Future MD : Sessões plenárias – dia 6 de maio

São 9:30 h da manhã de sábado, dia 6 de maio, no Grande Auditório do ISCTE, quando se dá início à sessão de abertura do 5º Future MD. Este congresso, realizado por alunos da Nova Medical School, procura colocar os estudantes de Medicina frente a frente com o seu futuro. Embora a sessão de abertura se tenha realizado dia 6, o Future MD começou no dia anterior, no edifício da Nova Medical School, onde os participantes tiveram a oportunidade de contactar com médicos de diversas especialidades através das sessões paralelas.

Diogo Cardadeiro – Vou repetir a PNA, e agora?

Diogo Cardadeiro diz que pretende com esta sessão plenária deixar 3 mensagens principais: 

1- “Relaxar. Repetir a PNA não é um bicho de 7 cabeças.”

2-”Todos nós vamos ter imenso tempo para ponderar se realmente queremos repetir a PNA ou não.”

3-” Repetir a PNA pode ser uma oportunidade.”

Como lidar com a nota? Diogo Cardadeiro refere que algo que o ajudou imenso foi tirar férias e relaxar após o exame. “Pensar sobre se vou ou não repetir? Temos tempo para isso depois.”.

Deixa claro que repetir a PNA é uma decisão que acarreta inúmeros sacrifícios e que exige compromisso. Temos que ser sensatos e pensar se efetivamente é o que queremos fazer. Com isto, realça que tirar tempo para ponderar outras especialidades também pode ser importante. 

Como estudar para o exame outra vez? Não há uma receita. Mas temos que pensar sobre o que falhou: quais foram as perguntas que não fizemos, por exemplo.

E relativamente ao ano comum? Devo fazê-lo? Devo conciliar com o estudo? Deve rescindir? Diogo, no seu caso, conciliou com o estudo, mas diz que temos que nos conhecer a nós mesmos. Se o que falhou foi o tempo de estudo, talvez a decisão mais acertada seja rescindir. No entanto, não é necessariamente preciso rescindir para repetir o exame.

Qual a sensação de repetir a PNA?  “A primeira vez que chegamos ao exame ficamos mesmo nervosos. A segunda vez tive o sentimento de tranquilidade. Já sei como isto é, já sei como são os procedimentos, as regras, os “timings”. Sentimos-nos muito mais “em casa”.”

Diogo Cardadeiro acaba por explicar porque é que vê a repetição da PNA como uma oportunidade. Refere que, como tarefeiro, está a ganhar imensa experiência. Embora os seus colegas estejam todos no primeiro ano de internato, diz que a maioria não têm a independência nem tem que fazer as decisões que ele faz no hospital como tarefeiro:  “Sinto que vou chegar ao primeiro ano de internato de certa forma mais maduro. Em termos económicos, é também um ano que dá para poupar imenso dinheiro, ganha-se mais do que um interno de 1º ano. Além disso, é possível gerir melhor o horário e há tempo para pensar no que realmente queremos fazer na nossa vida.”

Dra. Emily Gonzalez- Posso mudar de especialidade?

A Dra Emily Gonzalez nasceu em Cuba, mas cresceu em Portugal. Desde criança sente-se atraída pela medicina. Por não conseguir a nota necessária, ingressa no curso de Enfermagem e forma-se. Após trabalhar 1 ano como enfermeira, sentia que o sonho pela Medicina persistia. Acaba por entrar na Faculdade de Medicina de Lisboa em 2012 e forma-se em 2018. Escolhe a especialidade de medicina interna, no centro hospitalar de Setúbal, embora o seu sonho tenha sido sempre uma especialidade cirúrgica. É na metade do 2º ano de internato que sente que não estava no sítio certo: “estava na carruagem errada, embora no comboio certo”. Sentia que queria uma especialidade cirúrgica e, portanto, repete a PNA, mesmo com as limitações de trabalho em Medicina Interna, como as 40 horas semanais e trabalhos académicos exigidos pela especialidade. No entanto, refere que o facto de ter estado 2 anos em Medicina Interna facilitou a sua preparação para a prova, apesar de ainda existirem uma panóplia de especialidades que já não se lembrava, “cerca de 50% da prova” . Consegue entrar em Ginecologia e Obstetrícia e, atualmente, no 1º ano desta especialidade na Maternidade Alfredo da Costa, sente-se realizada.

