Future MD : Sessões plenárias e mesa redonda- dia 7 de maio

Internato de Formação Geral: Hospital Central VS Periférico

Na primeira sessão de domingo, foi-nos dada a conhecer a perspetiva da Dra. Inês Carvalho e do Dr. Tiago Avelino Cardoso no que diz respeito às diferenças e semelhanças entre realizar o Internato de Formação Geral (IFG) num Hospital Central e num Periférico, respetivamente.

Esta etapa, essencial para o ganho de autonomia de um recém-formado médico, tem a duração de 12 meses, e contém 4 componentes: Cirurgia Geral, Cuidados de Saúde Primários (com Medicina Geral e Familiar (MGF) e Saúde Pública), Pediatria e Medicina Interna. A ordem pela qual são realizados depende, na experiência de ambos, da média ponderada do curso, a partir da qual é feita uma lista dos vários internos, que podem então escolher não só os locais, mas também a ordem dos estágios.

As razões de escolha do local a realizar o IFG foi a primeira questão a ser abordada nesta conversa informal entre a Dra. Inês e o Dr. Tiago, com a moderação da Carlota Pedro, membro da Comissão Organizadora. O Dr. Tiago, que cresceu em Viseu e estudou no ICBAS, optou por escolher o Hospital de Santarém pela perceção da cidade ser um misto de “urbanização com meio rural”, ao qual estaria mais confortável por ser um ambiente “mais calmo”. Revelou-nos também o seu segundo interesse, paralelo à Medicina, a sua carreira de músico, que também beneficiaria de proximidade à zona de Lisboa.  No caso da Dr. Inês, natural de Lisboa e ex-aluna da NMS, a escolha de permanecer em Lisboa prendeu-se com a presença na cidade dos amigos, familiares e namorado, bem como a variedade de transportes públicos disponíveis, que permitiam não perder tempo em deslocações. Assim, optou por realizar o internato no Centro Hospitalar de Lisboa Central. Ambos realçaram que a experiência desta etapa é dependente de muitos fatores por vezes incontroláveis, como a dinâmica do serviço e as pessoas que o compõem.

No que diz respeito às expectativas que tinham sobre o currículo e atividade que exerceram nesse ano, a Dra. Inês contava com um bom estágio de Medicina Interna, que fosse ao encontro do seu gosto pelas especialidades médicas, e que lhe fizesse ganhar autonomia, confiança e experiência em ver doentes, o que foi alcançado. No caso do Dr. Tiago, que optou por não enveredar numa carreira clínica, o objetivo seria mesmo “preencher lacunas e assimilar conhecimento”, bem como começar a ter alguma independência financeira.

Quanto à possibilidade de realizar todas as componentes do estágio no mesmo hospital, o Dr. Tiago apenas teve a componente de Cuidados de Saúde Primários noutro local. Para a Dra. Inês, por estar no CHLC, tal não foi possível. O horário de ambos, das 9h às 17h, era cumprido, bem como um período de urgência de 12h, 1 vez por semana. As supostas 40 horas por semana eram também cumpridas, bem como o descanso compensatório após urgências à noite. A Dra. Inês acrescenta também que não se sentiu nunca sobrecarregada, mas ressalva que esta sensação pode ser variável de serviço para serviço.

A conversa termina com uma comparação entre a experiência de ambos nas várias componentes do IFG, sendo que, em Pediatria, a Dr. Inês refere que foi alocada a um serviço, com doentes atribuídos, mas sempre com o apoio de um especialista. A urgência, nesta componente, foi mais observacional. A componente de Medicina Interna foi semelhante ao 6º ano, mas com uma urgência “mais pesada”, o que contribui para considerar esta componente a mais exigente das quatro. Na Cirurgia Geral, estariam na enfermaria, sem muita possibilidade de assistir a cirurgias (2-3x no total do estágio). Ambos fizeram pequenas cirurgias (sutura). Por fim, nos Cuidados de Saúde Primários, a parte de MGF foi maioritariamente observacional (o que dependia muito do especialista, de acordo com a Dra. Inês), e parte de Saúde Pública foi online, só com algumas apresentações. No caso do Dr. Tiago, a experiência no Vale de Santarém foi muito diferente da que tinha tido no 6º ano, o que contribui para ganhar mais sensibilidade no que diz respeito às assimetrias do nosso país em termos de cuidados de saúde, experiência esta que utiliza no seu dia-a-dia no IFE de Saúde Pública.

