Evoluindo Para o Futuro – X-MEN

O genoma humano e a sua manifestação sempre fizeram parte do imaginário do Homem. Duas figuras incontornáveis da BD criaram, nos anos 60, um grupo de super-heróis com poderes especiais provenientes de mutações genéticas: os X-Men. Com o novo filme, X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, nos cinemas, a FRONTAL convida-te a olhar para estes heróis e a descobrir a relação dos seus poderes com a vida real e, eventualmente, com a Medicina.

O Homem é um ser evolutivo. Mesmo desconsiderando as formas mais primitivas e animalescas, se nos analisarmos desde o estado em que nos assemelhávamos aos primatas, podemos ver que somos uma espécie que passou por um extraordinário período de evolução. Autodenominamo-nos agora de Homo sapiens sapiens. Ficaremos por aqui? Como seremos no futuro? Para que iremos nós evoluir? A Marvel Comics dá-nos um ponto de vista interessante (e relativamente fantasioso) através de uma das mais famosas equipas de super-heróis: os X-Men.

My name is Charles Xavier. I am a mutant. And once upon a time I had a dream… of a world where all Earth’s children, both mutant and baseline human, might live together in peace.

Charles Xavier
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Erik Lensherr e Charles Xavier. Diferentes caminhos, um mesmo fim – in AllPosters.pt.

Criados em 1963, partiram, tal como muitos heróis da Marvel, da mente de Stan Lee e da caneta de Jack Kirby, sendo, na ficção, fundados pelo telepata e professor Charles Xavier. Os X-Men são uma equipa de mutantes que protege a humanidade de diversos vilões e que em comum têm a presença no seu genoma do “gene X”, que dá a cada um os seus poderes individuais. Sediada na propriedade da família de Xavier, e sob o nome de “Escola Xavier para Jovens Dotados”, a equipa era, para além do seu fundador, também conhecido pelo nome de código Professor X, constituída por Scott Summers (Cyclops), Bobby Drake (Iceman), Warren Worthington (Angel), Hank McCoy (Beast) e Jean Grey (Marvel Girl), tendo como grande rival a “Irmandade dos Mutantes” de Erik Lensherr, ou Magneto, que tenta proteger os direitos dos mutantes em detrimento dos humanos. Com o tempo, novos recrutas se juntaram  ao grupo, como Ororo Munroe (Storm), Anna Marie (Rogue), Remy LaBeau (Gambit), Kitty Pryde, ou Logan (Wolverine).

Neste artigo, iremos focar-nos em dois mutantes da equipa de Xavier, comparar as suas características e poderes com condições existentes na vida real e analisar alguns destes “super-poderes” que se encontram já entre nós.

Braços Longos e Pêlos Coloridos

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As duas mutações ferais manifestadas por Hank McCoy – in SFX.

Norton McCoy trabalhava numa central nuclear. Não imaginava que a radiação que recebeu no seu emprego iriam afectar o seu filho Henry, causando-lhe uma “mutação”. Hank nasceu diferente das outras crianças: os seus membros eram anormalmente longos para um ser humano, e os seus pés e mãos eram muito grandes. Contudo, com estas proporções de “gorila”, veio um grande intelecto. Na puberdade, desenvolveu uma agilidade e força superiores, que assustavam os seus colegas. Foi então que conheceu o professor Charles Xavier, que o convidou a estudar na sua Escola para Jovens Dotados. Hank foi um dos primeiros a ingressar nos X-Men, recebendo o nome de código “Beast”. Junto com os seus colegas e Xavier, enfrentou vilões como Magneto e a sua Irmandade de Mutantes, Juggernaut, ou os Sentinelas.

I’m a cute li’l furry freak whose only friends are other freaks. Of course all of them can pass as Human, when they like. Is it any wonder I sometimes get the blues? That wasn’t meant to be a pun.

Henry McCoy

Após o seu vigésimo aniversário, deixou os X-Men e tornou-se cientista na Brand Corporation, onde isolou um extracto hormonal que permite dar uma mutação temporária a quem a tomar. Ao aplicá-la em si mesmo, e não sendo capaz de a reverter a tempo, ficou transformado permanentemente: cresceram-lhe pêlo azul e garras e ganhou a capacidade de regeneração.

Síndrome do Lobisomem – in The Human Marvels.