Após contar a sua história pessoal, a Dra Emily Gonzalez apresenta o artigo nº 27 do decreto-lei nº13-2018, que refere que os médicos internos a frequentar a formação especializada devem proceder à desvinculação contratual até 31 de maio do ano que pretendam apresentar candidatura a novo procedimento concursal de ingresso no internato médico. Excetuam-se do disposto deste número anterior os médicos internos que se encontrem a frequentar a primeira metade do programa formativo respectivo, concorrendo a 5% das vagas postas a concurso. Explica ainda que médicos que já tenham terminado um internato completo podem apenas repetir uma vez a PNA, enquanto os outros médicos têm até 2 escolhas. Em suma, passa a mensagem que nos devemos informar sobre todas estas leis complexas antes de tomarmos a escolha de mudar de especialidade. Deixa ainda o conselho de, antes de escolher uma especialidade, percebermos sobre como está estruturada, como por exemplo quanto tempo estamos em cada estágio ou quantos são os números cirúrgicos.

Dr. Marios Chaintoutis- Médico não especialista

Dr. Marios Chaintoutis é um médico grego que estudou medicina na antiga Jugoslávia. É em Portugal que começa a tirar a especialidade em Anatomia Patológica. No último ano do internato desiste e decide trabalhar como médico indiferenciado por não gostar da especialidade: “A vida tem imprevistos, vão se deparar com eles. Nunca quis ser o que sou neste momento”, refere. Começa a trabalhar em centros de saúde, prisões, com doentes particulares e em domicílio. Atualmente, refere trabalhar maioritariamente em urgência. Trabalha 5 dias por semana, em turnos de 8, 12 ou 16 horas. No total, faz cerca de 170 a 180 horas por mês no Hospital Francisco Xavier. Diz que o principal problema deste tipo de trabalho é a flexibilidade de horários, porque varia consoante a necessidade do estabelecimento de saúde em questão. É um trabalho que acarreta um cansaço não físico, mas antes mental. Traz precariedade e instabilidade: ”Hoje és preciso, mas amanhã já não és”. Explica que nem toda a gente está talhada para trabalhar sempre em serviço de urgência:” agitação, falta de vontade de ir trabalhar e mesmo o “burnout” são comuns neste tipo de carreira” .

Em termos remuneratórios, diz que os valores variam, mas que na urgência ganha quase tanto como um médico especialista. Menciona que não ganha mal, mas que nunca vai ficar rico : “se a vossa ambição na medicina é financeira, não devem seguir este caminho”. Contudo, aponta ainda que na generalidade são poucas as carreiras médicas que conferem estabilidade.

Quando questionado pelo público se sente realizado com a sua decisão, responde que está contente, que não está em negação. Diz sentir-se realizado porque trabalha com coração.

Termina a sessão referindo que, caso a especialidade de agudos seja criada, os médicos não especialistas vão ser imensamente desvalorizados.

Dr Jorge Caria- Soft Skills: Liderança em saúde

Após uma breve introdução pelo presidente executivo da Nowace, júnior empresa da Nova Medical School, começa uma nova sessão plenária.

Jorge Caria é Diretor Médico da Novo Nordisk Portugal e trabalha na Indústria farmacêutica há 15 anos. Em 1998 entra em medicina, em 2006 começa o internato de Neurorradiologia, embora não o tenha acabado. Em 2008 é manager na Sanofi. Em 2011, teve a primeira experiência de liderança de equipa na Boehringer Ingelheim, Portugal. Em 2013, começa na Alemanha como global medical advisor.

Como diretor médico, diz que tem como função assegurar o uso seguro de medicamentos e dispositivos médicos, contribuir para decisões estratégicas da empresa, colaboração e parcerias externas. Refere que as suas bases clínicas são essenciais para decisões importantes da empresa, que têm impacto na vida de milhares de doentes.

Durante a sessão, mencionou várias vezes que o melhor caminho para sermos líderes na saúde é sermos relevantes. Salienta a diferença entre chefe e um líder : “As pessoas não querem ter ordens, as pessoas querem alguém que lhes dê visões e as oriente” . Salienta também a liderança formal VS a liderança informal. A formal implica uma autoridade de acordo com a hierarquia. A informal é uma pessoa que sem autoridade formal consegue influenciar pessoas e comportamentos.  Explica que um líder tem que ser :1-visionário, 2-arquiteto, 3-treinador e 4-catalizador. Para isto, são necessárias as correspondentes soft skills: 1-criatividade, 2-decisor, 3-empatia, 4-comunicador. 