 

Após esta primeira sessão do dia, seguiram-se esclarecimentos no que diz respeito à formação médica no estrangeiro, nomeadamente no Reino Unido, Suécia e Brasil, que contaram, respectivamente, com os testemunhos da Dra. Filipa Teixeira (Interna de Psiquiatra), Dra. Rita Ferrito (Interna de Urologia) e do Dr. Carlos Pereira (Especialista de Cirurgia Plástica).

Medicina na era digital: o papel do médico nas redes sociais

A tarde inicia-se com um tema mais do que atual, o papel do médico nas redes sociais, apresentado pelo Dr. Hugo Rodrigues, pediatra, escritor e autor do blogue “Pediatria para todos”, que nos confessou logo ao início que este tema era-lhe “muito querido”.

Após uma breve reflexão sobre qual o “papel” do médico neste novo contexto, o Dr. Hugo realça a importância do conhecimento e do “saber comunicar”, frisando que os dois são necessários para um profissional “de excelência”. Aponta também para uma lacuna no ensino médico, que explora apenas a comunicação médico-doente (mais individual), deixando esquecida a comunicação ao público em geral, sob a forma de meios de comunicação clássicos e redes sociais. Esta última, em grande desenvolvimento nos dias de hoje, é usada frequentemente por mais de 60% da população portuguesa, constituindo, por isso, um importante veículo para aumentar a literacia em saúde da população. Acrescenta até que 80% dos utilizadores das redes sociais utilizam este meio para pesquisar informação sobre saúde, e que devemos fazer a nossa parte, enquanto (futuros) profissionais de saúde, na construção de uma rede de informação baseada em evidência e acessível ao público em geral. Para tal, é “necessário ter credibilidade”, o que pode ser um desafio. Conta-nos algumas controvérsias nesta área, como a dúvida se “divulgar ciência é um ato médico?”, dando o exemplo de um post hipotético, no qual daria conselhos sobre um determinado tema, e uma consulta hipotética, onde daria ao doente os mesmos conselhos. Coloca a questão de, se a segunda situação é um ato médico, a primeira poderá também ser… Assim, afirma que cabe a cada um refletir sobre estes temas, bem como sobre as regras que devemos seguir na publicação de conteúdos médicos, realçando que ainda não existem orientações sobre este tipo de comunicação.

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Ainda no tema dos desafios, o Dr. Hugo conta-nos que nem sempre é fácil lidar com “haters”, e aconselha-nos a tentar não dar muita importância, bem como a reler o que publicámos, caso possa causar dúvidas de interpretação. Confessa que nem sempre é fácil ter tempo para produzir conteúdos, e que estes deveriam ser remunerados. Quando questionado sobre parcerias, dá-nos dois conselhos: “ter responsabilidade e estar confortável” com as mesmas. 

Por fim, o Dr. Hugo realça as diferenças entre alguns conceitos, que considera essenciais para o sucesso na comunicação pelas redes sociais: notoriedade é diferente de reconhecimento, e devemos procurar o segundo, e os “likes” não devem comprometer a integridade do nosso conteúdo. Termina desejando que façamos parte deste novo meio de comunicação, ajudando as pessoas a informarem-se corretamente sobre saúde.

Médico no INEM

De forma a esclarecer os participantes sobre um caminho da Medicina muito procurado pelos estudantes, a comissão deste ano do Future MD convidou o Dr. Nuno Gambino, médico VMER no Hospital de Santa Maria, a partilhar o seu percurso e dia-a-dia. Para além deste trabalho, o Dr. Nuno é também docente de medicina intensiva na FMUL, local onde tirou o curso, de 2006 a 2012. Após este, e em adição a ser especialista em Medicina Interna, tem também um ciclo de estudos especial em Medicina Intensiva. Tivemos também o prazer de o ouvir contar algumas histórias que o marcaram, e que com certeza não nos deixaram indiferentes.

