Depois de dois anos de interregno e um ano de rápida alteração de planos para o Parque das Nações, o Super Bock Super Rock regressa ao Meco (novamente).
Embora o dia inaugural tenha sido mais modesto do que em 2019, o primeiro dia da edição de 2023 contou ainda com 18 mil festivaleiros na Herdade do Cabeço da Flauta. Não só o festival regressou ao Meco, como regressou ao próprio nome também. As críticas ao cartaz por não ser “rock o suficiente” já têm alguns anos. Provavelmente de forma consciente, o primeiro dia desta edição foi uma forte aposta no rock, o que quer que isso signifique atualmente. Embora associações mais seguras ao género marcassem presença, como os nomes estabelecidos de Offspring e Franz Ferdinand, tivemos também os jovens Black Country, New Road, cujo público-alvo é já diferente das duas primeiras bandas, e também artistas numa zona de fronteira, como Father John Misty.
O primeiro concerto da tarde a que assistimos foi Franz Ferdinand. Apesar de ter sido no palco principal, os escoceses reuniram menos gente do que estávamos à espera e não foi um concerto que se destacasse pelo envolvimento do público, embora ao som dos êxitos maiores os braços no ar se fizessem notar e o público tenha ganhado uma nova vida com os primeiros acordes de “Take Me Out”. A demografia dos Franz Ferdinand e o alinhamento deste concerto talvez apontem para o principal problema da banda, maioria adultos na casa dos quarenta e músicas dos primeiros dois álbuns, já com quase vinte anos. Posto de forma simples, é uma banda que parou no tempo. Franz Ferdinand e You Could Have It So Much Better são álbuns excelentes e emblemáticos do início do milénio. Poderíamos pensar que o facto de já só restar um elemento do alinhamento inicial nos Franz Ferdinand atuais faria com que a banda se projetasse mais para o futuro, procurando novas facetas. Mas o que vimos ontem foi um showcase das canções que marcaram o percurso inicial do grupo. Excelentes canções, atenção. Mas que de certa forma funcionam como um fóssil.
Depois de Franz Ferdinand, seguimos para Black Country, New Road, no palco Pull&Bear. Não era o primeiro concerto pós-Isaac Wood a que assistia, mas diria que a surpresa foi a mesma. Isaac Wood era um excelente vocalista, com imensa garra e personalidade. E sente-se a sua falta no alinhamento. No entanto, e isto só se fez notar após a sua saída, a forte presença do frontman poderia por vezes ofuscar os restantes membros do septeto. Agora seis, é claro que cada membro dos BCNR é um exímio instrumentalista e absolutamente indispensável. Com os frequentes poliritmos e harmonias complexas, a coordenação entre os vários membros da banda é algo que choca, de tão fluente e natural que é, ou que eles o fazem parecer. A atenção dos músicos propaga-se para o público e o momento mais ilustrativo de tal foi na canção “Turbine/Pigs”, do álbum ao vivo. May Kershaw canta com a sua voz graciosa enquanto se acompanha a ela própria no piano, praticamente um solo, salvo alguns apontamentos da bateria e do violino. É uma peça delicadamente airosa e que convocou um silêncio de arrepiar no recinto. O festival ainda vai só no seu primeiro terço, mas arrisco-me a dizer que foi um dos pontos altos de toda a edição.
BCNR terminaram a atuação e já se ouvia no palco principal The Offspring. Não apanhámos nem o início nem o fim, mas, com base no que vimos, foi um espetáculo divertido, com muita interação com uma plateia que cantava quase todas as músicas. Dedicaram parte do seu tempo a um medley de clássicos do Rock, com Ramones e Guns N’ Roses, sempre num registo punk-metal fácil. O imediatismo do concerto saltou mais à vista por se ter seguido à intrincada sinergia de BCNR, mas não há dúvida que são uma banda enérgica e com um ótimo domínio da plateia.
Abandonámos The Offspring e dirigimo-nos ao palco Somersby, onde encontrámos Róisín Murphy. Não estava nos meus planos iniciais por pessoalmente nunca ter entendido o fascínio pela artista, mas a irlandesa foi a surpresa da noite. Com a voz de Duffy, o estilo musical de Jessie Ware e uma postura em palco que faz lembrar Debbie Harry, é difícil não ficar vidrado em Murphy e no leque vasto de qualidades que a diva da pop eletrónica nos mostra em palco. O ânimo e a entrega foram constantes, e foi com muito custo que tivemos de deixar o palco Somersby antes do final da atuação.
Por fim, fomos até ao palco Pull&Bear ver Father John Misty, com enormes expectativas, que saíram furadas logo no início. O arranque foi mole e só ao fim de vinte minutos começou a ganhar tração. Apesar de adorarmos Fear Fun (2012) e I Love You, Honeybear (2015), foi pena termos ouvido só uma música do mais recente álbum do cantautor. Ainda que o começo tenha sido atribulado, a ironia característica que escutamos nos álbuns passava também para o palco. Father John Misty assume nos seus registos uma personagem sardónica, cómica e um tanto maníaca. Tudo isto esteve presente, e atingiu um máximo na canção “The Ideal Husband”, que encerrou a atuação e o nosso dia de festival.
Tivemos concertos espetaculares de BCNR e Róisín Murphy. Outros que desiludiram ou não acompanharam as nossas projeções, mas mau não houve nenhum. Por ser um recinto pequeno, a organização tentou minimizar as sobreposições, o que permite melhorar a experiência festivaleira de ver bandas que desconhecíamos ou que não pretendíamos ver inicialmente. Apesar da greve dos comboios e o entupimento de carros à saída do parque, os autocarros iam saindo, sem filas nem grandes tempos de espera. Em geral, foi um bom arranque.