A OMS convocou, esta semana, uma reunião de emergência, com o objetivo de discutir a gravidade da estirpe emergente de Coronavírus – que tem assolado particularmente o Médio Oriente – e de se tomarem eventuais medidas de prevenção. Afinal que novo vírus é este? Será motivo de preocupação? Estará o mundo perante uma nova epidemia?
Os Coronavírus (CoV) são espécies de vírus capsulados pertencentes à família dos Coronaviridae, apresentando um genoma de RNA de cadeia simples e uma cápside helicoidal. O seu nome deriva do latim corona, que significa coroa ou halo, e refere-se à aparência característica dos viriões em microscopia eletrónica, que lembra o invólucro luminoso do Sol. Para a sua estrutura geral contribuem várias proteínas, como as glicoproteínas S (spike), as proteínas do invólucro (em inglês, envelope – E), as proteínas de membrana (M) e as da nucleocápside (N). Os Coronavírus podem causar uma variedade de doenças humanas, que vão desde a vulgar constipação à grave Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto ou Síndrome Respiratória Aguda Severa (Severe Acute Respiratory Syndrome – SARS), que vitimou cerca de 8000 pessoas em 2003.
O novo membro da família
No entanto, não é sobre este Coronavírus causador da SARS (SARS-CoV) que as atenções têm recaído nos últimos meses, mas sim sobre uma nova estirpe deste vírus que surgiu em Setembro de 2012, na Arábia Saudita, e que já infetou cerca de 80 pessoas (45 das quais acabaram por falecer). A grande maioria destes casos ocorreu em residentes daquele país ou em pessoas que o haviam visitado recentemente e que, por isso, acabaram por disseminar a doença para outros locais do planeta, daí que tenha sido atribuído o nome de Síndrome Respiratória do Médio Oriente (Middle East Respiratory Syndrome – MERS) à mesma. Esta manifesta-se como uma pneumonia atípica com complicações renais que, em último caso, pode ser fatal.
Perigo eminente?
Ainda não foi identificado o animal que constitui o hospedeiro natural do vírus, com o qual o Homem terá contactado, levando ao início da disseminação da doença. No entanto, sabe-se que o primeiro caso de transmissão pessoa-a-pessoa foi notificado no passado mês de Abril, em França. A análise de 55 pessoas infetadas no Médio Oriente, por parte da equipa de Arnaud Fontanet, do Instituto Pasteur, permitiu concluir que, no pior dos cenários, o vírus terá uma transmissibilidade de 0,69 – ou seja, se 100 pessoas se infetarem, 69 das mesmas contrairão a doença. Para que uma epidemia ocorra, é necessário que o valor de transmissibilidade seja superior a 1, portanto, pelo menos de momento, esta nova estirpe (MERS-CoV) ainda não é capaz de desencadear uma epidemia. Contudo, segundo Fontanet, as pessoas não devem deixar de se preocupar, sendo este o momento mais oportuno para a compreensão do modo de atuação do vírus. Como o MERS-CoV nunca havia sido detetado anteriormente em humanos, a informação disponível acerca da gravidade da doença e do seu impacto clínico é ainda limitada.
Contacto Vírus-Hospedeiro
Em termos moleculares, sabe-se que o contato entre o vírus MERS-CoV e as células do hospedeiro é efetuado através da ligação entre a glicoproteína S viral e o CD26, glicoproteína intrínseca de membrana com função antigénica, associada a regulação imune, transdução de sinal e apoptose. O domínio de ligação ao recetor (Receptor Binding Domain – RBD) da glicoproteína S é constituído por um subdomínio central e um subdomínio de ligação ao recetor, interagindo este último com a β-hélice do CD26. O RBD do MERS-CoV e o do SARS-CoV possuem um elevado grau de semelhança estrutural nos seus subdomínios centrais, mas divergem bastante ao nível do subdomínio de ligação ao recetor. Estudos de mutagénese têm identificado vários resíduos-chave neste subdomínio que são fundamentais para a ligação RBD-CD26 e para a penetração viral na célula-alvo. As especificidades atómicas na interface desta ligação poderão vir a auxiliar na compreensão desta interação e na estrutura do próprio vírus, abrindo caminho para o desenvolvimento de terapêutica e/ou vacinas contra a infeção pelo MERS-CoV.
OMS em estado de alerta
Apenas pela segunda vez desde a sua fundação, a Organização Mundial de Saúde (OMS) convocou uma reunião de emergência para se discutir acerca de um novo vírus. A primeira tomou lugar em 2009, aquando da pandemia do vírus da gripe H1N1. A reunião decorreu por via telefónica, em dois dias (9 e 11 de Julho), e reuniu profissionais das mais diversas áreas, como Saúde Pública, Epidemiologia e Virologia. Nesta reunião pretendia-se decidir se o MERS-CoV poderá ser etiquetado de “emergência sanitária a nível internacional”. Os profissionais de saúde estão preocupados com o perigo que a peregrinação Hajj – que atrai milhões de visitantes a Meca e Medina, todos os anos, no mês de Outubro – poderá constituir para a taxa de infeção pelo MERS-CoV. Por este motivo, Christian Drosten, virologista na Universidade do Bonn Medical Centre, na Alemanha, afirma que a OMS precisa urgentemente de decidir, antes daquele mês, se serão necessárias estabelecer restrições de viagens para prevenção da disseminação da doença.