ChatGPT: que transformação em saúde? – debate 13 março 2023

A revista FRONTAL organizou, em parceria com a NOWACE, um debate realizado no passado dia 13 de março de 2023 abordando o impacto e perspetivas futuras da Inteligência Artificial e, em particular, do ChatGPT, na saúde e educação médicas. A moderar a mesa, contámos com a presença de João Gabriel Ribeiro, da Shifter, que conduziu a discussão de forma equilibrada e produtiva. A mesa era constituída pelo Dr. Ricardo Encarnação, pedopsiquiatra e diretor médico da Roche Portugal; Prof. Arlindo Oliveira, professor catedrático do Instituto Superior Técnico e reconhecido especialista na área de Ciência de Dados; e Prof. João Marques Gomes, professor assistente da Nova SBE e especializado em Value-Based Health Care.

Doutor Ricardo Encarnação

           O Dr. Ricardo Encarnação abriu o debate com uma nota de otimismo e expectativa em relação ao futuro do ChatGPT na saúde, sem esquecer que, como qualquer progresso, exige algum cuidado na sua utilização. Esta tecnologia vem otimizar vários processos do dia-a-dia dos cuidados de saúde e não só no funcionamento dos serviços. Por exemplo, é inegável o papel que vai ter em gerar novos dados e novo conhecimento na área da saúde. 

Para os médicos, o Dr. Ricardo Encarnação vê no ChatGPT uma ferramenta que vai ajudar a entender mais aprofundadamente cada caso e que vai potenciar uma das grandes funções do médico, desde o início da sua história: detetar padrões de forma eficaz. Mesmo assim, estes algoritmos vão ser sempre um complemento ao raciocínio clínico, porque, como relembrou, “Acharmos que o ChatGPT funciona como um cérebro é um insulto ao nosso cérebro”. No entanto, para estes algoritmos conseguirem de facto funcionar como um bom complemento aos médicos, é necessário que sejam alimentados com dados de qualidade e em quantidade suficiente, com todas as dificuldades que acompanham este processo. 

            Quando questionado se, em Portugal, temos sistemas e instituições no sistema de saúde capazes de navegar estas novas tecnologias com estratégia e resultados, o Dr. Ricardo respondeu que não podemos estar à espera de que o sistema esteja pronto e que devemos aproveitar as oportunidades que surgem para construir caminho. Se esperarmos que as tecnologias estejam estabelecidas e comprovadas, ficamos para trás. Deixou, ainda, uma nota importante sobre o papel da IA para o futuro da saúde: “Mesmo que estas tecnologias não substituam os médicos, os médicos que as usarem vão substituir os que não as usarem.“. 

            Durante as suas intervenções, o Dr. Ricardo Encarnação respondeu, também, inadvertidamente, a uma questão na cabeça de muita gente: usar algoritmos de Inteligência Artificial na saúde não vai tornar os cuidados menos humanos? A sua resposta é um não. Estas tecnologias auxiliam o processo de avaliação e diagnóstico, podendo vir a torná-lo mais exato e eficaz. Isto dá mais tempo livre aos médicos para interagir diretamente com os pacientes, um ingrediente que, apesar de muitas vezes em falta, é essencial desenvolver, de forma a que quem cuida possa dar mais atenção e criar relações mais profundas com quem recebe os cuidados. 

Professor Arlindo Oliveira

             O Prof. Arlindo Oliveira começou a sua intervenção estabelecendo que, mesmo que o ChatGPT seja um modelo novo, não houve nenhum avanço tecnológico extraordinário com a sua criação. Em parte, a sua fama recente deveu-se a uma boa estratégia de marketing por parte da OpenAI. Inteligência Artificial não é o mesmo que ChatGPT, este é apenas um modelo de linguagem natural mais aprimorado para comunicar diretamente com humanos e dar respostas mais adequadas e agradáveis, mas que não difere assim tanto de modelos anteriores, como o GPT-3. 

