No segundo dia de festival, Wu-Tang Clan foram quem mais público reuniu mas as flores são para Caroline Polachek.
Depois de um primeiro dia com muito espaço livre no recinto, o número de pessoas junto ao pórtico de entrada fazia crer que o segundo dia do Super Bock Super Rock teria uma maior participação. Dia 14 acolheu mais duas mil pessoas na Herdade do Cabeço de Flauta do que o inicial. Apesar de ainda achar que alguns concertos reuniram uma plateia modesta para o nome que eram, como The 1975 e Wu-Tang Clan (ainda assim o público mais composto da noite), o desajuste não foi tão notório como na quinta feira. Se no dia anterior o destaque foi o rock, desta vez o foco estava na pop e no hip-hop.
Passámos a entrada ao som de “Like a Virgin”, de Madonna, ao que se seguiu “Modern Love” de David Bowie e “CUFF IT” de Beyoncé. “Estão a fazer karaoke no palco principal?”, pensei. Andando em direção ao outro lado do recinto percebi então que se tratava do concerto de Nile Rodgers, o prestigiado compositor e produtor de todos estes êxitos. Estes e muitos outros, que cantou ao longo de pouco mais de uma hora. As interpretações de Rodgers e a banda acompanhante em nada substituem o original: não é qualquer voz que canta Beyoncé e o charme de Bowie é difícil de copiar. O alinhamento foi antes uma ode ao trabalho de produção e composição, àquelas pessoas tão importantes que raramente são lembradas quando ouvimos uma música na rádio. No paradigma da estrela pop, associamos o hit à cara bonita que o canta, mas muitas vezes essa cara bonita nem nos créditos da canção está e o que Nile Rodgers nos trouxe foi o enaltecimento dos nomes cujo reconhecimento fica só pelos créditos.
O trabalho de Rodgers tem uma vasta presença e um dos grupos que beneficiou do seu talento foram precisamente os Wu-Tang Clan, a atuação que se seguiu no palco principal, tendo até um dos membros acompanhado Rodgers no palco. Ao longo do dia, foram vários os coletes amarelos e pretos, com “Wu-Tang Clan” escrito nas costas, sendo sem dúvida o nome que mais pessoas atraiu para o segundo dia de festival. Apesar de bastante deslocada no tempo, por uns trinta anos, esta foi a estreia dos ícones do hip-hop em território português. Era precisamente esta questão temporal que me preocupava. Certo que os Wu-Tang Clan foram um dos melhores grupos de hip-hop de sempre, figuras centrais da disputa entre o hip-hop da costa este e da costa oeste na década de noventa e pioneiros do género hardcore. Mas a verdade é que já três décadas se passaram desde os tempos de ouro do conjunto. Seria este um “concerto-dinossauro”, que nos deixa um tanto desiludidos, bastante nostálgicos e com uma sensação ardente de injustiça por não termos tido a oportunidade de ver o artista no seu auge? O entusiasmo do grupo abarcou todo o recinto. Não havia quem não estivesse a dançar, por mais longe do palco que estivesse. Nem a chuva travou o balanço que o alinhamento levava. Não tenho termo de comparação, mas acredito que os Wu-Tang Clan fossem ainda melhores em ’93. Ainda assim, o que entregaram ontem no Palco Super Bock Super Rock esteve longe de uma nostálgica relíquia enferrujada.
Também no palco principal, seguiram-se The 1975. Apesar de serem uma banda, não é desrespeitoso dizer que Matt Healy é o centro de quase tudo que envolve os The 1975. Controverso, divisivo, com um ego enorme, autocomiserante, carismático, magnético, fala-barato, tímido, sujo e sex icon. Matt Healy é todas estas coisas e parte do interesse é reunir tudo na mesma pessoa. Muitos são os que não suportam a banda, mas, pelo que se viu ontem no palco principal, muitos também são os que sabem as palavras todas das músicas e que as gritam até a voz falhar. Muitos foram ainda os que conheciam duas ou três músicas, e que mesmo assim se juntaram à multidão para dançar durante uma hora de concerto. Curiosamente, Healy absteve-se dos discursos políticos e gestos sexuais que costuma entregar em palco, bêbedo e enquanto acende um cigarro. Exceto em relação ao “bêbedo” e “cigarro”. Esses ele manteve. Uma crítica habitual prende-se com as músicas poderem soar todas ao mesmo. Compreensível. Mas não há dúvida que as guitarras saltitantes, a entrega vocal despreocupada e as letras cliché-adolescentes emanam leveza e diversão. Os The 1975 fazem-nos sentir jovens. Podem não ser a banda mais revolucionária no mundo pop, mas são sem dúvida animados.
Ainda antes do fim do concerto do grupo inglês, dirigimo-nos para o palco Pull&Bear para apanharmos o início do concerto que mais esperávamos deste segundo dia: Caroline Polachek. Embora já cá estivesse estado, esta marcava a primeira atuação em Portugal após o lançamento do segundo álbum, um dos melhores do ano, Desire, I Want to Turn Into You. A norte-americana mostrou-se várias vezes emocionada com o calor que recebeu do público, que guinchava os falsetos mais agudos das canções, gesticulava com os braços e que gritava em coro entre as músicas o nome da artista. “Saio daqui transformada pela beleza deste sítio”, disse. “E não digo isto em todo o lado!”
Um dos destaques do álbum é “Sunset”, que foi também um ponto alto do alinhamento, com os ritmos flamencos da guitarra e a voz majestosa e oscilante de Polachek. Mesmo com uma banda de apenas três membros, não faltaram os arranjos pop maximalistas que a cantora tanto explorou em Desire e que ao vivo parecem ainda mais vigorosos. Não se justificava que, com a carreira atual que tem, Caroline Polachek atuasse no palco principal. Todavia, a forma como trabalhou o palco, a resposta ferrenha do público e a excelente voz que possui levam-nos a crer que os dias em palcos secundários estão contados. Fez do Meco a sua ilha, gostámos (e muito!) e não queremos sair.