(A FRONTAL NÃO SE RESPONSABILIZA PELAS TAQUICARDIAS PROVOCADAS AQUANDO A LEITURA DESTE ARTIGO)
São 3:00 da manhã.
Os teus olhos abrem-se após um sono inquieto.
Sentes uma presença sinistra no teu quarto.
Tentas virar a cabeça para perceber melhor o que se passa, mas reparas que não te consegues mexer….
….
Estás paralisado
….
Tens a certeza absoluta que algo pouco humano te está a observar….
Ficas paranoico
….
Falam contigo, mas não consegues decifrar o diálogo em tom de sussurro.
Sentes algo a agarrar-te o braço e a tentar puxar-te para o vazio obscuro da noite.
Em pânico, abres a boca para gritar “AJUDA”….
…. Ajuda…
….ᵃʲᵘᵈᵃ…
….Mas as palavras perdem-se no teu pensamento.
Completamente dominado pelo medo, tentas lutar contra a força invisível que te aterroriza…
Sozinho
….
Na escuridão desconfortante da tua própria cama
Isto não é uma cena de um filme de terror. Nem um pesadelo. É real. Demasiado real. Chama-se paralisia do sono e aterroriza cerca de 25% da população mundial.
Assim se originam os vários relatos de atividade paranormal, com um leque variado: desde ataques de demónios e visitas fantasmagóricas até às famosas abduções alienígenas. O mais impressionante é que, de facto, quem descreve estes episódios dignos de um Prémio Saturno de melhor filme de terror, não tem apenas uma imaginação fértil. Foi tudo experienciado em primeira pessoa, enquanto sonhava… acordado.
Paralisia do sono: “o Pesadelo” como não o conhecemos.
Ao longo do tempo, a paralisia do sono foi várias vezes retratada em grandes trabalhos de arte e literatura. O medo e o pânico característicos da paralisia associados à paranoia e alucinações aterrorizadoras de invasões e abduções parecem ter cativado um grande número de artistas e escritores.
No mundo Ocidental, não podemos ignorar as famosas pinturas de Fuseli (o Pesadelo) e a literatura de Thomas Hardy, Ernest Hemingway, Erasmus Darwin e Herman Melville, os quais descrevem vividamente este fenómeno. Mais recentemente, em 2019, o fotógrafo Nicolas Bruno retratou a paralisia do sono visualmente através de uma exibição fotográfica intitulada in Limbo, exposta na Haven Gallery em Northport, Nova York (http://www.havenartgallery.com/portfolio/nicolas-bruno-in-limbo/).
No Este Asiático, estes episódios são conhecidos como “opressão fantasma”, termo que se baseou na crença anciã Chinesa de que a alma de uma pessoa se encontra mais vulnerável à influência de espíritos malignos durante o sono. O carater chinês referente a este termo foi escrito pela primeira vez no dicionário chinês Shou Wen Chieh Tzu, durante a dinastia Han.
Apesar de haver grande especulação relativamente a que médico terá historicamente realizado a primeira descrição precisa da paralisia do sono, considera-se que Paulus Aegineta, médico grego bizantino do século VII terá sido o primeiro.
Na atualidade, é discutido o papel da paralisia do sono no que toca à elaboração e preservação de múltiplas crenças em bruxas, demónios, vampiros e outras entidades paranormais. Ao longo da história da Humanidade, a paralisia do sono foi vulgarmente interpretada como algo sobrenatural, independentemente de as profissões médicas já conhecerem este acontecimento há bastante tempo e de o reconhecerem como algo natural. Este facto poderá ter originado a prática de certos rituais e ter estado relacionado com o começo da época da caça às bruxas (séculos XVI a XVIII).
Sonhar acordado…literalmente.
A razão pela qual a paralisia do sono pode explicar a origem de histórias paranormais, visitas demoníacas e abduções alienígenas é a forte sensação de estar a ser observado por uma presença maliciosa que as vítimas sentem durante o episódio. Além disto, é frequente serem mencionadas as sensações de: ser arrastado da cama, vibração, voar ou cair.
Durante um episódio, o cérebro está essencialmente acordado, no entanto o corpo encontra-se paralisado da cabeça para baixo e não é possível falar. Os olhos conseguem ver, mas há pouco controlo relativamente a como usá-los e o que focar com eles. Neste limbo entre dormir e acordar, algumas pessoas sentem uma pressão esmagadora no peito ou poderão alucinar que bestas abomináveis ou espíritos malignos estão no mesmo espaço que elas. Estes episódios são caracterizados por uma sensação desesperante de pânico e morte eminente, acompanhados muitas vezes de alucinações auditivas, visuais e táteis. É relativamente comum nestes episódios se relatar uma sombra ao fundo do quarto ou mesmo à cabeceira da cama e se descrever a sensação de “arrepios na espinha”. Muitas vezes é possível ouvir vozes (com diálogo percetível ou não) e sentir uma respiração contra a própria face ou mesmo uma mão a agarrar o corpo do indivíduo ou a puxar os cobertores. É muito difícil discernir o que são alucinações do que é realidade.
