Alimentação e Nutrição. De onde vimos, onde estamos e para onde nos encaminhamos?

               Até há pouco tempo, era-nos complicado aferir o estado nutricional da população portuguesa e, por suposto, a nutrição e alimentação da mesma. O Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF), de 2015-2016, mostrou-nos que quase 60% da população portuguesa se encontra com excesso de peso ou obesidade. A pergunta que se coloca é, como chegamos nós aqui?

          Temos de olhar primeiramente para o contexto europeu e mundial e perceber quando surgiram as primeiras políticas de nutrição e alimentares, e é necessário que se as distinga nesta fase inicial. Previamente às políticas nutricionais, que relacionaram o estado de saúde das populações e a sua alimentação, surgiram as políticas alimentares cujo foco era garantir produção e  disponibilidade de alimentos. Na União Europeia, as políticas relacionadas com a saúde surgem apenas em 1993 com o Tratado de Maastrich e em Portugal, em 1980 é criado o Conselho de Nutrição e Alimentação, para serem lançadas as bases para a política nutricional no nosso país. Este órgão sofre uma alteração em 1984, passando a chamar-se Conselho Nacional de Nutrição e Alimentação, uma iniciativa interministerial de caráter consultivo que infelizmente se mostrou ineficaz, tendo sido dissolvido no final da década de 90.

          A crise de encefalopatia espongiforme bovina obrigou a uma mudança de atuação por parte de todos os atores, passando o foco a ser a segurança alimentar e consequemente a existir um investimento nas questões higieno-sanitárias e relegando as questões nutricionais para outro plano. Vira-se o século, e em 2005, quer a UE quer Portugal, tomam medidas relativamente à obesidade, surgindo plataformas sobre “Alimentação, exercício e saúde” e medidas como o Regime de Fruta Escolar. Em Portugal, é formado em 2012 o Programa Nacional de de Promoção de Alimentação Saudável, para “garantir e incentivar o acesso e o consumo de determinado tipo de alimentos tendo como objetivo a melhoria do estado nutricional e de saúde da sua população.”. Por fim, em 2017, surge a Estratégia Integrada para a Promoção de Alimentação Saudável, que envolve 7 Ministérios e conta com a coordenação da Direção-Geral da Saúde, dando origem a um documento legislativo apresentando 51 medidas, algo pretendido anteriormente mas nunca alcançado em Portugal.

           Em Portugal, utiliza-se com maior frequência as balanças alimentares (BA), que é um método indireto de avaliação do consumo de ingestão alimentar, ou seja é o método que é aferido com mais periodicidade, apesar de estas avaliarem disponibilidade alimentar, ou seja, apenas nos permitem fazer uma inferência para consumos alimentares, pois não permitem a distinção entre regiões e não incluem fatores socioeconómicos. Os Inquéritos Alimentares Nacionais seriam a melhor maneira de avaliar a alimentação e nutrição dos portugueses pelo facto de estes incluírem diversas metodologias, mas apenas foram realizados em 1980 e em 2016.

          Aqui debruçamo-nos sobre os dados obtidos através das Balanças Alimentares de 1963-1975 até 2012-2016. O primeiro pensamento que podemos retirar é que a disponibilidade energética diária aumentou cerca de 427 kcal/dia per capita, sendo que este aumento se deve em larga maioria ao aumento da disponibilidade de  alimentos de origem animal.  Outro dado importante que podemos retirar da BA 2012-2016 é que a média de disponibilidade energética se encontra nas 3834 kcal per capita, o que permite satisfazer as necessidades de consumo de 1,6 a 2 adultos. As mudanças na disponibilidade dos diferentes grupos são heterogéneas, quer entre eles quer dentro dos mesmos ao longo do tempo. É importante frisar que a disponibilidade de hortícolas tem vindo a aumentar e, dicotomicamente, e na de bebidas alcoólicas observa-se uma diminuição ao longo do tempo. É de extrema importância referir que as BA não avaliam consumos mas sim disponibilidades, pelo que poderá existir um desfasamento naqueles que são os dados apresentados nas BA comparativamente com o consumo.

           Um dos factores que as BA não referem também é o consumo alimentar fora de casa, que entre 1990 e 2000 registou um aumento de cerca de 4%, com dados recentes a evidenciar que em dois anos, de 2017 para 2019, o consumo fora de casa também mostrou um aumento de cerca de 3% nas refeições do pequeno-almoço, almoço e jantar. Este aumento pode dever-se a vários fatores, sendo que um deles poderá ser a diversificação da oferta no território nacional com a introdução de largas cadeias de restaurantes de fast e junk-food. O aumento de restaurantes vegetarianos foi de seis vezes mais e os restaurantes vegan passaram de dois para sessenta, entre 2008 e 2018. Os mais jovens preferem alimentos em formatos prontos a cozinhar e prontos a comer, estando dispostos a gastar mais por refeição, e por conseguinte, alimentos que podem possuir um alto valor energético mas com baixo valor nutricional. Simultaneamente, o número de famílias que apresentavam insegurança alimentar mostrou um aumento entre 2012 e 2014, tendo esta situação sido agravada pelo contexto pandémico em que vivemos hoje.

            É importante que as políticas de alimentação e nutrição sejam intersectoriais e interministeriais, envolvendo todos os atores da sociedade. É fundamental que as políticas de nutrição e alimentação estejam no centro de todas as políticas para haja uma mudança de comportamentos efetiva a longo prazo, para tal ser atingido é necessário estabilidade política e compromissos que ultrapassem os normais quatro anos de uma legislatura.

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