SONO: PARA QUE TE QUERO?

Dormir é fundamental para a recuperação física e mental do indivíduo, correspondendo a um terço da nossa vida, aproximadamente.

Segundo a Associação Portuguesa do Sono, os problemas do sono constituem uma epidemia global que ameaça a saúde e a qualidade de vida de 45% da população mundial, por isso torna-se cada vez mais pertinente o estudo do sono e das suas perturbações.

Fases do sono

Uma noite de sono completa consiste, normalmente, em quatro ou cinco ciclos de sono com duração entre 90 e 120 minutos cada. Genericamente, cada ciclo de sono pode ser dividido em dois períodos – REM (rapid eye movement) e NREM (non-REM), sendo que o último se divide em três fases (N1, N2 e N3).

  • A fase N1 é a fase de transição entre a vigília e o sono. É a fase mais “leve” do sono, de tal forma que se acordarmos durante este período não nos apercebemos de que estávamos realmente a dormir. Caracteriza-se por movimentos oculares lentos e oscilantes. Nesta altura, os músculos iniciam um relaxamento progressivo e o ritmo cardíaco e frequência respiratória começam a também a diminuir.
  • A fase N2 é a fase mais longa do ciclo de sono, correspondendo à maior percentagem do tempo total de sono num adulto saudável. Caracteriza-se pela cessação dos movimentos oculares e diminuição da temperatura corporal.
  • A fase N3 é frequentemente referida como “sono profundo”. Corresponde a aproximadamente 10-20% do tempo total de sono em jovens-adultos e adultos, valor que tende a diminuir com a idade. A atividade das ondas lentas durante o sono representa o estímulo homeostático para dormir. É também neste período que ocorrem tipicamente as parassónias do sono NREM, que incluem despertares confusionais, terrores noturnos e sonambulismo.
  • A fase REM é caracterizada por movimentos oculares conjugados e irregulares, assim como pela atonia, ou seja, pela inatividade de todos os músculos voluntários, exceto os músculos extraoculares e o diafragma. Este período pode também ser subdividido em duas fases: fase fásica e fase tónica, sendo que a duração do sono nesta fase aumenta ao longo da noite.

Alguns estudos têm associado o sono REM aos sonhos vívidos e ao processo de consolidação de memórias, no qual as mais importantes são retidas em detrimento de ligações neuronais menos relevantes.

Um dos métodos utilizados na investigação do ciclo de sono é o eletroencefalograma, que regista a atividade elétrica cerebral espontânea, permitindo diferenciar as várias fases do sono, sendo que as fases N1, N2 do sono NREM se caracterizam por ondas teta e a fase N3 apresenta tipicamente ondas de baixa frequência delta. Durante o sono REM, surge um padrão de ondas beta.

Importância do sono

O sono é um estado, rapidamente reversível, de reduzida capacidade de resposta, atividade motora e metabolismo. A sua finalidade ainda não está totalmente esclarecida à luz da evidência científica atual, mas existem vários estudos que evidenciam a relevância do sono para o funcionamento do cérebro e para a saúde fisiológica.

Os registos de picos de secreção da hormona do crescimento durante o sono sugerem que este período contribui para o crescimento muscular e regeneração celular durante a noite, apoiando a teoria reparadora, que propõe que o corpo se repara e revitaliza a si próprio durante o período de sono.

O metabolismo cerebral durante o sono, muito relacionado com a dependência de células da glia, tem uma função de limpeza de resíduos neurotóxicos e outros metabolitos que se acumulam ao longo do dia e que provavelmente contribuem para induzir o sono NREM profundo, como a adenosina.  

Dados empíricos e experimentais sugerem também que o sono desempenha um papel na plasticidade cerebral ao promover a formação e manutenção de sinapses dependentes da aprendizagem.

Privação de sono – Consequências

As necessidades fisiológicas, incluindo o tempo de sono, variam significativamente entre indivíduos e ao longo da vida. A quantidade de sono que se considera suficiente para determinado indivíduo pode ser definido como o tempo que este dormiria até acordar espontaneamente ou avaliando o tempo de sono necessário para que o indivíduo esteja vígil e alerta durante o seu dia-a-dia sem esforço, mesmo em situações monótonas. Apesar desta variabilidade interindividual, a Sleep Research Society recomenda que os adultos durmam, no mínimo, sete horas por noite.