A forma original da mutação de Hank parece-se com algumas doenças genéticas do mundo real. O síndrome de Marfan, uma mutação no gene FBN1 que codifica a proteína fibrilina-1, tem como características uma altura elevada e alongamento dos membros e dedos. A fibrilina-1 forma fibras no tecido conjuntivo e também contribui para a sinalização celular. Outra doença com características semelhantes é o gigantismo: um crescimento excessivo causado por uma produção exagerada da hormona do crescimento, ou somatotropina, produzida e libertada pela adenohipófise. A segunda mutação de Beast em parte assemelha-se à hipertricose ou síndrome do lobisomem: a sua forma congénita parece estar relacionada com diversas mutações como uma inversão no braço longo do cromossoma 8. Esta doença tem como manifestação o crescimento de pêlos por todo o corpo. 

Garras de Osso Banhadas a Metal

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Wolverine, o mais famoso membro dos X-Men - in Comic Vine.
Wolverine, o mais famoso membro dos X-Men – in Comic Vine.

James Howlett nasceu no Canadá na década de 80 do século XIX. Filho ilegítimo de uma família rica, James descobriu o seu poder quando o jardineiro da família (que é na verdade o seu pai biológico), Thomas Logan, mata o seu “pai”: ele possui garras de osso que emergem de entre as suas falanges, força sobrehumana e uma incrível capacidade de regeneração. Fugindo, James tomou o nome de Logan. Voltou mais tarde à civilização, participando na I Guerra Mundial pelo exército canadiano  e tornando-se eventualmente um membro de uma equipa dos serviços secretos, altura em que perdeu pela primeira vez a sua memória. Anos depois, foi raptado pelo programa Weapon X, no qual é experimentado e lhe é injectado o metal adamântio no seu esqueleto. Digamos que não tem a constituição mais favorável para combater o vilão Magneto, capaz de manipular metais. Após escapar e depois de recuperar o sentido da sua humanidade, tornou-se “Wolverine”, o primeiro super-herói canadiano. Foi então recrutado pelo Professor X, tornando-se um dos X-Men.

I’m the best there is at what I do, but what I do best isn’t very nice.

Logan
A anatomia de Wolverine - in Stack Exchange.
A anatomia de Logan – in Stack Exchange.

No mundo animal, as garras são um elemento essencial para a sobrevivência. Tal como as nossas unhas, são feitas de queratina. No entanto, as garras de Wolverine eram inicialmente constituídas por osso, estendendo-se, quando retraídas, até aos ossos do carpo. Há registos na literatura de ossos supranumerários nas mãos, mas apenas de ossos dos dedos, normalmente sem articulação, sendo geralmente bifurcações dos dedos pré-existentes. As garras retrácteis de Logan dificilmente se formariam na Natureza; o seu comprimento, ângulo e localização interferiria com os ossos do carpo. Já o esqueleto metálico de Wolverine não é tão ficção científica como se possa pensar. A osteointegração é a ligação estrutural entre osso e a superfície de um implante artificial, que pode ser metálico, mais especificamente, de titânio. Mais utilizada na medicina dentária, esta técnica consiste no crescimento ósseo directamente sobre a superfície do implante, sem a presença de uma camada de tecido mole. Esta técnica também é usada na ancoragem de implantes ósseos e na artroplastia.

Super-Poderes da Vida Real

O ser humano pode não ser capaz de voar, teleportar-se, ler pensamentos ou controlar os metais com a mente, mas devido às mutações do nosso DNA já há alguns “super-poderes” que estão entre nós.

Mutation. It is the key to our evolution. It is how we have evolved from a single-cell organism into the dominant species on the planet. This process is slow, normally taking thousands and thousands of years. But every few millennia evolution leaps forward.

Charles Xavier

Super Força

Imagem de um caso de estudo de uma hipertrofia ligada à mioestatina.
Imagem de um caso de hipertrofia ligada à mioestatina – in NCBI.

A miostatina é uma proteína que inibe o crescimento e diferenciação celular dos músculos, codificada pelo gene MSTN. É um factor de crescimento da família do TGF-β produzida maioritariamente no músculo esquelético e que actua ligando-se a um receptor de activina tipo II. O seu défice de causa genética é chamado de “hipertrofia muscular ligada à miostatina”. Esta condição rara tem como característica gordura subcutânea reduzida e aumento da massa muscular com aumento da força. Estas manifestações dependem da concentração de miostatina presente, pelo que tanto indivíduos com heterozigotia como homozigotos para esta mutação podem exibir hipertrofia muscular, sendo que os que possuem ambos os alelos mutados têm um desenvolvimento muscular maior. O bloqueio da actividade da miostatina poderá vir a ter aplicação terapêutica no tratamento de doenças do foro muscular.

