A manhã do segundo dia do iMed 5.0 ficou reservada para as competições – a Novartis Clinical Mind Competion e a Fundação Astrazeneca Innovate Competion. Se no primeiro estava em jogo um estágio de 2 semanas em África, no segundo bolsas de 5.000 € foram disputadas entre investigadores através de posteres e apresentações orais. Durante o Clinical Mind Competion, certamente o evento de maior interesse para a maioria do público, o Anfiteatro principal encheu-se de alunos que viram os seus conhecimentos duramente postos à prova com uma bateria de perguntas à altura do mais ecléctico dos médicos. Dermatologia, Cardiologia, Pneumologia… quase todas as áreas da medicina foram abordadas num teste que para alguns pecou por “ser mais conhecimento do que de raciocínio”.
THE AGELESS BRAIN ou o futuro da Doença de Alzheimer
Indiscutivelmente, existem muitas doenças a merecerem a atenção da comunidade científica mundial, mas são poucas as que, sendo comuns, o tratamento e prevenção parece ter dado tão poucos passos como a Doença de Alzheimer. «There is more money invested, for example, in cancer, because cancer patients can shout; Alzheimer patiens can’t», explicou o professor Niels Andreasen à FRONTAL.
«There is more money invested, for example, in cancer, because cancer patients can shout; Alzheimer patients can’t»
Apesar desta afirmação, durante a sessão The Ageless Brain desmistificou-se a ideia de que a Doença de Alzheimer não têm sido foco de vasta investigação. Como bem explicou a professora Kristel Sleegers, hoje temos um conhecimento mais vasto desta patologia, nomeadamente a nível da sua base genética e factores de risco; brevemente seremos, pois, capazes de desenvolver terapêuticas – grupo no qual os moduladores da via β-amiloide perderão o total protagonismo actualmente detido – personalizadas conforme as alterações genéticas específicas de cada doente.
No lote de opções terapêuticas, encontra-se a imunoterapia, entre os quais pontifica uma possível vacina potenciadora da clearence de β-amiloide – quer activa (através de administração de antigénios), quer passiva (através da administração de anticorpos) – e os anticorpos monocolonais bapineuzumab e solanezumab.
A possibilidade da realização de rastreios genéticos foi também abordada. Os oradores não tiveram dúvidas sobre exequibilidade deste projecto do ponto de vista técnico, atirando a sua discussão para a esfera da Ética. «Se tiveres um desastre de avião daqui a dois anos, quererás saber essa informação hoje?»; Niels Andreasen respondeu que sim.
DE BACTÉRIAS SE FAZ CIÊNCIA
Para encerrar a manhã com excelência, Richard J. Roberts, Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de 1993, apresentou o seu trabalho enquanto Director Científico dos New England Biolabs. Neste laboratório, o cientista desenvolve uma técnica particular de sequenciação apelidada de PacBio. O seu objecto de estudo são as enzimas de restrição tipo I, II ou III e as proteínas de metilase, tendo como base de trabalho modelos de bactérias.
Para quem tem ideias de que o Homem está perto de alcançar o conhecimento total sobre a biologia humana, deixou uma mensagem céptica: não vale a pena anunciar a descoberta do funcionamento, por exemplo, do cérebro humano, pois nós, nesta e noutras áreas, ainda estamos numa fase inicial da compreensão dos processos mais básicos. O entendimento da biologia através da genética ainda agora começou – o corpo humano é simplesmente demasiado complexo para poder ser estudado, daí advém, segundo Richard J. Roberts, a importância do uso das bactérias como modelos. A sua magia advém do facto de serem muito mais simples e, coisa simples, terem vida.
O entendimento da biologia humana através da sua base genética ainda agora começou
«That’s why I love bacteria», concluí o orador; a plateia, ainda que com o almoço em mente, anuiu – na realidade, não há como se contrariar um Prémio Nobel.
Uma tarde dedicada ao coração
Depois da manhã ter sido dedicada ao cérebro, a parte da tarde seria ocupada pela sessão científica Heart+1,
A tarde foi marcada pela sessão científica Heart+1, durante a qual procurou-se deslindar o futuro sinuoso da recuperação cardíaca através de uma dupla análise: a do cirurgião, pelo Professor José Fragata, e da medicina regenerativa, pelo Professor António Fiarresga.
Antes disso, porém, houve tempo para a interessante apresentação de Muskesh Jain sobre os mecanismos do jejum e metabolismo dos nutrientes fundamentais através dos, por agora desconhecidos, factores de transcrição Krüppel-Like (KLF).
Inesperadamente, o debate iniciou-se através de uma análise antropológica da evolução humana. O Professor Jain defendeu que o homem primitivo só foi capaz de sobreviver graças a duas características: intelecto superior e capacidade para correr longas distâncias. Graças a elas os nossos antepassados foram capazes de ser organizar em caçadas nas quais percorriam longas distâncias a um ritmo mais ou menos constante, finalmente alcançando os animais perseguidos, conquistando assim um banquete merecido. E nesta actividade primordial ocorriam os estímulos necessários – jejum e exercício – para a activação dos KLF.