Desta forma, percebemos que a IA é um campo bem mais vasto e que pode vir a contribuir com dois tipos de funções: analítica e automação. A IA pode ter uma função analítica, na qual ajuda no tratamento de dados quantitativos, em maior quantidade e com uma melhor qualidade de análise. Além disso, pode ter uma função de automação, permitindo substituir humanos em algumas funções de caráter mais subjetivo, mas que possam, mesmo assim, ser automatizáveis, por exemplo, a avaliação de exames, como radiografias.

Torna-se importante saber o que o ChatGPT é e o que não é. Não é um repositório de conhecimento nem uma base de dados. É um modelo estatístico de linguagem, treinado para dar respostas plausíveis, mas que não vão estar sempre necessariamente certas. E, pior que isso, pode dar respostas plausíveis, erradas e apresentá-las com (aparente) confiança e certeza. 

            E por que acontecem estes erros? O Prof. Arlindo explica que se pode equiparar o funcionamento destes algoritmos a algumas formas de pensamento humano. Segundo a teoria de “dual-process modeling”, os seres humanos pensam em dois sistemas separados. O sistema 1 é o pensamento intuitivo e automático; o sistema 2 é o de abordagem a questões mais complexas, envolve raciocínio mais ativo e uma análise do próprio raciocínio do sistema 1. Estes modelos de IA funcionam dentro do sistema 1, estão programados e dão respostas automáticas, funcionando melhor em perguntas vagas, mas não têm capacidade de pensar de forma mais profunda em situações específicas. 

            Assim, na opinião do Professor, o ChatGPT ainda não tem a qualidade necessária para ser integrado num contexto de saúde. No entanto, é um vislumbre do que poderá vir a ser, e, se for integrada como interface com modelos de informação (como bases de dados) que cobrem os assuntos mais específicos, poderá tornar-se uma ferramenta essencial para o ambiente hospitalar, e não só.

            Por fim, concluímos da intervenção do Prof. Arlindo Oliveira que estes sistemas não são sagrados, mas também não são inúteis. Temos de nos adaptar a um mundo em que estes sistemas vão ser usados, informando-nos e educando-nos sobre eles. Porque esse mundo vai ser o nosso. 

Professor João Marques Gomes

           O Prof. João Marques Gomes começa a sua intervenção referindo que não tem dúvidas sobre a utilidade do ChatGPT e outras ferramentas semelhantes na decisão clínica. Modelos de linguagem natural entram na área da saúde como um “Super Google”. Assim, surge, no debate, a questão de se o investimento em sistema como o ChatGPT é o caminho certo a seguir para o futuro dos cuidados de saúde, à qual responde que sim. A inovação na saúde é inevitável e estas ferramentas permitem-nos ter uma capacidade muito maior de obter dados, trabalhá-los e aprender com eles. 

            Na saúde, os algoritmos de IA vão funcionar como sistemas de criação e processamento de dados, permitindo que processos automatizáveis não tenham de ser realizados na sua totalidade por humanos. No entanto, para isto, os dados clínicos são fundamentais. Um algoritmo só saberá dar respostas suficientemente boas se tiver acesso a dados de boa qualidade e em grandes quantidades, e é aí que reside a principal dificuldade que temos de ultrapassar para implementar estes sistemas. Há muitas organizações que já estão a avançar no sentido de integrar o ChatGPT nos cuidados de saúde, mas o SNS ainda não. 

            Posteriormente no debate, quando questionado sobre como o papel dos médicos pode vir a mudar no futuro, respondeu: “Gosto de pensar que o ChatGPT não vai substituir o médico. A mão humana é muito importante, embora falível. Gosto de pensar, no entanto, no ChatGPT como um possível auxiliar clínico.” E é importante notar que não é só a vida dos prestadores de cuidados, nomeadamente médicos, que vai mudar com estas novas ferramentas. Também a vida dos doentes mudará. Isto permite criar sistemas que funcionem como assistentes virtuais, que, a qualquer hora e qualquer contexto, podem ajudar na promoção da saúde e prevenção da doença.

 

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