As vítimas são incapazes de se defender. Terão de ver e esperar. Nem gritar conseguem.
A paralisia do sono pode ser aterrorizadora, mas nunca é perigosa. Felizmente, os episódios duram apenas alguns segundos ou poucos minutos, apesar de parecer uma eternidade para quem está a vivenciar o episódio.
Prevalência do “Pesadelo”
Estudos de diferentes países indicam que 20 a 60 % da população adulta normal já experienciou paralisia do sono pelo menos uma vez. Este grande intervalo de percentagem de ocorrências deve-se a diferenças nos métodos de realização dos estudos: algumas pessoas têm episódios frequentemente, enquanto outras passam por este fenómeno apenas uma ou duas vezes na sua vida.
Cerca de 5% da população vivenciou um ou mais dos sintomas associados com a distúrbio. Os mais comuns incluem alucinações visuais, como sombras e luz, ou uma figura humana ou animal no quarto e alucinações auditivas, como ouvir vozes ou passos.
Acredita-se que afeta adolescentes e jovens adultos com maior frequência, sendo comum em pessoas que sofram de doença bipolar ou narcolepsia. Estes episódios estão especialmente associados a estudantes universitários, uma vez que se relacionam diretamente com a ingestão de cafeína e uma má higiene do sono. A sua incidência é independente do género e é mais provável de ocorrer se algum familiar tiver passado por algum episódio ao longo da sua vida, apesar de não se conseguir especificar a razão ao certo.
A paralisia do sono não é considerada um distúrbio mental.
É um distúrbio do sono, tal como o sonambulismo e a narcolepsia.
Paralisante e medonha. Porque?
Para compreendermos a paralisia do sono, temos de compreender antes o Ciclo do Sono. Este é dividido em 5 fases e demora cerca de 90 min a ser finalizado. As 4 primeiras fases constituem o estado de non rapid eye movement (NREM) sleep. Caracterizam-se pela ausência de sonhos e de movimentos oculares. À medida que o ciclo avança gradualmente ao longo destas fases, o sono torna-se mais pesado e o processo de acordar mais desafiante.
A última fase do ciclo do sono é o rapid eye movement (REM) sleep. Tal como o nome indica, nesta fase ocorrem movimentos oculares rápidos, a respiração torna-se irregular, a pressão arterial aumenta e há uma perda de tónus muscular (atonia). Não obstante, a atividade elétrica medida no cérebro por um EEG (Electroencefalograma) durante REM sleep é semelhante à atividade registrada durante o estado acordado. Este estado REM é geralmente associado aos sonhos e corresponde a cerca de 20%-25% do período de sono.
Aquando REM sleep, os centros motores do cérebro estão inibidos, graças a dois químicos cerebrais: glicina e GABA. Este facto leva a que os músculos permaneçam paralisados (atonia), o que é essencial para impedir a pessoa, que se encontra a dormir, de atuar fisicamente fora do sonho. Caso esta atonia não se verificasse, o indivíduo poderia cair e ferir-se a si mesmo enquanto sonhava. Portanto, mal funcionamento deste processo pode resultar em sonambulismo, RBD (REM sleep behavior disorder) ou, no outro oposto do espetro, em paralisia do sono.
Na comunidade científica ainda há muita incerteza relativamente à razão oculta desta paralisia corporal ocorrer durante o estado de consciência em determinados indivíduos. Sem embargo, determinados estudos psicossociais afirmam que episódios são particularmente prováveis de ocorrer se uma pessoa entrar em REM sleep demasiado rápido, ultrapassando os estados de NREM que normalmente acontecem primeiro.
Esta incapacidade momentânea de mover os membros, tronco e cabeça apesar de se estar completamente acordado e consciente pode ocorrer quando alguém está a adormecer (hipnagógica) ou, mais raramente, a acordar (hipnopompica).
Relativamente ao desagradável estado de terror experienciado durante a paralisia do sono, acredita-se que este é provocado pela ativação da amígdala. Hoje em dia, cada vez mais se considera que este grupo de núcleos no interior dos lobos temporais do cérebro é, entre outras coisas, o centro de reconhecimento de perigo dos humanos. Assim, a amígdala, quando ativa, pode estimular a resposta de ‘fight or flight’ do sistema nervoso simpático, dando origem à aterrorização característica da paralisia do sono.