Super Resistência

Eero Mäntyranta, esquiador finlandês e portador de uma mutação no gene do receptor da eritropoietina.
Eero Mäntyranta, esquiador olímpico finlandês e portador de uma mutação no gene do receptor da eritropoietina – in Wikipédia.

Eero Mäntyranta era um esquiador finlandês e ganhou diversas medalhas nos Jogos Olímpicos de Inverno entre 1960 e 1972. Apesar de ter sido o primeiro desportista Finlandês a acusar o uso de substâncias ilegais no desporto, Mäntyranta tinha uma alteração genética que lhe concedia vantagem nos desportos de resistência: ele tinha policitémia primária familiar. Esta doença autossómica dominante é causada por uma mutação no gene do receptor da eritropoietina (EPO), provocando um aumento da sensibilidade a esta hormona e, consequentemente, um aumento da produção de glóbulos vermelhos quando na presença de concentrações baixas de EPO. Esta condição genética pode levar a um aumento de até 50% da capacidade de transporte de oxigénio sanguínea, o que sem dúvida traria vantagem a Mäntyranta nas provas. No entanto, o aumento da concentração de eritrócitos tem como consequência o aumento da viscosidade do sangue e um risco aumentado da formação de coágulos sanguíneos.

Viajar no Tempo numa Cadeira de Cinema

Poster de X-Men: Dias de um Futuro Esquecido
Poster de X-Men: Dias de um Futuro Esquecidoin E! Online.

No passado dia 22 de Maio, estreou nos cinemas a mais recente aventura cinematográfica da equipa mutante. X-Men: Dias de um Futuro Esquecido vê Bryan Singer regressar à cadeira de realizador com a adaptação de um dos mais famosos arcos da BD dos anos 90. Juntando o elenco da trilogia original, encabeçado por Patrick Stewart e Ian McKellen nos papéis de Charles Xavier e Erik Lensherr respectivamente, aos actores que protagonizaram a prequela X-Men: O Início, com James McAvoy e Michael Fassbender a interpretarem os “eus” mais novos do Professor X e de Magneto. Hugh Jackman dá a pele a um Wolverine mais velho que é enviado cinquenta anos para o passado até 1973, com a missão de unir os dois inimigos e travar Mystique, interpretada por Jennifer Lawrence, de forma a impedir o curso de um futuro apocalíptico em que os Sentinelas, máquinas caçadoras de mutantes, quase erradicaram a raça humana.

In the beginning, the Sentinels were just targeting mutants. Then they began targeting everyone.

Logan

O filme, apesar da muita acção, especialmente nas porções passadas no futuro, consegue dar um bom foco às personagens principais, destacando-se a carismática interpretação da relação entre Xavier e Magneto, tanto no passado como no futuro. O filme consegue não se perder no enredo de viagens no tempo, mantendo-se relativamente organizado, mas consequentemente não conseguindo utilizar as personagens secundárias de uma forma muito satisfatória. Vale a pena referir ainda o final, que poderá provocar um sorriso de orelha a orelha a quem tenha ficado mais decepcionado com os filmes anteriores e destacar o cheirinho do que aí vem em 2016 e que poderá dar um sentido bastante literal à palavra “apocalipse”.

[toggle title=”Fontes Bibliográficas”]
  • Wagner, Kathryn R; Cohen Julie S. GeneReviews® [Internet] Myostatin-Related Muscle Hypertrophy. October 5, 2005.
  • Taylor, Sarah; William James. Medscape.com. Congenital Hypertrichosis Lanuginosa. Web. 30 May 2014.
  • Channell, Khalid; Grogan, Dennis. Medscape.com. Marfan Syndrome. Web. 30 May 2014.
  • Kaplan, Arie. Masters of the Comic Book Universe Revealed! 2006.
  • Amazing Adventures vol. 2 #11
  • Wolverine: Origin
  • Giant-Size X-Men #1
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Paulo Lucas é um aluno do 5.º ano do Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (ou NOVA Medical School como lhe chamam agora). Nascido e criado em Coimbra, actualmente reside em Lisboa e interessa-se por cinema, banda desenhada, cultura japonesa, videojogos, desenho e ciência. É o editor da Secção de Cartoon.

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