«You are weak and slow, and so you’re friends! How else could such an animal survive in an harsh enviroment?», Muskesh Jain
Os KLF, particularmente o KLF-15 foram então apresentados como sendo factores de transcrição únicos no ser humano e diferentes de todos os outros por interferirem no metabolismo dos três nutrientes principais – ácidos gordos, aminoácidos e, claro, glucose, o combustível essencial do nosso cérebro. Não surpreendentemente, estes factores de transcrição parecem estar associados às grandes patologias da actualidade, como a doença cardiovascular, cancro ou a neurodegeneração e, por essa razão, deverão ser tidos em conta no desenvolvimento de novas terapêuticas.
Claro que hoje as proteínas descritas na conferência são ainda ilustres desconhecidos, mas a querermos nas palavras de Muskesh Jain, os KLF terão muito brevemente um lugar de destaque em todos os manuais de bioquímica.
HOW MANY WAYS ARE THERE TO GIVE A SECOND CHANCE TO A BROKEN HEART?
Altura dos Professores José Fragata e António Fiarresga debaterem o futuro da recuperação cardíaca. Se o primeiro contribuiu com o relato único de anos de experiência na cirurgia cardio-torácica, quer em adultos, como neonatal e infantil; o segundo, enquanto introdutor em Portugal da ablação septal aclcoóica para a cardiomiopatia hipertrófica, deslindou o que o futuro nos trará no que toca à intervenção não invasiva de várias patologias.
I am going to teach you How to fix a broken heart, foi a frase-tiro-de-partida que marcou a sessão. Medicina regenerativa através de células estaminais, ideia de ficção científica há pouquíssimo tempo – não eram os cardiomiócitos células indivisíveis? -, pode estar mais perto da realidade do que muitos espectadores esperariam.
Conclusão: a regeneração cardíaca é uma área em plena revolução. Terapêuticas minimamente invasivas certamente continuarão a ganhar peso nas armas de intervenção dos médicos, mas sempre aliadas à boa velha cirurgia, numa sinergia que é e deverá ser constante entre a cirurgia cardiovascular e a cardiologia. Progredirão ambas disciplinas para uma especialidade unificada? Respostas num próximo iMed…
UMA LONGA HISTÓRIA PARA UM CURTO FIM DE TARDE
Robin Warren é o Prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia de 2005 devido à descoberta da Helicobacter pylori e do seu papel na doença péptica, mas, muito mais que isso, uma pessoa extraordinária com uma história profissional de luta pessoal e determinação fantástica. Foi a verdadeira saga que envolveu a descoberta que lhe garantiu a viagem até Estocolmo que este brilhante homem veio contar a Lisboa.
«Bacteria can’t live in the stomach», era o paradigma da época.
Nos anos 70, Robin Warren era a única pessoa que acreditava na existência da H. Pylori. Por mais que mostrasse provas da autenticidade da sua descoberta – para si, evidente – a resposta dos colegas foi sempre, no mínimo, muito céptica. «Bacteria can’t live in the stomach», repetiam-lhe constantemente. Contudo ninguém foi capaz de tirar-lhe da cabeça aquilo que para ele era tão visível como as pessoas à sua volta. Se era capaz de vislumbrar em imagens de colorações de prata da mucosa do estômago pequenos bacilos pretos, então os seus sentidos não o podiam estar a enganar e estes efectivamente existiam.
Como em qualquer progresso científico foi necessário tempo para novos avanços serem feitos. Ao longo da década Robin Warren, já certo da existência da H. Pylori, associou a infecção deste patogénio com doenças pépticas gástricas. No entanto, muitas eram as barreiras com que o Professor Warren se deparava: os meios laboratoriais não estavam suficientemente desenvolvidos, o meio académico era hostil e, por ser patologista, faltava-lhe contacto directo com pacientes e a capacidade para escolher casos além das lâminas de úlcera e carcinoma que lhe eram enviadas.
No entanto, no início dos anos oitenta, o jogo estava prestes a mudar. Certo dia, um estudante de doutoramento chegou à Universidade de Robin Warren. Sem se interessar pelos projectos desenvolvidos pelos vários departamentos foi enviado para falar com «o professor que queria provar que a gastrite é uma infecção». O seu nome era Barry Marshall e passados vinte anos viria a ganhar o Prémio Nobel da Medicina juntamente com o seu professor por esta herética ideia.
A partir desse momento o trabalho não cessou mas a História estava feita. Um grande estudo concluiu de forma definitiva a relação entre úlcera e infecção por H. Pylori, a Lancet publicou um conjunto de cartas dos dois investigadores e, mais tarde, um artigo original das suas investigações… e Barry Marshall infectou-se com a bactéria para comprovar os postulados de Koch!
No final da sua palestra, o patologista australiano concluiu que o mais importante no seu percurso até ao Nobel foi o seu desejo de curiosidade e que, no final, se sente simplesmente satisfeito por ter contribuído para renovar o tratamento da doença péptica – afinal o que antes se tratava com leite, agora é curado com antibióticos.
(artigo actualizado a 13 de Outubro)