Surf no pé, Medicina na mão

Tiago Lacerda é estudante de Medicina, do 3º ano, na NMS-FCM. Sempre acompanhado pelo seu skate, é também um apaixonado pela praia, pelas ondas e pelo mar, praticando, sempre que possível, o seu desporto de eleição – o surf. Sendo um dos fundadores do primeiro e único clube de surf para estudantes das Faculdades de Medicina de LisboaMedsurf, nesta entrevista, vai falar um pouco sobre esta atividade, este projeto e o impacto que ambos têm na sua vida, tanto pessoal como académica.

FRONTAL (F): Olá, Tiago! Para começar, porquê o surf? Conta-nos a tua história com este desporto.

Tiago Lacerda (TL): [No passado,] pratiquei râguebi; quando parei, percebi que não podia estar sem desporto. Logo, decidi experimentar o surf aos 16 anos e foi amor à primeira vista! Este amor surgiu em pequeno porque sentia uma grande atração pela praia. Apesar de nunca ter vivido perto, tinha oportunidade de lá ir regularmente e gostava muito do mar, da areia… Assim, o surf veio num momento perfeito da minha vida porque precisava de espairecer do stress do secundário. Foi muito benéfico, tranquilizava-me, ajudava-me a relativizar. Ajudava pensar que, no fim da semana, ia ter aulas de surf com os meus amigos.

» Para mim, tendo o equilíbrio do skate (que também pratico) foi fácil iniciar o surf. Evoluí rapidamente. Quando se evolui num desporto, o gosto por ele aumenta, daí que me tenha cativado logo desde o início.

» Comecei a surfar todas as sextas-feiras, com amigos com os quais criei boas memórias. É importante ter estes momentos! Aconselho toda a gente a começar. Foi a melhor decisão da minha vida. (A segunda melhor foi ter-me juntado à nossa faculdade!)

 

F: O que torna o surf, como desporto, singular?

TL: No surf estamos a planar em cima da água. [A prática] começou no Havai e o seu nome vem de surface, isto é, a superfície da água. É algo que nos dá uma liberdade imensurável e um sentimento único, porque todas as ondas são formadas em alto mar por tempestades, acabando por chegar à costa, mas podendo rebentar em qualquer lugar. (Não pensamos nisto dentro de água, mas é bom refletir!)

» Além disso, andar em cima da onda com o auxílio da prancha dá uma sensação de deslize perfeito. A minha paixão começou por este gosto da leveza. Também é fascinante começar a perceber o mar; no fundo, olhar para ele com outros olhos. É lindo conseguir prever na nossa mente, rapidamente, se a onda vai fechar ou mudar e também ajuda a perceber qual o melhor sítio para surfar. [Para o surf,] é fundamental perceber o mar na sua plenitude!

» Há também ondas que são espetáculos da Natureza, o que acaba, por vezes, por tirar-nos de casa às seis da manhã para ir surfar. Em Portugal, há uma facilidade para esta prática que não há noutros países europeus, por termos o mar muito perto. É um privilégio ter uma costa inteira para nós. Em Lisboa, há mar para todos os gostos.

F: Que impacto teve a pandemia na prática do surf?

TL: Como desporto individual, o surf teve sorte. Todos os outros ficaram suspensos em março de 2020. Fiquei um mês e meio sem ir ao mar. Custou-me imenso! É importante explicar: o surf implica evolução. Há até a expressão ter o surf no pé: quando se deixa de praticar durante um tempo, vai-se perdendo a habilidade. Por ter passado muito tempo em casa, sofri: perdendo a regularidade, sentia perder o “surf no pé” e a destreza que construí.

» No entanto, fomos dos primeiros desportos aquáticos individuais a ter permissão do Governo para voltar. Fomos privilegiados, o surf não esteve tanto tempo parado como desportos que implicam maior contacto entre pessoas. No dia 4 de maio de 2020 conseguimos voltar e senti-me radiante!

F: Com que frequência praticas surf?

TL: Tento ir uma vez por semana, mas [esta frequência] é afetada por prioridades: faculdade, despesas e condições marítimas. Esta última é limitante, sendo importantes as marés, o tamanho das ondas, o vento… Logo, tem de ser tudo avaliado em detalhe. Vejo mapas meteorológicos das ondas todos os dias, para ver qual a melhor oportunidade, programar o melhor sítio para ir… Isto afeta a periodicidade.

