Lisboa – Sete colinas, sete roteiros VII

Colina de Sant’Ana ou Colina da Saúde

(Continuação)

“Invoco em mim recordações
Que não têm fim dessas lições
Frente ao jardim do velho campo de Santana
Aulas que eu dava se eu estudasse
Onde ainda estava nessa classe
A que eu faltava sete dias por semana”

Na última edição do roteiro Lisboa: 7 Colinas, 7 roteiros visito a Colina de Sant’Ana também conhecida como Colina da Saúde, nome que deve ao grande número de instituições hospitalares que aí se encontram.

Saio na estação do metropolitano em Picoas, na Rua Andrade Corvo, no acesso Guimard, cuja arquitectura reflecte o estilo parisiense em voga no início do século XX. Ao lado deste acesso, encontro um dos edifícios pertencentes à Carris um casal asiático maravilhado imortaliza esta estrutura com a sua câmara fotográfica profissional. Do lado oposto à saída das escadas da estação está a Avenida Fontes Pereira de Melo. Esta artéria da cidade que comunica a rotunda de Saldanha à rotunda do Marquês homenageia o fundador do Ministério das Obras Públicas e patrocinador das diversas obras públicas do “Fontismo”, movimento do final do século XIX marcado por acções de fomento de obras públicas que incluiu a linha de comboio de Sintra.

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Acesso Guimard da estação de Picoas com o seu estilo Parisiense

Tanto nesta avenida como nas suas perpendiculares é possível encontrar diversas obras arquitectónicas exemplares de diferentes épocas. Tais como a Maternidade Alfredo da Costa (a primeira maternidade construída de raiz na cidade), o Museu do Arquitecto Dr. Anastásio Gonçalves e o Palácio Sotto Mayor. Apesar do atractivo desta movimentada avenida decido seguir pela mais pacata Rua Andrade Corvo. Passo brevemente pela Avenida Duque de Loulé e acabo na Praça José Fontana, com o seu Jardim Henriques Lopes de Mendonça. Do lado oposto da rua avisto o Liceu Camões. Este liceu que formou várias figuras públicas da sociedade portuguesa é escola bandeira da 1ª República que tentou dar igual importância à actividade física e à formação intelectual.

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Fachada frontal do Liceu Camões coberta pelo “pano verde” de árvores que habitam a zona da Praça José Fontana

Nesta praça viro à direita e sigo pela calçada da Rua Gomes Freire e viro à esquerda para a Rua Joaquim Bonifácio que acaba num cruzamento. Neste encontro várias mães a levar bebés em carrinhos ou no colo o que marca a minha proximidade ao Hospital Dona Estefânia, o primeiro hospital pediátrico do país que ainda se mantém como hospital de referência. Este foi mandado construir por D. Pedro V em homenagem à intenção da sua defunta esposa, D. Estefânia. Em frente a este encontro a academia militar sedeada no Palácio da Bemposta.

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Hospital Dona Estefânia. Assim baptizado em memória da rainha Estefênia de Hohenzollern-Sigmaringen; este é um grande centro de referência pediatrico nacional

Viro à direita e sigo pela Rua da Estefânia com as suas linhas de eléctricos desactivadas que outrora levavam cadetes e mães com crianças ao colo. A transição para a Rua Gomes Freire é marcada pelo regresso da calçada. Nesta rua é possível observar parte da área de segurança do Hospital Miguel Bombarda e do seu infame Pavilhão da segurança. Este foi o primeiro hospital psiquiátrico do país, fundado nos anos 1950s. O Pavilhão da Segurança, hoje visitável como unidade museológica, aparece em filmes de César Monteiro nas Recordações da Casa Amarela e de António Reis em Jaime.

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Estátua em honor ao General Gomes Freire de Andrade na rua homónima. Qualquer coincidência entre o símbolo da estátua e o logo da FRONTAL é pura coincidência
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Pavilhão da Segurança visto desde a Rua Gomes Freire. É de destacar o alto muro e a vedação que outrora “protegiam” a população lisboeta dos internados psiquiátricos

Desço até o fim desta rua até chegar ao lado norte do Campo Mártires da Pátria, não muito longe do antigo convento Antoniano, o Hospital Santo António dos Capuchos.

