SexEd? É um direito de todes!

 

Sexualidade. Uma palavra que une tantas pessoas, mas que toma tantos formatos, caminhos e perspectivas diferentes. Em 1992, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu sexualidade como “uma energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura e intimidade, que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados, é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos, acções e interacções e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental”. A definição dada pela OMS espelha perfeitamente o conceito holístico que é definir sexualidade. Contudo, embora seja um pilar fundamental da existência humana, a sua abordagem continua ainda a apresentar muitas lacunas, especialmente na comunidade mais jovem, na qual a sua experiência e percepção toma uma dimensão privilegiada no desenvolvimento e integração social.

Neste sentido, surge o conceito de Comprehensive Sexual Education (CSE) que procura integrar uma visão positiva da sexualidade através de uma abordagem multidimensional, indo muito além da reprodução, riscos e prevenção de Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST). A CSE tem como objetivo capacitar as pessoas com conhecimentos, skills, atitudes e valores que as empoderem a desenvolver ferramentas para a tomada de decisões mais conscientes, respeitosas, consensuais e dignas.

Alguns dos princípios da CSE são fundamentados na aprendizagem formal ou informal, com recurso a evidência científica atualizada e incremental, procurando haver uma entrega de informação contínua no tempo e adaptada às diferentes etapas de desenvolvimento e necessidades da população alvo.

Na entrega de uma educação sexual compreensiva, deve-se adotar sempre uma abordagem firmada nos direitos humanos e na defesa da igualdade de género, sem nunca esquecer o contexto social e cultural em que nos enquadramos e em que se enquadra a nossa população.

 

 

A promoção de literacia em sexualidade pretende não só capacitar as pessoas que a recebem, como constitui uma força transformadora da sociedade, fomentando a mudança e a procura por uma comunidade mais empática, inclusiva e segura para todas as pessoas. A CSE foi, ao longo dos anos, apresentando inúmeras evidências científicas das suas repercussões positivas. Alguns estudos demonstram que a implementação de programas de Educação Sexual com base nesta abordagem contribuiu para que a comunidade jovem tenha iniciado mais tardiamente a vida sexual, para o aumento do conhecimento sobre diferentes aspetos da sexualidade, comportamentos mais positivos e conscientes relativamente à própria saúde sexual e reprodutiva, maior comunicação com os pais sobre a própria sexualidade e relações íntimas, bem como uma maior auto-eficácia para a gestão de situações de risco.[1]

A CSE é a chave para o desenvolvimento do pensamento crítico próprio, questionamento das nossas escolhas e das escolhas que esperam de nós.

No fim de contas, a CSE procura oferecer a todos os seres humanos a capacidade para experienciarem a sexualidade em toda a sua complexidade, incluindo a compreensão das relações humanas, do próprio corpo, da atração e amor, do sexo, da intimidade, do género e indentidade, do prazer e da reprodução.

 

Através desta transformação, procura-se incentivar a auto-responsabilização pelas nossas escolhas e comportamentos, adquirindo a capacidade para advogarmos pelos nossos direitos e por uma sociedade que assente sobre o respeito, compaixão, tolerância e aceitação. [2, 3]

E como é um direito como tantos outros, a sua proteção e integridade encontra-se inserida na atual legislação portuguesa.

Desde 2009 (Lei nº 60/2009) [4, 5] que se encontram legislados os conteúdos da educação sexual nas escolas portuguesas. Neste documento, é possível encontrar a forma como deve ser abordada, a carga horária para cada faixa etária, a capacitação do pessoal docente, a formação, os gabinetes de informação e apoio, parcerias e organização. Apesar da garantia de inclusão de conhecimentos desta temática nas escolas desde 1984, a lei de 2009 estabelece de forma clara e legalmente enquadrada os objetivos da educação sexual a nível escolar, reafirmando a sua natureza obrigatória para a comunidade estudantil.

Apesar desta garantia legal, será que é seguido em todo o território? Mais de 10 anos depois da sua implementação, qual a real repercussão desta lei na educação sexual das pessoas jovens?

Do relatório de acompanhamento e avaliação da implementação da Lei nº60/2009, [6] realizado em 2019, é possível tirar algumas ilações. Cerca de 25% das escolas inquiridas referem não ter um gabinete de informação e apoio ao aluno em educação para a sexualidade, tendo tido alguns constrangimentos que impediram a sua criação, como a falta de recursos humanos, crédito de horas, espaço físico e reduzida procura pelos alunos. Verifica-se que nestas equipas não existe a multidisciplinaridade desejada, sendo principalmente constituídas apenas por docentes e profissionais de psicologia.

Outro ponto preocupante é o tempo dedicado aos projetos de educação sexual. Esta limitação parece ser maior no 3º ciclo e ensino secundário, em que cerca de 36% e 55% das turmas, respetivamente, recebem formação numa duração inferior à legislada ou não a recebem de todo por inexistência do projeto.

Noutra análise, apesar dos aspetos biológicos e emocionais da puberdade, do corpo, e diferenças de género estarem bem cobertos, temas como a igualdade de género, sexualidade, violência no namoro, conhecimento sobre interrupção voluntária da gravidez são os conteúdos que mais carecem de exploração.

Assim, apesar dos grandes avanços que foram feitos a nível legal, percebe-se que o trabalho está longe de terminado, que é necessário colmatar as lacunas deixadas por um sistema de ensino que provavelmente não dá o espaço necessário para a articulação destas temáticas. Nota-se ainda a falta de formação e conhecimento sentida pelas pessoas responsáveis.

São necessárias alternativas formativas que apoiem um desenvolvimento sexual pleno, que capacitem as pessoas jovens, para que façam escolhas informadas, conscientes e consensuais nesta área tão importante das suas vidas.

Surge, assim, o SexEd, um projeto de voluntariado da AENMS, cujo objetivo é capacitar a comunidade estudantil da Nova Medical School para a realização de sessões de Educação Sexual, em escolas do ensino secundário e 3.º ciclo, numa tentativa de colmatar estas lacunas do sistema educacional.

Desde a sua criação, em 2021, o projeto prioriza a propagação de informação fidedigna e de uma forma descontraída junto das camadas mais jovens, contando com mais de 20 escolas já envolvidas.  As sessões de formação compreendem temáticas como IST, métodos contracetivos, conceitos básicos da sexualidade, identidade de género, consentimento, e violência do namoro, com base numa abordagem que segue a metodologia CSE.

Para além das intervenções nas escolas, o SexEd conta também com uma página no  Instagram que permite expandir as temáticas e aprofundar o conhecimento em diversos assuntos de Saúde Sexual e Reprodutiva, desde Vaginismo a Body Positivity ou até Masculinidade Tóxica. No ano de 2022 foram publicados 18 infoposts com um alcance superior a 1000 usuários mensalmente.

Em suma, é no contexto da privação dos direitos educacionais da população mais jovem que o projeto ganha asas, contemplando uma sociedade futura mais consciente da sua expressão sexual e mais interventiva na gestão da sua própria saúde reprodutiva e sexual.

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