Perto do final da sessão, toca no ponto do momento, o  “ChatGPT”. Salienta que a inteligência artificial não vai substituir os médicos, mas que os médicos que não a usarem vão ser substituídos.Termina com algumas considerações finais: “mantenham-se curiosos e humildes, aproveitem os anos do curso para conversar com doentes, cuidadores e profissionais de saúde”.

Após o almoço e um pequeno convívio entre todos os participantes, começam as sessões plenárias da parte da tarde.

Dra. Maria Soares- Burnout, testemunho na 1ªpessoa

A Dra. Maria Soares começa por explicar o burnout, considerando-o um “estado de exaustão física, emocional e mental causado pelo envolvimento, por longo tempo, em situações emocionalmente desgastantes”.  Sabemos que existe uma elevada prevalência deste síndrome nas escolas médicas, isto deve-se a vários fatores, entre eles : solidão, mudanças de espaço de estágio, competitividade de alto nível, carga horária, objetivos concretizados a longo prazo. Estes fatores, aliados à tendência para ansiedade e perfeccionismo, traços típicos de um estudante de medicina, agravam ainda mais este problema. Devemos sensibilizar os estudantes para que consigam detetá-lo precocemente nos seus pares e serem agentes promotores de autocuidados para si e para os seus colegas, como estudantes  e como médicos.

 Através da sua própria experiência, explica o processo do burnout. Refere que, durante os primeiros anos da faculdade, não tinha “hobbies” e monopolizava todo o seu tempo e validação pessoal no estudo. Segundo a mesma, isto é perigoso: quando tirava notas menos boas, ficava sem confiança em si mesma. Ao longo dos primeiros anos, esta exaustão e falta de confiança culminaram num episódio de burnout. Surgiram progressivamente sinais como insónias, choro recorrente, estado de irritabilidade extrema e pensamentos intrusivos e depressivos. O facto de ter ficado para trás dos seus colegas por ter chumbado o ano agravou este estado de autodesvalorização extrema: “Nunca vou chegar aqui. Nunca vou fazer isto “. Teve a coragem de procurar ajuda psicológica no gabinete de apoio ao estudante no ICBAS e foi encaminhada para a consulta de psiquiatria. Com a ajuda psicoterapêutica (“processo moroso que durou 3 anos”) e farmacológica conseguiu superar esta síndrome. Refere que, inicialmente, só existia um “eu” dela, o “eu académico”. Passado alguns anos, conseguiu arranjar um “eu artístico”, em clubes de leitura e escrita, e um “eu social”, através de um círculo de amigos extra-medicina. Realça então a importância de termos uma vida social e uma vida extra-faculdade conjugada com o estudo. “Sou uma pessoa que está a fazer o curso de medicina. O meu sucesso como pessoa não é definido pelas notas”, refere. Durante a sua preparação para a PNA, diz ter feito um estudo saudável, embora intenso, e conseguiu tirar boa nota na prova.

Dr. Vitor Almeida- Medicina de Urgência: Uma nova especialidade?

Vítor Manuel Lopes Fernandes Almeida, presidente do colégio da competência em emergência médica, começa por referir que a medicina de urgência é das especialidades mais escolhidas no estrangeiro. Existe na maioria dos países europeus (fora Portugal, Chipre e Áustria) e é uma especialidade com 5 anos no currículo europeu. A OMS recomenda que todos os países implementem esta especialidade, de modo a que os serviços de urgência parem de ter grande parte da sua força laboral em médicos sem qualquer especialização. Conta a história desta especialidade em Portugal, que é desejada há mais de 2 décadas. Embora a proposta para a abertura desta especialidade tenha sido chumbada a 12 de dezembro, a votação não representou de forma importante a assembleia: apenas um terço do número total de representantes votou contra e apenas esteve presente metade da totalidade dos colegas da AR. Apesar de essencial, Vitor Almeida deixa claro que a existência desta especialidade não vai resolver todos os problemas do SNS, mas que é uma parte essencial: é uma das poucas medidas que está nas mãos dos médicos e não nas mãos do poder político. “O SU é visto como um castigo hoje em dia. Médicos com mais de 55 anos não têm que fazer este tipo de trabalho precisamente porque é visto como precário. Precisamos de mudar este paradigma”.

Realça também a desvalorização da área VMER, nomeadamente a nível financeiro. Existem 44 VMER em todo o país e ,por lei, a VMER é uma extensão do serviço de urgência e pertencente aos hospitais. Termina a sessão respondendo a algumas perguntas sobre como seria estruturada a especialidade e os seus critérios de admissão, realçando que seria necessário definir uma fase de transição para especialistas que já exercem no S.U.

 

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