Este jardim pitoresco com a sua variedade de aves desde patos a pavões é bem conhecido por todos os alunos da FCM-NOVA. Porém não é tão conhecida a origem do nome do campo, que homenageia a memória dos 8 combatentes executados num grupo de 11 dirigidos por Gomes Freire de Andrade, personagem histórica que protagoniza a obra Felizmente há luar! de Luís de Sttau Monteiro. Sobre um pedestal de pedra o Dr. Sousa Martins, rodeado por placas de agradecimento, observa os devotos que coloquem velas à sua volta, a maneira de culto laico.

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Exemplo da fauna que encontra o seu habitat nos espaços verdes do Jardim do Campo Mártires da Pátria

Neste Jardim encontro diversos quiosques na zona central e várias cafetarias com esplanada em volta, sem esquecer o famoso Instituto Alemão (Goethe-Institut). Este instituto é tão conhecido pelos diversos eventos culturais que realiza, como o Jazz im Goethe, como pela silenciosa biblioteca muito frequentada pelos estudantes de medicina que abrem os seus “Netters”, “Harrisons” e diversas sebentas.

Na extremidade sul do campo encontro o meu segundo lar, o edifício principal da FCM, que sucede o HSJ como escola de educação médica desde 1911. Este edifício que não precisa de grande introdução é retratada com humor por Vasco Santana no filme A Canção de Lisboa. Para quem não viu não perca a oportunidade de ver o mítico exame de Anatomia com o esterno-cleido-mastoideu e de ouvir a popular interpretação do Fado do Estudante.

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Sede da FCM-NOVA com a estátua de Sousa Martins, uma imagem que vale mais do que mil palavras

Se descesse à esquerda pela rua observaria edifícios ligados à saúde em Portugal tais como o Instituto de Medicina Legal com a sua fachada amarela e o seu arco; o HSJ com a sua movimentada urgência e o anexo de Ortopedia do HSJ que outrora era o Hospital de São Lázaro.

Decido seguir pela Rua do Instituto Bacteriológico. Assim, encontro à minha esquerda o serviço de Anatomia Patológica do Hospital de São José (HSJ-CHLC) e à minha direita o IBCP (Instituto de Bacteriologia Câmara Pestana e o novo anexo da FCM-NOVA que serve de sede à nova biblioteca e a vários laboratórios do CEDOC, entidade destinada à investigação de doenças crónicas. Neste local, que dava sede à Ermida de Sant’Ana, repousava o corpo de Camões antes de ser transferido para o Mosteiro dos Jerónimos, onde se encontra actualmente junto ao túmulo de Vasco da Gama de forma a unir a história do navegador à lenda do poeta.

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Novas instalações da FCM-NOVA com os laboratórios do CEDOC e a biblioteca. Estas foram construidas no local onde outrora se sedeava a Eremita de Sant’Ana

Sigo pela Rua Dr. Júlio de Andrade com as suas faixas quase totalmente ocluída pelos veículos estacionados. Esta rua, que arquitectonicamente é uma das mais belas da cidade, dá acesso ao Jardim e Miradouro do Torel com a sua vista imperdível. Este jardim com a sua estátua central de estilo egípcio e o busto que homenageia o pianista Vianna da Mota é um excelente espaço para relaxar no meio da natureza com as suas confortáveis e peculiares cadeiras.

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Jardim do Torel com as suas confortáveis cadeiras e com a sua magnifica vista sobre a cidade (cobertas no ângulo desta fotografia por algumas das árvores que constituem o jardim)

Desço pelas escadas Travessa Cruz do Torel com o seu curioso azulejo com caracteres japoneses em memória do escritor e oficial de marinha Wenceslau de Moraes, até chegar à calçada do Lavra. Nesta encontro o Elevador da Lavra que data de 1884, sendo o mais antigo elevador da cidade. Inicialmente era movido por cremalheira e contrapeso de água, sendo electrificado em 1915.

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Placa escrita com caracteres japoneses em honor ao escritor Wenceslau Moraes, uma das várias curiosidades que esconde Lisboa
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Cruzamento de duas carruagens em sentidos opostos na Calçada do Lavra

Chego finalmente a Rua Portas de Santo Antão, estou apenas a alguns passos do Teatro Politeama, do Teatro D. Maria II e da baixa pombalina.

Desta forma chegámos à última parte do roteiro Lisboa: 7 colinas, 7 roteiros. No entanto, esta não é a última oportunidade para conhecer as imensas histórias, lendas, curiosidades e segredos escondidos nesta cidade de Olissippo que ladeia o rio Tejo.

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