O pior surto de sempre do vírus do Ébola está a decorrer neste momento. Embora a Medicina esteja a caminhar para o seu mais alto nível de sempre, surgem pequenos microrganismos que nem mesmo a poderosa tecnologia consegue travar.
São contabilizados cerca de 3.069 casos e 1.552 mortes* mas os números crescem exponencialmente em meros dias nos quatro países da África Ocidental – Guiné-Conacri, Libéria, Serra Leoa e Nigéria -, divulgou a OMS. Teve início em Dezembro de 2013 mas apenas em Março os casos começaram a disparar, chegando ao actual descontrolo que leva a OMS a declarar esta situação como uma crise de emergência global.
“[Vive-se em] clima de medo geral, como em tempo de guerra (…) As pessoas desconfiam dos centros de saúde. O acompanhamento dos doentes é insuficiente” – Joanne Liu, presidente da organização Médicos Sem Fronteiras
Apesar de não ser o primeiro surto causado pelo vírus Ébola, esta brutal epidemia não tem (ainda) cura à vista, apesar de aparentemente (e inicialmente) parecer simples com os seus sintomas semelhantes aos de uma gripe: febre, dores musculo-articulares, dores de garganta e de cabeça e fadiga. Contudo, a gravidade da implantação do vírus nas células endoteliais do organismo reflecte-se nas hemorragias internas, fruto do colapso dos órgãos e vasos afectados. Estas, assim como os vómitos e a diarreia que causam desidratação e perda de nutrientes, são as principais formas de contágio desta febre hemorrágica, pelo que a prevenção recai sobre evitar o contacto com o sangue, fluidos e mesmo com os cadáveres das pessoas infectadas.
Num mundo onde os cuidados de saúde são básicos, com apenas 0,1 médicos e 2,6 enfermeiras por 10.000 pessoas, o surto de Ébola fez colapsar o sistema de saúde da Libéria, onde os cuidados de saúde são limitados pela pobreza existente que, aliada à consequente falta de conhecimento em relação ao vírus, leva a que as condições das instalações de saúde sejam mínimas e, por isso, a transmissão do vírus elevada. Por outro lado, o preconceito e medo existentes relativamente à Medicina Ocidental levam a população local a hesitar em procurar ajuda, contribuíndo para o caos. Perante esta tempestade e com uma enorme urgência para travar esta epidemia, a OMS autorizou, sem outra alternativa, o tratamento dos doentes com medicamentos ainda em fase experimental e apelou a toda a ajuda internacional possível.
“Não nos devemos esquecer que esta é uma doença de pobreza, de sistemas de saúde disfuncionais e da desconfiança” – Peter Piot, director da London School of Hygiene and Tropical Medicine
Desconhecendo-se a origem desta tempestade tropical, levanta-se a questão da produção de minúsculas gotículas inaláveis produzidas em laboratório, apesar de a doença não ser naturalmente transmitida por via aérea. Devido a esta potencial via de transmissão, este vírus, que envolve cinco estirpes diferentes, pode ser classificado como uma arma biológica.
Num mundo que caminha constantemente em direcção ao conhecimento e onde reinam muitas vezes valores moralmente pouco correctos, com eternas guerras e jogos de poder, uma bomba como este minúsculo vírus numa pequena população seria, a pouco e pouco e (diga-se) naturalmente, como que uma catástrofe, podendo chegar a qualquer canto do mundo e afectar milhões de pessoas – colocando também, por sua vez, em causa os valores éticos da Medicina. Não há dúvida que os profissionais de saúde têm, realmente, o poder de dar e tirar vida; então, até que ponto poderá ser levada esta perigosa classificação? Perante esta situação, com que fins se desenvolverá, eventualmente, a Medicina do futuro? Poderão os profissionais de saúde dividirem-se em dois extremos totalmente opostos? Como olhar para a Medicina neste caso?
Ébola. Um vírus que continua com demasiadas perguntas em aberto.