O que têm em comum vinte pessoas em redor de um carro de Fórmula 1 e uma sala de reanimação neonatal? Nos dias de hoje, graças a uma colaboração entre a Equipa Williams de Fórmula 1 e o University Hospital of Wales, muito mais do que apenas stress, sangue, suor e lágrimas.
Num cenário, um autódromo: dezenas de carros em corrida por um lugar no pódio, onde cada segundo diferencia o vencedor do perdedor. Noutro, uma unidade de cuidados intensivos neonatais, onde cada segundo dita a sobrevivência de um recém-nascido. Cada segundo a mais numa pit stop significa, para a equipa da Williams, um distanciamento da vitória. Para os profissionais do University Hospital of Wales, cada segundo carrega, ou não, a vida de um bebé. Deste modo, a equipa de ressuscitação do UHW, sob direcção da Dra. Rachel Hayward, compreendendo as semelhanças entre ambos os cenários, idealizou uma parceria inédita e convidou a Williams a explorar a sala de urgência do serviço neonatal de modo a sugerir mudanças que a pudessem tornar mais eficiente. Após uma visita da equipa neonatal à fábrica da Williams, onde a observação em primeira-mão das supersónicas pit stops, características da modalidade, seguiu-se uma verdadeira colisão de ideias para a optimização dos procedimentos vitais.
De facto, em ambos os casos, as duas equipas, tão distintas entre si em termos etiológicos, possuem pontos fulcrais que tornam o seu esquema de acção passível de ser adaptado; se substituirmos um chão salpicado de óleo por um soalho azul miraculosamente desinfectado, o zumbido ensurdecedor de dezenas de carros supersónicos pelos clamores de uma equipa de profissionais de saúde em polvorosa, e um potentíssimo motor por um frágil coração recém-nascido, tanto numa pit crew como numa equipa de reanimação, um elevado número de pessoas qualificadas leva a cabo acções num espaço apertado e num ambiente carregado de stress, onde o tempo é crucial. Quis o destino (ou o investimento monetário) que fosse a Williams a aperfeiçoar a arte: a sua pit crew, com vinte membros, é a mais rápida do ramo e consegue mudar os quatro pneus de um carro em aproximadamente 2 segundos.
O trabalho com a Williams culminou não só em mudanças físicas na sala de reanimação, mas também em mudanças na gestão standardizada dos pacientes críticos, levada a cabo pela equipa de neonatologia. Por exemplo, nos trolleys de reanimação, os objectos como luvas e seringas foram emparelhados, de modo a manter um número certo de utensílios e libertar espaço com instrumentos desnecessários; a todas as gavetas foi atribuído um código de cores, de modo a facilitar a localização do equipamento necessário; mais ainda, a equipa elaborou um mapa no soalho, semelhante ao usado pela pit crew, de modo a sinalizar claramente, na sala de partos, o local de acção da equipa de reanimação e de cada membro que a compõe. No desempenho dos profissionais em si, a comunicação verbal foi substituída pela gestual e o uso de câmaras em capacetes está a ser avaliado para integração em reuniões de discussão pós-reanimatórias. O foco é posto sobretudo no trabalho de equipa, na velocidade, na sincronização, e numa abordagem “sistemática” aos cuidados de intensivos e de reanimação, como defende a neonatologista Rachel Hayward, uma das grandes responsáveis pela parceria. O importante será que de cada cenário se extraia o melhor resultado possível, sem esquecer a preciosidade e fragilidade da pequena vida humana que da delicadeza e precisão de toda a equipa depende. Resta apenas averiguar se sairá de Cardiff o próximo Schumacher.
Foi em 2007 que o professor Martin Elliott, na sua publicação Patient handover from surgery to intensive care:using Formula 1 pit-stop and aviation models toimprove safety and quality, expôs a passagem, por assim dizer, das crianças sujeitas a cirurgia cardio-torácica da equipa cirúrgica para a equipa dos cuidados intensivos como um período crucial para a recuperação e prognóstico destes doentes. Durante este período, toda a tecnologia e medidas de suporte (ventiladores, linhas de monitorização, inotrópicos e vaso trópicos), é transferida duas vezes: dos sistemas no bloco operatório para sistemas portáteis e destes para os sistemas da UCI, tudo dentro de 15 minutos. Ao mesmo tempo, todo o conhecimento adquirido pela equipa cirúrgica durante o procedimento (que muitas vezes dura entre quatro a oito horas) é também passado para a equipa de intensivistas. É a combinação destas inúmeras tarefas que torna o processo susceptível ao erro, numa altura em que o doente se encontra extremamente vulnerável.
Assim, de modo a diminuir ao máximo este erro, o Professor Elliott recorreu ao conselho de duas indústrias, à partida, pouco relacionadas com o mundo hospitalar: a Fórmula 1 e a aviação. Por um lado, as equipas de pit-stop da fórmula 1 são vistas como um exemplo modelo de como uma equipa multi-profissional se junta e trabalha como uma unidade para efectuar com eficiência e rapidez uma tarefa complexa. Por outro, a necessidade de trabalhar em equipa também sugeriu uma analogia com a indústria da aviação, que já há muitos anos foca os seus treinos nestas habilidades. No âmbito deste estudo que, embora publicado em 2007, vê ainda hoje positivas repercussões dos seus resultados, a FRONTAL entrevistou o Professor Martin Elliott sobre quanto a Medicina pode aprender com os ensinamentos da F1.