» Como estudante, é impossível surfar três vezes por semana porque para cada vez, entre trajetos e prática, gasto entre 5-6h. Há uma logística que implica gastar mais tempo até chegar à costa. Mesmo assim, temos uma certa sorte em estar em Lisboa, por termos próximas várias praias que dão boas ondas regularmente.

» A nível monetário, é um desporto que, morando perto das praias, leva a menos despesas do que a quem tem de fazer trajetos maiores, limitando a sua frequência. Os transportes públicos não dão grandes acessos à praia, então perdem-se mais sessões de surf por esse motivo.

» Também pode não ser saudável esta “regularidade”. Por vezes, acabo por prescindir de outros momentos pela raridade” associada ao surf, que nos faz querer ir a certo sítio a certa hora, independentemente dos nossos compromissos. Não há nada no mundo completamente perfeito e tudo tem limitações. Aqui, esta singularidade pode, por vezes, ser inimiga do surf como prática pelo bem-estar mental.

» No futuro, não me vejo a viver num sítio que não me permita ter regularidade. Tudo vai depender do rumo que a minha vida tomar, mas sonho em ter casa ao pé da praia.

F: Qual é, para ti, a ligação entre o surf e a Medicina?

TL: O surf influenciou a minha escolha académica! Nunca foi para mim opção tirar Medicina fora de Lisboa. É onde me é permitido conciliar tudo.

» A nível académico, o surf é um escape positivo. É bom para fugir ao meio desgastante em que vivemos. O contacto com a natureza e a envolvência o e desenrolar das ondas são tranquilizantes e ajudam a recarregar energias. Esta “pausa” na rotina é-me necessária.

» A parte da atividade física também é fundamental. O surf cansa muito, estamos expostos ao frio e vento – uma sessão de surf dura entre 1h30 a 2h30. Apesar deste desgaste físico, ajuda muito a nível de saúde mental. Ao entrar na faculdade, há quem deixe completamente o desporto por diversas razões… e abandona-se algo que teria também benefício mental. O surf, sendo individual, dá liberdade e permite encaixar melhor a modalidade nos nossos tempos livres.

» É importantíssimo conciliar o desporto com a vida académica. Apesar disso, na época de exames, quando preciso mais de espairecer, é-me mesmo complicado, quase impossível, surfar com a mesma regularidade, infelizmente.

F: Deste modo, como surgiu o Medsurf?

TL: Quando entrei na faculdade, quis conhecer pessoas que surfassem no nosso meio académico. Mesmo sendo um desporto individual, é agradável ter companhia para partilhar boleias, criar amizades e memórias boas. Assim, a forma mais fácil era criar um clube, mas não só para pessoas que já surfem. Tendo esta paixão, seria egoísta da minha parte não a partilhar!

» A pandemia não o permitiu imediatamente, mas assim que pudemos, eu e o Pedro Fava (FMUL) decidimos arranjar um ponto de comunhão entre as duas faculdades. Temos cursos idênticos, logo, pessoas inseridas no mesmo meio e na mesma cidade. Por isso, porque não começar a criar laços através do surf? À data de hoje, sinto que tem sido um sucesso! Partilhamos boleias, as nossas vivências, o estado do mar e conselhos técnicos. Pretendemos aumentar a acessibilidade, quer no acesso físico, quer por garantir melhores preços nas aulas de surf.

F: Que planos têm para o futuro?

TL: Temos várias vertentes, que já referi, mas queremos também evoluir numa componente técnica e educativa, fazendo ponte com a Medicina. Pretendemos fazer cursos de suturas, workshops para leitura das condições marítimas e outros ligados à nutrição. Desde a fundação, no dia 21 de setembro de 2021, contamos com uma equipa de 16 pessoas de ambas as faculdades, com o interesse do surf em comum. Estou extremamente orgulhoso nestas pessoas e no trabalho desenvolvido.

» No dia 27 de março, será o dia aberto, como todos os semestres, com surf, aula de yoga, almoço, torneios de vólei e sunset party. O primeiro fez sucesso e este esgotou as inscrições! Contamos com cerca de 75 pessoas inscritas. Espero que corra bem, decerto será um dia muito bom!

F: Que dicas darias a quem pretende experimentar?

TL: Perguntava se é sócio do Medsurf! O clube pode ajudar a iniciar, pois fazemos ponte com a escola de surf e agilizamos boleias.

» O surf é o melhor desporto. A sensação de deslizar em cima da prancha e por cima do mar é única! Só experimentando e investindo no surf e no gosto pela praia é que se consegue usufruir ao máximo.

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