A apresentação inicia-se com uma sequência de fotos, a partir das quais o Dr. Nuno recria um dos casos que teve num turno de INEM, num dos 4 helicópteros de emergência médica do país, em que aterrou numa estrada (com muita perícia dos pilotos) e assistiu um doente vítima de um acidente de viação. Aproveita a história para nos contar um pouco sobre o que acontece desde que alguém liga para o 112 até à chegada do helicóptero, o que demora menos de 1h, e que passa pelo CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes), responsável, juntamente com o INEM, pela coordenação e gestão do conjunto dos meios de socorro disponíveis, que variam desde as motas aos helicópteros. 

De seguida, conta-nos a forma como o seu interesse pela emergência médica foi crescendo e evoluindo ao longo dos anos, aproveitando para nos aconselhar a ver a aclamada série médica ER, e partilhando um momento que o marcou: em 2016, no decorrer de um jogo entre o Benfica e o Paços de Ferreira, um adepto sofreu uma paragem cardiorrespiratória. O Dr. Nuno tentou salvá-lo, infelizmente sem sucesso. Momentos tristes como este não são poucos nesta área, mas não o impedem de continuar, e conta com o apoio da família e dos colegas para tal. Informa-nos também que o INEM tem uma equipa de psicólogos pronta a prestar apoio aos familiares dos doentes e aos próprios profissionais.

No que diz respeito a aspetos práticos desta sua escolha, especialidades que lidam com doentes críticos têm maior facilidade neste ambiente em que é necessário realizar procedimentos urgentes com menos recursos disponíveis. No entanto, basta terminar o Internato de Formação Geral para poder iniciar a formação específica para esta carreira: curso de VMER, Fisiologia de Voo (no caso dos médicos que fazem helicóptero) e formação para trabalhar no CODU. Os médicos podem também optar por trabalhar no CIAV (Centro de Informação Antivenenos), integrado no INEM. Numa fase mais precoce, aconselha-nos a realizar formação de Suporte Avançado de Vida, disponível para alunos do 6º ano. Enquanto interno de formação geral, fez um estágio observacional no INEM, convidando-nos a fazer o mesmo, se estivermos interessados.

Termina afirmando-se um “contínuo insatisfeito”, tendo sempre o desejo de fazer melhor, e confessa-nos que “no dia em que as minhas pernas deixarem de tremer num turno, deixo de fazer isto”, referindo-se ao humanismo necessário à realização destas missões, tão nobres e que tanto impacto podem ter na vida de alguém.

Mesa Redonda: Internato de Formação Específica- Hospital Público VS Privado

Nesta última sessão da 5ª edição do Future MD, o Dr. Rafael Fernandes (IFG no CHLO) moderou a conversa entre o Dr. Jorge Correia, Dra. Rita Bizarro, o Dr. Tiago Caneira e a Dra. Catarina Pimentel de Morais, que se juntaram para partilhar os seus pontos de vista face às diferenças e semelhanças de optar por realizar o IFE num hospital público ou privado, opção disponível desde 2012.

O Dr. Rafael começou por se dirigir ao Dr. Jorge, questionando-o sobre a sua escolha de realizar o internato em Oncologia no Hospital da Luz. Este apontou-nos algumas vantagens que o levaram a optar pela Luz, nomeadamente a grande abertura para fazer estágios nacionais e internacionais (até com bolsas de apoio), a possível transição mais facilitada para o privado (como especialista), e a ausência do uso dos internos como “força de trabalho”, que crê existir no SNS. Quando questionada sobre o mesmo assunto, a Dra. Rita, também interna de Oncologia (mas no Beatriz Ângelo), contou-nos que obteve mais feedback dos colegas do público, e que não queria “ter uma população selecionada”, algo que poderia acontecer no privado. Ambos concordam que vêm doentes com diversas patologias, e a Dra. Rita refere que no seu serviço existe um cuidado em manter essa diversidade, com a atribuição de doentes nesse sentido.

