SBSR 2023 | A ilha de Caroline Polachek

No segundo dia de festival, Wu-Tang Clan foram quem mais público reuniu mas as flores são para Caroline Polachek.

Depois de um primeiro dia com muito espaço livre no recinto, o número de pessoas junto ao pórtico de entrada fazia crer que o segundo dia do Super Bock Super Rock teria uma maior participação. Dia 14 acolheu mais duas mil pessoas na Herdade do Cabeço de Flauta do que o inicial. Apesar de ainda achar que alguns concertos reuniram uma plateia modesta para o nome que eram, como The 1975 e Wu-Tang Clan (ainda assim o público mais composto da noite), o desajuste não foi tão notório como na quinta feira. Se no dia anterior o destaque foi o rock, desta vez o foco estava na pop e no hip-hop.

Passámos a entrada ao som de “Like a Virgin”, de Madonna, ao que se seguiu “Modern Love” de David Bowie e “CUFF IT” de Beyoncé. “Estão a fazer karaoke no palco principal?”, pensei. Andando em direção ao outro lado do recinto percebi então que se tratava do concerto de Nile Rodgers, o prestigiado compositor e produtor de todos estes êxitos. Estes e muitos outros, que cantou ao longo de pouco mais de uma hora. As interpretações de Rodgers e a banda acompanhante em nada substituem o original: não é qualquer voz que canta Beyoncé e o charme de Bowie é difícil de copiar. O alinhamento foi antes uma ode ao trabalho de produção e composição, àquelas pessoas tão importantes que raramente são lembradas quando ouvimos uma música na rádio. No paradigma da estrela pop, associamos o hit à cara bonita que o canta, mas muitas vezes essa cara bonita nem nos créditos da canção está e o que Nile Rodgers nos trouxe foi o enaltecimento dos nomes cujo reconhecimento fica só pelos créditos.

O trabalho de Rodgers tem uma vasta presença e um dos grupos que beneficiou do seu talento foram precisamente os Wu-Tang Clan, a atuação que se seguiu no palco principal, tendo até um dos membros acompanhado Rodgers no palco. Ao longo do dia, foram vários os coletes amarelos e pretos, com “Wu-Tang Clan” escrito nas costas, sendo sem dúvida o nome que mais pessoas atraiu para o segundo dia de festival. Apesar de bastante deslocada no tempo, por uns trinta anos, esta foi a estreia dos ícones do hip-hop em território português. Era precisamente esta questão temporal que me preocupava. Certo que os Wu-Tang Clan foram um dos melhores grupos de hip-hop de sempre, figuras centrais da disputa entre o hip-hop da costa este e da costa oeste na década de noventa e pioneiros do género hardcore. Mas a verdade é que já três décadas se passaram desde os tempos de ouro do conjunto. Seria este um “concerto-dinossauro”, que nos deixa um tanto desiludidos, bastante nostálgicos e com uma sensação ardente de injustiça por não termos tido a oportunidade de ver o artista no seu auge? O entusiasmo do grupo abarcou todo o recinto. Não havia quem não estivesse a dançar, por mais longe do palco que estivesse. Nem a chuva travou o balanço que o alinhamento levava. Não tenho termo de comparação, mas acredito que os Wu-Tang Clan fossem ainda melhores em ’93. Ainda assim, o que entregaram ontem no Palco Super Bock Super Rock esteve longe de uma nostálgica relíquia enferrujada.

Wu-Tang Clan, Super Bock Super Rock 2023
Wu-Tang Clan, foto por Francisco Cabrita

Também no palco principal, seguiram-se The 1975. Apesar de serem uma banda, não é desrespeitoso dizer que Matt Healy é o centro de quase tudo que envolve os The 1975. Controverso, divisivo, com um ego enorme, autocomiserante, carismático, magnético, fala-barato, tímido, sujo e sex icon. Matt Healy é todas estas coisas e parte do interesse é reunir tudo na mesma pessoa. Muitos são os que não suportam a banda, mas, pelo que se viu ontem no palco principal, muitos também são os que sabem as palavras todas das músicas e que as gritam até a voz falhar. Muitos foram ainda os que conheciam duas ou três músicas, e que mesmo assim se juntaram à multidão para dançar durante uma hora de concerto. Curiosamente, Healy absteve-se dos discursos políticos e gestos sexuais que costuma entregar em palco, bêbedo e enquanto acende um cigarro. Exceto em relação ao “bêbedo” e “cigarro”. Esses ele manteve. Uma crítica habitual prende-se com as músicas poderem soar todas ao mesmo. Compreensível. Mas não há dúvida que as guitarras saltitantes, a entrega vocal despreocupada e as letras cliché-adolescentes emanam leveza e diversão. Os The 1975 fazem-nos sentir jovens. Podem não ser a banda mais revolucionária no mundo pop, mas são sem dúvida animados.

The 1975, Super Bock Super Rock
The 1975, foto por Rafael Pereira

Ainda antes do fim do concerto do grupo inglês, dirigimo-nos para o palco Pull&Bear para apanharmos o início do concerto que mais esperávamos deste segundo dia: Caroline Polachek. Embora já cá estivesse estado, esta marcava a primeira atuação em Portugal após o lançamento do segundo álbum, um dos melhores do ano, Desire, I Want to Turn Into YouA norte-americana mostrou-se várias vezes emocionada com o calor que recebeu do público, que guinchava os falsetos mais agudos das canções, gesticulava com os braços e que gritava em coro entre as músicas o nome da artista. “Saio daqui transformada pela beleza deste sítio”, disse. “E não digo isto em todo o lado!”

Caroline Polachek, Super Bock Super Rock 2023
Caroline Polachek, foto por Rafael Pereira

Um dos destaques do álbum é “Sunset”, que foi também um ponto alto do alinhamento, com os ritmos flamencos da guitarra e a voz majestosa e oscilante de Polachek. Mesmo com uma banda de apenas três membros, não faltaram os arranjos pop maximalistas que a cantora tanto explorou em Desire e que ao vivo parecem ainda mais vigorosos. Não se justificava que, com a carreira atual que tem, Caroline Polachek atuasse no palco principal. Todavia, a forma como trabalhou o palco, a resposta ferrenha do público e a excelente voz que possui levam-nos a crer que os dias em palcos secundários estão contados. Fez do Meco a sua ilha, gostámos (e muito!) e não queremos sair.

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