Segundo a World Sleep Society, os efeitos da privação parcial de sono podem ser equivalentes aos da privação aguda.

Dormir 6 horas durante 14 noites resulta no mesmo nível de redução da atenção que uma privação total de sono durante 2 noites.

World Sleep Society

Portanto, a privação de sono pode resultar não só de uma quantidade reduzida de sono como também de um sono de má qualidade, podendo ter diversas causas:

  • Abuso de substâncias como álcool, cafeína, cocaína ou anfetaminas;
  • Dissónias – perturbações do sono primárias caracterizadas pela dificuldade em adormecer ou pela hipersónia. Alguns exemplos de dissónias são perturbações do ritmo circadiano, insónia, narcolepsia e apneia obstrutiva do sono;
  • Parassónias – perturbações do sono primárias caracterizadas por comportamentos ou experiências anormais ao adormecer, durante o sono ou ao acordar. Podem classificadas em função da fase do ciclo em que surgem (REM ou NREM);
  • Doenças neurodegenerativas;
  • Distúrbios psiquiátricos, como depressão, ansiedade, distúrbio bipolar.

Para além da deterioração da função neurocognitiva e da diminuição do estado de alerta consequentes da privação de sono, outras consequências têm sido associadas à insuficiência crónica de sono, como a morbilidade cardiovascular, imunossupressão e obesidade.

A restrição do sono tem sido ainda associada a um estado pró-inflamatório, pela indução de vários marcadores pró-inflamatórios, mas também a um quadro de imunodeficiência.

Em 2016, a American Heart Association reconhecia a privação de sono como um fator de risco para perfis cardiovasculares desfavoráveis.

Assim, a higiene do sono é adicionada ao painel de medidas higienodietéticas para redução do risco cardiovascular 

Indivíduos com insuficiência de sono apresentam comummente fadiga, sonolência diurna excessiva, perturbações da memória, redução dos níveis de atenção, perturbações de humor. Estes sintomas são, frequentemente, causa de acidentes, problemas no trabalho e diminuição da qualidade de vida.

A primeira abordagem terapêutica, nestes casos, é melhorar os hábitos de sono. Existem algumas medidas básicas que podem ser adotadas:

  • Ter horários e uma rotina de sono fixa;
  • Consumir café, chá ou outros alimentos que contêm cafeína apenas no período da manhã;
  • Evitar consumo de álcool e tabaco à noite;
  • Praticar exercício físico vários dias por semana, mas nunca
    antes de dormir;
  • Evitar olhar para telemóveis ou outros dispositivos eletrónicos antes de dormir;
  • Evitar sestas longas, especialmente ao fim da tarde. No entanto, sestas curtas (cerca de 20 minutos) podem ser úteis, especialmente para trabalhadores por turnos.

Word Press Society

Se, mesmo existindo uma boa higiene de sono, se mantiver a restrição do sono, deve-se recorrer a uma consulta do sono, a qual reúne médicos de várias especialidades (otorrinolaringologia, pneumologia, neurologia, cardiologia) e outros profissionais de saúde (psicólogos, psicoterapeutas), de moda a abordar o sono de uma perspetiva holística e eficaz.

Se queres aprender mais sobre o sono, sobre as suas perturbações, desmistificar alguns conceitos e promover a formação de sinapses, fica a sugestão, para os mais curiosos, de dois podcasts que, de forma acessível, transmitem informação pertinente e cientificamente válida sobre este tema: “O teu mal é sono” e “Out of the Health Box #10: O estudo do sono”.

 

Bibliografia:

  1. Kirsch, D. (2021). Stages and architecture of normal sleep. In S.Harding (Ed.), UpToDate. Consultado a 18 de março, 2022

  2. Cirelli, C. (2022). Insufficient sleep: Definition, epidemiology, and adverse outcomes. In R. Benca (Ed.), UpToDate. Consultado a 18 de março, 2022

  3. Maski, K. (2021). Insufficient sleep: Evaluation and management. In T. Scammell (Ed.), UpToDate. Consultado a 18 de março, 2022

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