Na especialidade de Otorrinolaringologia (ORL), o Dr. Tiago refere que, para ele, o que mais pesou foi a possibilidade de aprender com pessoas de referência, bem como o acesso à “melhor formação possível”, ou seja, a possibilidade de operar bastante, algo que viu acontecer na Cuf Descobertas, pela visão de dois colegas que lhe deram feedback. No caso da Dra. Catarina, o Hospital Egas Moniz pareceu-lhe a opção certa, sendo um centro de referência na área. Acrescenta que a questão público / privado não surgiu, uma vez que não abriram vagas para ORL no privado no ano em que concorreu.

Abordou-se de seguida como seria uma semana típica de trabalho, tendo a Dra. Rita começado por dizer que, numa semana, teria 20h de consulta externa, 12h de apoio ao hospital de dia e o restante tempo passado em reuniões multidisciplinares e trabalho burocrático. Refere que este horário não inclui fins de semana ou feriados, e que, após o estágio de Medicina Interna, não se faz urgência. 

Com uma remuneração igual aos IFE do público, o Dr. Jorge recebe, em reunião multidisciplinar, os doentes com ADSE e ADM, o que não acontece com os doentes com outros seguros, que podem escolher o médico que querem ter. Confessa que pensa ter ainda mais trabalho burocrático do que a Dra. Rita, por ter de justificar às seguradoras todos os tratamentos que prescreve. Sobre a sua passagem pela Medicina Interna, menciona ter menos casos sociais do que num hospital público, uma maior rapidez nos resultados dos exames, e uma obrigatoriedade de realizar urgência num hospital público, à qual soma a urgência no privado. São inerentes à especialidade de Oncologia Médica os Ensaios Clínicos, nos quais participam tantos os doentes da Dra. Rita, como do Dr. Jorge.

No caso da Dr. Catarina, 1 dia é passado na urgência, 1 na enfermaria, 1 dia de bloco e 1 um período de consulta, sendo que o 5º dia da semana é variável. O seu horário semanal varia então das 40 às 70h, com fins de semana e feriados livres. No dia de bloco, a sua função não é somente assistencial, o que considera muito vantajoso, bem como o facto de cada interno ter 1 dia de bloco sozinho, que permite que todos possam aprender e treinar de forma justa. Para o Dr. Tiago, uma das vantagens da Cuf é a existência de um bloco constante, bem como o facto de ele ser o único interno, o que lhe permite realizar bastantes cirurgias. Trabalhando cerca de 70h por semana, o Dr. Tiago tem na sua semana habitual 12h de urgência, bem como consulta de apoio à mesma, urgência noturna de ORL em Santa Maria, 3 a 4 noites de prevenção (por mês), e 3 a 4 períodos de consulta por semana, com as restantes horas passadas no bloco.

Quando questionados sobre o grau de satisfação com o internato, todos se mostram satisfeitos com as escolhas que fizeram. O Dr. Tiago aproveita para partilhar connosco algo bastante relevante, que se prende com a flexibilidade que tem em remarcar consultas para fazer cirurgias e fazer estágios fora. E abrindo uma questão pertinente para o público, conta-nos que existe possibilidade de remuneração extra, se for fora do horário de trabalho e excluindo consultas. No caso da prevenção, esta é remunerada se de facto for chamado ao hospital. Os restantes médicos referem que as urgências à noite têm remuneração extra, bem como os ensaios clínicos.

No final, o Dr. Rafael abre uma porta para o futuro, questionando os oradores sobre o que pensam fazer no final do internato. Todos equacionam um regime misto, com privado e público, por diversas razões, como a possibilidade de trabalhar num centro de referência (no caso do Dr. Tiago) ou a possibilidade de ligação académica, com formação de internos (no caso da Dr. Catarina). A conversa termina com um conselho unânime: “visitem os serviços para escolherem o melhor para vocês!”

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