A música é uma experiência subjetiva e vasta, presente no dia-a-dia dos seres humanos desde os tempos pré-históricos. A informação trazida por ondas mecânicas batuca na membrana timpânica sendo transformada em sinais elétricos que são a posteriori interpretados em várias zonas cerebrais – córtex pré-frontal, córtex pré-motor, córtex motor, córtex somatosensorial, lobos temporais, córtex parietal, córtex occipital, cerebelo e áreas do sistema límbico.
A experiência musical pode ser influenciada por vários fatores, desde consumo de substâncias a estados emocionais. Mas e se fosse possível ir mais além?
Uma empresa americana de tecnologia sediada na Florida – NERVANA – afirma ter criado uma nova maneira de ouvir música ao acoplar a tecnologia de estímulos elétricos transcutâneos com o ritmo inerente de cada peça musical. Segundo os fundadores desta empresa, os headphones por eles criado transmite a música ao mesmo tempo que envia através de um aparelho integrado um sinal elétrico de baixa potência que estimula o ramo do nervo Vago que passa pelo canal auditivo externo (nervo de Arnold). Este estímulo exponencia a sensação de bem-estar e prazer associados a um bom som que normalmente é sentida. Os criadores propõem que o seu produto funciona estimulando do nervo Vago a libertar os neurotransmissores responsáveis pelo bem-estar, como a dopamina, a serotonina e a oxitocina, que estão associados a outras atividades como o exercício.
Os headphones NERVANA não transmitem indiscriminadamente os estímulos elétricos, estando disponíveis para os utilizadores dois modos: modo “música” – no qual os sinais elétricos são enviados de modo síncrono com o ritmo da música – e modo “ambiente” – no qual o aparelho analisa o som ambiente, sincronizando os estímulos elétricos com esses sons. Este último tornará os concertos, segundo os criadores de NERVANA, uma experiência do outro mundo.
A real questão é: funciona?
Quer por realmente funcionarem ou por uma questão de placebo, os utilizadores relatam sentir-se invulgarmente felizes.
Todavia, nem tudo são maravilhas nesta promessa de uma experiência musical inesquecível. Como a empresa classificou o produto como um de “saúde e bem-estar” e não tendo como intenção o uso terapêutico, os efeitos não foram avaliados pela FDA. Além disso, a empresa não disponibiliza a pesquisa por detrás do desenvolvimento do produto, pelo que este não sofreu nenhum peer review. Outro desafio associado aos headphones NERVANA é a dificuldade em quantificar os seus efeitos, pelo que a única ferramenta de medição da felicidade sentida pelos indivíduos são escalas qualitativas e não quantitativas.
A empresa constituída por profissionais de saúde e engenheiros realizaram estudos de segurança em adultos, nos quais não encontram evidências de riscos, incluindo com o uso continuado (não existe evidência de dependência). O período de uso recomendado pela empresa é entre duas sessões diárias de 15-45 minutos. Os efeitos são sentidos em segundos após o início da utilização e, para alguns utilizadores, podem durar até 30 minutos após uma sessão.
Foram, contudo, feitas algumas advertências no que se refere ao uso prévio à condução ou outras atividades para as quais seja fulcral a atenção. Devido ao estado de elevado relaxamento após o uso dos headphones NERVANA, é recomendado um período de 30 minutos (no mínimo) entre as atividades. Outras contraindicações incluem: dispositivos médicos implantados, idade inferior a 18 anos e mulheres grávidas (já que nestas populações não foram testados e não se sabe as possíveis implicações do seu uso).
Para além disso, existem disponíveis na literatura vários estudos sobre a estimulação elétrica do nervo Vago e sobre o desenvolvimento desta tecnologia que apoiam as declarações feitas pelos fundadores da empresa. A estimulação do nervo Vago, em contexto médico, normalmente é realizada por implante cirúrgico. Esta estimulação é utilizada no tratamento da depressão. Todavia, já existe no mercado um produto semelhante ao NERVANA – NEMOS – que é utilizado para tratar a epilepsia em algumas pessoas.