroz e milho são os principais substitutos em muitos produtos alimentares livres de glúten, como bolachas, pão, bebidas e cereais de pequeno almoço. Existem ainda outras alternativas mais “exóticas”, como a quinoa, trigo-sarraceno e o sorgo, que, adicionalmente ao facto de não conterem glúten, são ricos em micronutrientes.

Atualmente, existem cada vez mais alternativas no mercado para aqueles que, quer por necessidade ou escolha, desejam ter uma dieta livre de glúten. As vantagens em termos de saúde deste tipo de dietas em comparação com outras “mais completas” não são evidentes, porém também não o são os benefícios.

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O Luís Afonso nasceu em Coimbra, mas sempre sonhou ser de Mortágua. É estudante do 6º ano de Medicina, mas gostava era de ter um bar de praia em Copacabana e um canudo de Línguas Orientais na algibeira. Se o virem num concerto de Coldplay com ar aluado, provavelmente enganou-se no caminho ao sair de casa para comprar bolachas com chocolate, situação que, aliás, lhe acontece frequentemente. Quase ganhou o torneio de Trivial Pursuit da Queima das Fitas, só que errou a pergunta «Quantos dias sobrevivem os Glóbulos Vermelhos?». A partir daí a sua vida foi sempre a descer.

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