Genética e Microbiologia: aliadas contra a obesidade?

O combate à obesidade é uma das grandes batalhas da atualidade, mas muitas vezes o controlo dos fatores ambientais parece não ser suficiente. Sabe-se, porém, que os fatores genéticos desempenham um importante papel na regulação do peso corporal, mas quais são os mecanismos envolvidos? Esta semana, o artigo de Ciência da FRONTAL traz um estudo que veio clarificar como o genótipo de cada indivíduo influencia a composição da sua flora intestinal e, consequentemente, o seu peso.

genética flora intestinal

Alguns números sobre obesidade e excesso de peso (OMS)

2,8 milhões de pessoas morrem por ano como resultado do excesso de peso ou obesidade;
– A obesidade e o excesso de peso representam 2,3% dos anos de vida perdidos por doença a nível global;
– Em 2008, 35% dos adultos com idade superior a 20 anos tinham excesso de peso (IMC ≥ 25 kg/m2);
– A prevalência da obesidade quase duplicou entre 1980 e 2008;
– Em 2008, 10% dos homens e 14% das mulheres eram obesos (IMC≥30 kg/m2), o que representa 205 milhões de homens e 297 milhões de mulheres.

Genética, flora intestinal e controlo do peso corporal

Segundo investigadores do King’s College London e da Cornell University (EUA), a resposta para as diferenças interindividuais no peso corporal pode estar numa família de bactérias da flora intestinal cuja presença se relaciona diretamente com o genótipo do hospedeiro.
Da análise de mais de 1000 amostras fecais de 416 pares de gémeos monozigóticos e dizigóticos, no King’s Department of Twin Research, foi possível concluir que as floras dos gémeos monozigóticos eram mais semelhantes entre si que as floras dos gémeos dizigóticos e que os indivíduos com IMC mais baixos tinham uma flora rica em bactérias da família Christensenellaceae.
A família Christensenellaceae foi descrita pela primeira vez há cerca de dois anos e foi agora o instrumento para a demonstração da heritabilidade da microbiota intestinal, pela equipa de Ruth Ley da Cornell University.

“O nosso objetivo principal era estabelecer, de uma vez por todas, se existe ou não influência do genótipo do hospedeiro sobre a composição da flora intestinal” – Ruth Ley

Geralmente, quando se pensa em hereditariedade pensa-se na transmissão de pais para filhos de características físicas facilmente observáveis, como a altura ou a cor dos olhos. Neste caso, estamos perante a transmissão de genes que determinam uma “característica escondida”: a seleção de bactérias para a constituição da flora intestinal. É neste contexto que se fala em bactérias “herdáveis” e heritabilidade da flora intestinal, que é demonstrável por estudos com gémeos monozigóticos (partilham 100% dos genes) e dizigóticos (em média têm uma correspondência genética de cerca de 50%).
As Christensenellaceae surgem assim como o grupo de bactérias mais herdável de toda a flora intestinal estando associadas a indivíduos com um menor IMC.

Demonstração da heritabilidade das Christensenellaceae e a sua relação com o IMC e metabolismo do hospedeiro
Demonstração da heritabilidade das Christensenellaceae e a sua relação com o IMC e metabolismo do hospedeiro

A família Christensenellaceae e o metabolismo do hospedeiro

Perante a evidência de que as basctérias Christensenellaceae estão associadas a um menor IMC, os investigadores decidiram introduzir pelo menos um elemento desta família em ratos. O trabalho consistiu em remover a flora intestinal de ratos e posteriormente introduzir nesses animais amostras fecais de humanos magros e obesos.
Os resultados corresponderam ao esperado: os animais que receberam fezes de humanos com IMC baixo tinham agora uma flora intestinal mais rica em Christensenellaceae e apresentavam um menor ganho ponderal comparativamente ao grupo de ratos que receberam fezes de humanos obesos.
Outro passo do trabalho serviu para perceber se seria possível reduzir o ganho ponderal em ratos com floras associadas a obesidade. Selecionou-se um grupo de ratos obesos e introduziu-se um elemento da família Christensenellaceae (Christensenellaceae minuta). Os resultados foram animadores, na medida em que se observou uma modificação na flora intestinal e uma redução no ganho ponderal nestes animais.

A relação entre a flora intestinal e o metabolismo do hospedeiro já era conhecida de estudos anteriores, in Fighting Obesity with Bacteria
A relação entre a flora intestinal e o metabolismo do hospedeiro já era conhecida de estudos anteriores, in Fighting Obesity with Bacteria

“Os genes vão permitir-nos compreender como se mantêm estas relações entre o genótipo do hospedeiro e a composição da flora” – Ruth Ley

Embora estes resultados tenham sido obtidos em estudos com ratos podemos estar perante o primeiro passo para o desenvolvimento de novas terapêuticas para a obesidade, uma vez que está demonstrada a relação entre o genótipo do hospedeiro, a composição da sua flora intestinal e o impacto que a relação entre estes dois fatores no metabolismo do indivíduo.
Até agora as variações na flora intestinal eram explicadas por fatores ambientais como a dieta e estilos de vida. Este estudo é revolucionário na medida em que estabelece que a variação na flora intestinal interindividual é em parte explicada por fatores genéticos. Novas portas se abrem na prevenção e tratamento da obesidade.
O desenvolvimento de terapêuticas com probióticos personalizadas, tendo como base o genoma do indivíduo e o seu risco individual para o desenvolvimento de doenças relacionadas com a obesidade, parece estar agora num futuro menos distante.

Fatores que influenciam a composição da flora intestinal
Fatores que influenciam a composição da flora intestinal

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