A Pediatria é uma especialidade muito peculiar em Medicina. Possui uma complexidade e um maior número de intervenientes do que a típica dinâmica médico-doente, tão característica das restantes especialidades médicas. Esta dinâmica especial torna a comunicação, por si só uma ferramenta indispensável a qualquer especialidade, na principal ferramenta em consulta de Pediatria.
Uma comunicação eficaz entre filhos-pais-médico é um dos principais desafios numa consulta de Pediatria. Atualmente, os pais encontram-se cada vez mais informados, o que em teoria seria esplêndido, não fosse o mar de informação disponível, nem sempre de fontes fidedignas. O papel do médico pediatra, nestes casos, passa por filtrar a informação, diferenciar a correta da incorreta, explicar a doença aos pais de um modo acessível, mas com detalhe, e saber orientá-los para locais de confiança em que estes se possam informar. Esta troca de informação recíproca também se deve alargar às decisões terapêuticas.
Outro desafio à comunicação eficaz entre filhos-pais-médicos são as diferenças culturais. Estas estendem-se ao consultório médico, onde é necessário ter em conta os costumes e as crenças dos indivíduos que estão em busca de ajuda médica, e que podem divergir muito da cultura do médico. Aqui, a resposta baseia-se na compreensão e aceitação da diferença, com orientação dos pais de acordo com a evidência.
Ou seja, deve procurar-se trabalhar em conjunto para manter a criança saudável e incluída na cultura da família, dando advertências apenas quando justificadas pela evidência.
Muitas vezes associado às diferenças culturais encontra-se o contratempo da barreira linguística, que causa um grande entrave na comunicação. Porém, estando dispostos a ultrapassar obstáculos e “correr os 100 metros de barreiras” é possível sempre uma solução, mesmo que não a ideal. Nos dias de hoje, a internet é capaz de ligar pessoas em lados opostos do planeta. Porque não utilizá-la para comunicar com pessoas do outro lado da secretária? Tradutores online e serviços 24h de tradutores são instrumentos ao nosso dispor que não devem ser desprezados.
Um outro grande desafio reside nas características dos pais. Tal como cada criança é única, cada pai ou mãe vai agir e interagir de modo diferente. Existem diferentes “tipos de pais” e não há uma regra fixa de como lidar com cada um deles. Todavia, alguns conselhos são transversais como:
- Ouvir o que os pais têm para dizer, dentro de certos limites
- Compreender a razão da preocupação dos pais o mais rápido possível
- Eliminar o excesso de informação dada pelos pais
- Contenção verbal e emocional
Em situações em que o comportamento dos pais afeta a intervenção médica, é necessário que o médico relembre que, por detrás de qualquer atitude de um pai/mãe, há uma base de preocupação.
De modo a melhor ajudar a criança, primeiro, o médico deve ganhar a confiança e aliança dos pais, pois são estes que vão cuidar dela e orientar o seu tratamento.
Lidando com pais problemáticos, o primeiro passo corresponde em identificar qual a reação do próprio médico (física ou emocional) à família. Depois de a identificar, o médico tem que aprender a controlá-la. Não cabe ao médico reagir impulsivamente na relação com os pais – deve ter uma intervenção neutra e objetiva, nunca esquecendo a empatia. Mas o passo mais importante nesta interação, qualquer que seja o “tipo de pais”, passa por procurar a cooperação dos mesmos. Se os pais se sentirem envolvidos e informados, como parte da equipa alargada que lida com a saúde do filho, estarão capacitados a cuidar da criança, independentemente das suas características. Os pais passam a ser “problem solvers” capazes de ajudar a criança não só na doença presente, mas a longo prazo.
Em conclusão, a Pediatria é uma especialidade única por ter a particularidade de cuidar dos mais pequenos, dependentes dos pais para o seu dia-a-dia e para a sua saúde. Muitas são as barreiras presentes em consulta, decerto produtos da complexidade entre múltiplas interações fechadas num só gabinete. Porém, uma coisa é certa, se o pediatra for capaz de capacitar os pais e os integrar na equipa de cuidados dos filhos, este assegurará que a criança terá sempre do seu lado alguém informado e capaz de o ajudar.
Entrevista curta com a Dra. Catarina Limbert
Vários estudantes de medicina revelam um franco interesse pela pediatria. Todavia, muitos revelam um proporcional receio na incapacidade de lidar com os pais. Qual, na sua opinião, é o aspeto da relação médico-parente mais importante? Por exemplo, no caso hipotético de dar uma má notícia?
“O receio que os estudantes de medicina têm por pediatria e pelo contacto com os pais é normal, dada a dinâmica especial em causa. Há uma conjunção de fatores e de personalidades que dificultam as coisas, uma vez que os pais, enquanto cuidadores, são muito exigentes e protetores. Mas tudo se aprende. Desde lidar com pais mais complicados a “conquistar” crianças que não falam.
Quanto às más notícias, é difícil generalizar. Penso que depende muito da situação em causa e da capacidade dos pais conseguirem assimilar a informação na altura. A quantidade de informação que deve ser facultada difere de pessoa para pessoa, também. Há pais que querem realmente a informação toda, mas só quando já estão preparados para tal. Não há regra fixa. Cada pai é um pai e cabe ao médico adaptar-se e ter a sensibilidade de perceber quando é que o timing é o mais correcto. Idealmente, deve esperar-se que o pai não esteja sozinho e que o ambiente seja tranquilo.”
Qual foi o maior desafio nesta relação médico-parente que encontrou até hoje na sua carreira?
“Por vezes, o mais difícil prende-se com a nossa impotência perante determinadas questões sociais. Quando há crianças de estratos sociais e culturais muito baixos que têm o azar de ter uma doença, seguida de outra e mais outra, sucessivamente… Ver os pais desesperados, incapazes de lidar com a situação e sem recursos é complicado.
Recordo-me do caso de um menino melanodérmico, sem pai, que vivia sozinho com a mãe. Esta que possuía dois empregos – um diurno e um nocturno – e passava muito pouco tempo em casa. Aos dois anos de idade, fez uma queimadura de alto grau na face com um ferro de engomar e ficou desfigurado. Quando o conheci, era um rapaz que estava a entrar na delinquência, não se interessava por nada, faltava às aulas… Entretanto, é diagnosticado com diabetes tipo 1, uma doença aborrecida, que ele não controlava. Acabou por ser institucionalizado. Esta história marcou-me pela negativa, por motivos óbvios, mas também pela positiva. Isto porque a instituição que o acolheu deu-lhe apoio, disciplina, moral… O rapaz, hoje, trata da sua diabetes, já sorri, já empatiza. No fundo, a segunda doença foi o que o salvou.”
Tem alguma dica em particular sobre como lidar com pais “indiferentes”? Por exemplo, no caso de uma criança que está a ganhar muito peso e se esclarece aos pais a importância de não comprar sumos, bolachas, etc mas os pais continuam o comportamento.
“Enquanto que no caso do rapaz diabético o retirámos à mãe, pois corria perigo de vida por esta ser incapaz de o tratar, em situações onde à partida não há perigo de vida é mais complicado proceder. A atuação do pediatra, nestes casos, é muito limitada. Deve passar pela educação alimentar, por “assustar” e explicar bem a doença, as repercussões desta, a importância do estilo de vida na prevenção da mesma… Mas é uma tarefa difícil, que não depende só do médico. Nós sozinhos somos impotentes.”