Estás curioso acerca dos vários caminhos que podes escolher a seguir ao curso? Gostarias de saber mais sobre opções de carreira não médica? Temos a informação que procuras!
A FRONTAL apresenta a sua nova rubrica, “Carreiras Alternativas em Medicina”, de modo a ir de encontro a estas dúvidas que são transversais aos estudantes de Medicina. Como primeiro artigo, contamos com o contributo da Professora Doutora Maria Emília Monteiro, Professora Catedrática da NOVA Medical School, acerca da Carreira Médica Indiferenciada.
Mª Emília Monteiro
Professora Catedrática de Farmacologia da NMS|FCM
Para o leitor da Frontal, “indiferenciado” significa a perspectiva sombria de uma vez terminado com sucesso o Mestrado Integrado em Medicina numa Universidade pública não ter acesso a uma vaga no concurso para a formação específica disponibilizada pelo Ministério da Saúde em Portugal. Esta impossibilidade é entendida como uma barreira intransponível à realização profissional na área da saúde.
O debate em torno desta questão tem basicamente duas perspectivas que de motu próprio denomino: a Corporativa e a Darwiniana.
A Corporativa está associada à tradição, aos direitos adquiridos pelos mestres em medicina em Portugal, sob o ponto de vista da especialização profissional totalmente dependente do Estado e do acesso direto ao mercado de trabalho em Portugal. É nesta linha que se construíram as expectativas dos que entraram nas faculdades de medicina portuguesas ou até dos que foram estudar medicina no estrangeiro tendo em vista a posterior especialização profissional em Portugal. É nesta perspectiva que se confunde formação universitária com o acesso direto a uma profissão; que se associa ao médico do futuro as mesmas tarefas do médico atual e que sub repticiamente, se resiste a algo que é inevitável e sinónimo de vida: a mudança. Como se deduz não é com esta perspectiva que me identifico.
As alterações profundas que o exercício da medicina tem sofrido (eg. globalização, novos relacionamentos público/privado, informatização, o aumento dos cuidados ambulatórios, tecnologia minimamente invasiva, os programas de prevenção, cuidados paliativos e continuados, relação com outros profissionais, o burden das doenças crónicas, cuidados de saúde baseados no valor, literacia do doente, medicina baseada na ciência, o assumir de tarefas tradicionalmente dos médicos por outros profissionais de saúde, a sobre especialização do conhecimento, as alterações demográficas, etc, etc. ) vão necessariamente dar origem a novas especializações e profissões que constituem verdadeiras oportunidades de diferenciação para aqueles que possuem uma formação universitária em medicina.
A mudança de paradigma reside na atitude: em vez de se “encaixarem” num sistema pré-determinado de opções de especialização e de terem um salário assegurado durante os anos da especialidade, terão de manter a auto-estima dos primeiros dias na faculdade de medicina e continuar a investir na formação após a conclusão do curso de medicina e cultivar as relações humanas, também fora da medicina, para criarem novas oportunidades. Quem por exemplo, já se interessou por conhecer a formação necessária para obter a competência em medicina paliativa ou em medicina da dor ou em medicina farmacêutica ou ainda a especialização em administração hospitalar? Quem está a investir em metodologias de análise de dados e à procura de emprego em empresas de tecnologia médica? Ou pensou em concorrer a bolsas de doutoramento em investigação clínica? Estarei nos próximos dias com uma das pessoas listadas pela revista Fortune no top ten of 40 under 40 : o médico Vasant Narasimhan, graduado por Harvard. Desafio-vos a descobrirem em que se diferenciou e até onde chegou. Se olharem à vossa volta na nova geração de antigos alunos da NMS e no seu corpo docente encontrarão excelentes exemplos de quem se dedica à inteligência artificial na área da dermatologia sem ter feito a especialidade, quem tenha empresas de software médico sem ter feito ainda uma especialidade ou quem tenha dirigido os destinos da faculdade de medicina sem ter também uma especialidade clínica. Dizia, há tempos, num evento organizado pela AEFCM que eu própria sou um exemplo de um médico “indiferenciado” que é diferenciado e realizado profissionalmente. Apenas fui adiando fazer o exame de seriação porque não quis perder as oportunidades que me foram surgindo na área da investigação.
«Eu própria sou um exemplo de um médico “indiferenciado” que é diferenciado e realizado profissionalmente.»
Talvez a diferença entre alguns exemplos que citei e os dos novos “indiferenciados” esteja no facto dos primeiros terem carreiras menos standard por opção, eram bons alunos e nunca se chamaram a si próprios indiferenciados. Não se deixem abater pelo estigma que os mais políticos vos impõem, confrontem-se com os outros mestres em áreas diversas do conhecimento que nunca têm a oportunidade de serem “diferenciados” por obrigação do sistema e sejam criativos. Aprenderão a gostar daquilo que fizerem se forem bons no que fazem.
«Aprenderão a gostar daquilo que fizerem se forem bons no que fazem.»
Chamei Darwiniana à perspectiva que as especialidades do futuro surgirão, não de entre os que se acomodam à tradição, mas de entre os que procuram alternativas porque “it is not the strongest of the species that survives, nor the most intelligent that survives. It is the one that is most adaptable to change”.