Portanto, estes episódios dignos de um filme de terror não passam de meras “partidas” que o nosso cérebro nos prega durante a noite.
O oposto do espetro: RBD
Durante o seu dia-a-dia as pessoas estão em constante atividade: falam, gritam, riem-se, choram e realizam todo o tipo de movimentos possível. Mas e se fizerem tudo isto enquanto sonham, deitados na sua cama? Poderá não ser um caso de sonambulismo, mas sim RBD (REM sleep behavior disorder), a patologia sintomaticamente oposta à paralisia do sono.
RBD ocorre quando uma pessoa atua fora dos seus sonhos, enquanto dorme. Estes sonhos são normalmente repletos de ação, podendo mesmo ser violentos.
Episódios de RBD tendem a piorar com o passar do tempo: os mais recentes podem envolver atividade média, todavia, à medida que o tempo passa, estes podem tornar-se mais agressivos. RBD é muitas vezes ignorada durante vários anos e geralmente só se descobre quando resulta em algum ferimento, quer da própria pessoa que está a sonhar, quer de quem estiver a dormir ao seu lado.
Esta patologia pode ser confundida com sonambulismo ou terrores noturnos. No entanto, nestas desordens do sono, normalmente a pessoa a dormir encontra-se confusa ao acordar e não demora a ativar o seu estado de alerta. Em contraste, é relativamente fácil acordar alguém com RBD que esteja a agir fora do seu sonho. Para além disso, depois de acordada, a pessoa consegue lembrar-se de vários detalhes relativos ao sonho que acabou de experienciar, o que não se verifica nos outros fenómenos.
Nesta situação em questão, a paralisia que normalmente ocorre durante REM sleep é incompleta ou inexistente, permitindo à pessoa atuar fora do seu sonho. RBD é caracterizado por determinados comportamentos enquanto a pessoa dorme: falar, gritar, saltar da cama, agarrar, entre outras ações, por vezes violentas.
Episódios podem continuar a decorrer até a pessoa acordar de manhã e processar-se até quatro vezes por noite, sendo que não acontecem durante sestas, normalmente, ao contrário da paralisia do sono, que não ocorre exclusivamente durante a noite. Noutros casos, sucedem-se tão raramente como uma vez por semana ou por mês.
Fatores de risco para a Paralisia do sono:
Apesar da paralisia do sono se tratar de um fenómeno bastante imprevisível, verifica-se a existência de determinados fatores que a tornam em algo mais provável de ocorrer. Por norma, os mais comuns são:
- • Dormir de barriga para cima (permanece inexplicável, mas é um grande desencadeante);
• Stress (o que pode justificar a sua maior incidência em adolescentes e jovens adultos);
• Perturbação nos normais padrões de sono (como trabalho por turnos ou fazer bancos);
• Não dormir horas suficientes;
• Consumo de cafeína;
• Consumo de álcool;
• Jet lag;
Outro fator importante será o facto de a amígdala, referida anteriormente, tender a ser demasiado ativa em pessoas com ansiedade ou transtornos associados a traumas. Este aspeto pode explicar parcialmente a ligação entre a ansiedade e a paralisia do sono.
Como evitar a Paralisia do sono?
Não se verifica a existência de nenhum tratamento ou fármaco particular para o tratamento da paralisia do sono, uma vez que esta não é considerada um distúrbio mental.
Apesar disso, para além do ato de evitar os fatores de risco anteriormente referidos, podem ser aplicadas estratégias de prevenção semelhantes às direcionadas a pessoas que sofram de pesadelos recorrentes. Técnicas de terapia cognitiva de sono podem ajudar a exercer maior controlo sobre experiências de pesadelos e paralisia do sono.
No entanto, a simples concentração em mover um dedo do pé, por exemplo, pode ajudar consideravelmente uma pessoa em paralisia do sono a voltar a controlar o seu corpo e a sair do estado de paralisia, alertando o seu cérebro do atual estado de consciência.
Conclusão
A paralisia do sono já atormenta a humanidade há vários séculos e irá continuar a atraiçoar a consciência das suas vítimas até à criação de um tratamento específico para este estado. Apesar de se tratar de uma sensação aterrorizadora, não recomendável à população geral, não representa qualquer perigo para quem vivencia episódios, portanto, o seu tratamento não se qualifica como uma prioridade nem como necessidade médica. Resta às suas vítimas interpretar os episódios logicamente, de modo a reduzir o estado de terror que as aguarda e limitar-se a “viver o pesadelo”!