#2 MUSICOTERAPIA: Pink Floyd – Brain Damage

Se és como a equipa de redação da FRONTAL e inúmeras vezes, ao ouvires determinada música, especulaste acerca da probabilidade da sua inspiração ter partido algures dos confins do mundo médico, então esta rubrica é para ti. É, portanto, com enorme satisfação que vos trazemos o segundo artigo da Musicoterapia – a rubrica musical da FRONTAL onde pretendemos, de forma breve, explorar ou conjeturar acerca das possíveis correlações, das mais óbvias às mais rebuscadas, entre aquela música que não nos sai da cabeça e a Medicina.

Pink Floyd.

A genialidade musical sempre teve um tropismo curioso pelas portas da loucura. E por mais trágicas que sejam as histórias ou os acontecimentos, a verdade é que muito trabalho musical por nós tão venerado não teria sido criado se não fosse por uma ou outra tragédia de alicerce: desde uma morte precoce, uma história de amor ou um amigo perdido.

Saltando desnecessárias apresentações deste conjunto, vejamos o caso de Pink Floyd. Nascidos e criados dentro do London Underground dos anos 60, a banda dependia inicialmente do seu génio musical – Syd Barrett -, responsável major pela criação do álbum que colocou este nome aberrante no centro do movimento: The Piper at the Gates of Dawn (1967). Constantemente potenciado por alucinogénicos, Syd Barrett era um génio bomba-relógio cuja entrada num estado catatónico demorou demasiado pouco tempo a chegar. O espetro de doença mental de Syd nunca chegou a ser definido, parecendo aproximar-se da esquizofrenia.

Syd Barret.

A sua saída definitiva em 1978 e a sua substituição por David Guilmour formou uma nova face da banda que, na verdade, estaria constantemente abaixo da sombra de um espetro bizarro deixado pela queda inexplicável daquele que conheciam como Syd. E foi esta pesada influência que determinou, juntamente com perspicácia, poesia e génio musical, uma das melhores discografias alguma vez criadas.

O que estará no lado negro da Lua?
Alienação, condicionada por distúrbios por nós tão queridos: violência, religião, política, guerra, capitalismo, envelhecimento, medo da morte, loucura. Tudo isto se resumiu a um álbum, que em 1973 despertou no público o lado que não gostamos de conhecer, de uma forma violentamente brilhante. Inserida em The Dark Side Of The Moon, uma das obras-primas de Pink Floyd, está a única música totalmente cantada por Roger Waters neste álbum: “Brain Damage”, que exprime de forma pouco duvidosa o eclipse do seu antigo amigo.

Capa do álbum “The Dark Side Of The Moon”, dos Pink Floyd.

Ainda ecoando o impacto da evolução da psicocirurgia dos anos 40-50, surge uma possível referência à leucotomia pré-frontal (pelo povo conhecida como “lobotomia”), descoberta do português António Egas Moniz e polémico alvo do Prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina de 1949. Diria que seria um tratamento a colocar no dark side of the moon da Medicina – algo que sabemos que existe mas não tão bem conhecemos o que vem no pós.

Baseado na ideia de que o lobo frontal, como centro do psiquismo, era o lugar onde se encontram grupos celulares organizados por diversas conexões, Egas Moniz acreditava que doentes com comportamentos obsessivos ou psicóticos eram alvo de circuitos fixos e não controláveis. Terá dito que  “as perturbações mentais estão em relação com a formação de agrupamentos célulo-conectivos, que se tornam mais ou menos fixos”. Se por um lado o homem comum poderia ter pensamentos psicóticos de forma transitória, o doente psiquiátrico teria esses mesmos pensamentos de forma constante e incontrolável. A ideia não foi de perto rocket science – se são esses pseudo-percursos a fonte do problema, há que bloqueá-los. A primeira leucotomia terá sido realizada em 1935, consistindo na inserção de um instrumento – o leucótomo – para dentro do cérebro, interrompendo as conexões cerebrais interpretadas como patológicas.

 

Leucótomo.

Após a introdução da técnica nos EUA por Walter Freeman, o seu uso aumentou substancialmente durante as décadas de 40 e 50, tendo chegado a cerca de 20.000 leucotomias apenas nos EUA em 1951. Este procedimento de 5 minutos foi utilizado com esta magnitude pela aparente axiomática razão de que a alternativa seria sempre pior.

Os supostos resultados extraordinários resumiam-se ao facto de os doentes efetivamente saírem da sala operatória pelo seu próprio pé, e sem episódios psicóticos ou outros no pós-operatório. O que inicialmente não parecia tão óbvio é que os doentes nunca seriam realmente os mesmos. Os efeitos da cirurgia reduziam a complexidade da vida psíquica – a espontaneidade, responsividade, self-awareness e controlo eram reduzidos. Se uma questão a colocar na altura fosse o que seria uma pessoa após a ruína da sua vertente social, talvez as várias demonstrações após esta cirurgia fossem um exemplo.

Atualmente, podemo-nos contentar com o facto de já não contactarmos com este tipo consequências, mas se a curiosidade ou a dificuldade de imaginação o motivar, basta revisitar a performance de Jack Nicholson na longa metragem de Milos Forman, “One Flew Over The Cuckoo’s Nest”. Uma nova visita para os leitores que muito bem conhecem, uma obrigatória primeira visualização aos que desconhecem – é a enfrentar um bom exemplo que somos obrigados a refletir na complexidade bizarra deste estado dicotómico: corpo é tudo, mente é nada.

Jack Nicholson em “One Flew Over The Cuckoo’s Nest”.

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