Artigo redigido pela Dra. Diana Almeida, Interna de Ginecologia e Obstetrícia no Hospital de Faro e antigo membro da Comissão Nacional de Médicos Internos do Sindicato Independente dos Médicos (SIM-Internos), a quem a FRONTAL agradece, e ao SIM-Internos, pela simpatia e disponibilidade para a realização deste artigo.
Entramos na faculdade sem medo. A pessoa, a doença, a cura, a prevenção… Excitam-nos e levam-nos mais perto do que ali nos trouxe: ajudar, tratar. Acabamos o curso e estamos só a começar: há a Prova Nacional de Seriação, a escolha da especialidade e um Internato que dura anos… Terminado este passamos pela prova final como se de uma catarse se tratasse e sobrevivemos quase renascidos,prontos para sermos, finalmente, depois de tantos anos, médicos completos. Só então percebemos que, para sermos médicos, temos que passar por muito que em nada se relaciona com a Medicina. São concursos com critérios variáveis e contratos que se fazem à margem dos concursos.
Oferecem-nos trabalho a tempo inteiro em Serviço de Urgência, ou vagas geograficamente desafiantes sem qualquer contrapartida. Aceitamos uma vaga menos má e esperamos eternamente pela assinatura do contrato enquanto respondemos como especialista recebendo ordenado de interno… Tudo isto enquanto um mercado crescente de Medicina privada anseia por nos engolir oferecendo pouco a troco de contratos instáveis, horários variáveis e muitas vezes sem assegurarem subsídios e outros direitos porque tanto lutaram os que nos antecederam.
Mirram os serviços públicos. Perdemos mentores quando colegas mais velhos decidem pela reforma antecipada. Escasseiam os colegas novos que voam para fora ou para sistemas privados. Os que ficam são poucos para o mesmo trabalho, com tempos e horas a cumprir, definições alienadas da realidade nacional. Sabemos de tudo isto e a informação escorre até às instituições de formação: planeiam os colegas, ainda na faculdade, migrar ou procurar onde ficar longe no Serviço Nacional de Saúde (SNS), aquele que nos povoava os sonhos quando escolhemos ser médicos. Somos médicos, mas de futuro incerto.
Resta-nos escolher: ficar no SNS e lutar pelo futuro com que sonhamos ou escolher uma alternativa e desbravar caminho com desfecho incerto.