Lisboa desde Santo André
Por vezes penso com alguma imaginação que quando construíram a baixa de Lisboa e as zonas circundantes pegaram em linhas e cabos de eléctrico, pedra de calçada, azulejos e cerâmica, várias escadas e muitas pombas para encher as praças e ruas. Em Alfama isto não podia ser mais certo; onde podemos ver estes elementos todos em harmonia.
Alfama, vivo bairro lisboeta, está maioritariamente localizado na Colina de Santo André.
Esta servia de zona de hortas da cidade moura, foi o local escolhido por D. Afonso Henriques, em 1147, para assentar as suas tropas durante a reconquista de Lisboa. Tal foi tentada em 1140 mas apenas foi frutífera em 1147 com a ajuda de cruzados do Norte da Europa, a caminho da Terra Santa.
Após o terramoto de 1551 muitos moradores da cidade antiga, especialmente os nobres, procuraram abrigo neste subúrbio que oferecia um espaço mais calmo, mais alto e com “melhores ares”.
Posteriormente, no século XIX com a industrialização do país esta “colina da nobreza” é transformada em bairro operário.
Sigo a minha caminhada pela Rua de São Tomé, por entre o aroma dos restaurantes chego à Travessa Açougue a São Vicente, uma bela e viva zona de Alfama cujo nome faz lembrar o terrível destino que São Vicente teve em Valência (Espanha) às mãos dos romanos.
À esquerda encontro a Igreja do Menino Jesus, uma das poucas igrejas que ficou intacta após o terramoto de 1755, construída no reinado de D. João V e planeada pelo arquitecto Frederico Ludovice, o mesmo autor do Palácio Nacional de Mafra. Inesperadamente este é um dos pontos mais altos da minha viagem, porque apesar dos carros estacionados neste recanto sinto que saí da cidade para refugiar-me no meio da natureza num ambiente verde com a melodia das aves e do próprio vento.
Na parte norte do largo posso descer a Calçada de Santo André e chegar até o Martim Moniz ou subir pela Calçada da Graça e seguir a minha aventura.
Subo a Calçada da Graça apesar do lixo mal colocado e dos carros estacionados em frente de uma placa “Sujeito a reboque”, encontro uma muito interessante com um curioso edifício construído em pedra à imagem de uma pseudo-muralha e outros edifícios muito coloridos e conservados.
No fim do caminho encontro o Convento da Graça e o Jardim Augusto Gil com a sua fonte central. Subitamente oiço um “Attention!” de uma turista francesa que chama os seus filhos, quando me viro reparo que este “Attention” também podia ser para a vista que o miradouro me proporcionava. Curiosamente nesse momento oiço à minha direita um “Muito obrigado pela disponibilidade”, três jovens arrumam o material após terem aproveitado as qualidades deste miradouro para gravar uma entrevista aparentemente combinada.
Reparo numa pequena estátua, é dedicada à poetiza “Sophia de Mello Breyner”. Talvez porque neste local fosse possível admirar a dicotomia cidade-natureza, porque era possível ver o mar que tanto a inspirava, sentir a natureza que ela tanto admirava e simultaneamente observar o espaço urbano tão criticado na sua obra.
Continuo pelo Largo da Graça; do meu lado esquerdo a Igreja é continuada por um edifício da GNR a estrutura de uma fortificação.
Toda esta zona da Graça foi um dinâmico bairro operário sendo possível imaginar os trabalhadores a sair de uma das várias residências privadas para operários, apanhar o eléctrico para a fábrica na qual trabalhavam e os filhos iam para a actualmente encerrada escola primária.
Entro num dos bares, está decorado com cerâmicas no fundo e reparo que todos se conhecem o que reforça o ambiente de bairro caloroso e fraterno.
Continuo pelo largo, o cheiro a pão denomina sobre todos os restantes, esta rua está cheia de pequeno comércio que vai desde padarias, florestarias até lojas onde ainda se reparam as antigas CRT.
Sigo pela Rua da Graça pelas linhas do eléctrico, que faz com que as pessoas se encostem à parede nalguns dos locais de passagem mais estreito, até encontrar um edifício cinzento com estátuas dedicadas à dicotomia tristeza alegria que corresponde ao antigo Royal Cine.
No local do antigo cinema encontramos um supermercado; do outro lado da rua encontramos uma mercearia muito movimentada que contraria os sinais do tempo.
Viro à esquerda e atravesso a Rua Senhora do Monte uma rua mais residencial e menos comercial do que a anterior na qual se encontram pistas dos antigos bairros operários. No fim da rua encontro o miradouro da nossa Senhora do Monte.
A partir daí observo uma boa parte da cidade de Lisboa; olhando para baixo reconheço o Martim Moniz, à esquerda encontro o miradouro da Graça e a Colina do Castelo na sua íntegra. Procuro e encontro a nossa FCM-NOVA. Em caso de dúvidas sempre temos dois mapas em cerâmica.
Olho para trás e encontro a Ermida da Nossa Senhora do Monte, dentro da qual se encontra a mítica cadeira de São Gens, primeiro bispo de Lisboa ainda durante a ocupação romana. A história narra que qualquer grávida que deseje ter uma gravidez bem sucedida deve sentar-se nesta cadeira.
Deleitado com a vista e com a tranquilidade regresso até o Jardim Augusto Gil desta vez encontro à minha frente um edifício de cinco andares coberto com cerâmicas verdes, trata-se da Vila Sousa uma das maiores residências operárias da zona. O pátio desta residência serviu de local de filmagem para o filme Pátio das Cantigas de 1942 no qual participou o actor Vasco Santana.
Desço pela Rua Voz do Operário na qual observo um grande “palácio” branco com tons de azul, é a “Instituição de Instrução e Beneficência: Voz do operário”, fundada em 1883. Nesta rua, mais abaixo, também encontro uma Fundação D. Pedro IV.
No fim desta rua encontro à minha esquerda um enorme convento pálido como a pedra que o constitui, com duas torres imponentes e grandes escadas. É o convento de São Vicente de Fora, que marca (de forma aproximada) o meu ingresso na Colina de São Vicente.
(Esta crónica continua numa próxima publicação)