Pessoas de todo o mundo e de todas as idades são levadas a acreditar que existe um corpo ideal, embora inatingível. Tradicionalmente, num paradigma centrado no peso, é necessário ter um certo peso para atingir saúde. Esta ideia é transmitida por variadíssimos canais, nomeadamente pelos meios de comunicação social e pelas redes sociais. No Instagram, vemos imagens editadas por softwares, como o Photoshop, que acentuam uma cintura fina e uma anca mais larga, em modelos que escolhem poses favoráveis para mostrar determinadas características do seu corpo. Por norma, promovem-se corpos de mulheres magras, sem estrias nem celulite, com a barriga lisa e uma pele sem manchas nem espinhas. Para esconder todas e quaisquer “imperfeições”, utilizam-se filtros que, outrora, antes da revolução tecnológica e do aparecimento das redes sociais, não eram uma constante nas nossas vidas. 

O impacto desta busca incessante pelo corpo ideal não se cinge à saúde mental de quem o procura. É antes uma ideia disseminada pela sociedade como um todo, tornando-se num viés interno ou internal bias, tivéssemos tornado o corpo magro como o il das nossas vidas e não concebêssemos a ideia de que um corpo gordo pode ser bonito e saudável. Consequentemente, surge um conceito denominado de “cultura da dieta” ou “diet culture”, que corresponde a uma atitude de restrição permanente em relação à ingestão alimentar, com o objetivo de alterar a própria aparência, classificando os alimentos como “bons” e “maus” ou “saudáveis” e “lixo”. Dessa forma, há uma promoção do sentimento de culpa em relação à comida e um desfavorecimento de uma relação emocional saudável com a mesma. Por oposição, a perda de peso é aclamada como uma vitória, uma conquista, algo que todos deveríamos desejar para obter felicidade e saúde. 

Mas não ficamos por aqui. De modo a tratar a obesidade, é comum que os profissionais de saúde classifiquem a perda de peso como outcome primário das suas intervenções – quer seja através da dieta, do exercício físico, ou de ambos. Contudo, a evidência científica mostra que estas intervenções são pouco eficazes, produzindo uma perda de peso entre os 5% a 10%, que se reverte passados poucos anos. Ou seja, as pessoas não conseguem manter as mudanças no estilo de vida que essas intervenções preconizaram. Além disso, quando baseadas em dietas restritivas, estas intervenções estão associadas a stress psicológico, preocupação com o peso e com a alimentação, depressão, baixa autoestima, podendo até desencadear doenças do comportamento alimentar. Por terem como foco o peso, promovem ainda uma estigmatização e discriminação do mesmo, que, por sua vez, poderá desencadear, de forma contraproducente, um aumento da ingestão alimentar, comportamentos alimentares compulsivos, evicção do exercício físico e atraso na procura por cuidados de saúde. Todas estas consequências levarão a um agravamento do estado de saúde. 

Esta restrição alimentar traz ainda outras preocupações – alguns autores sugerem que não é compatível com os nossos sinais internos de fome e saciedade, podendo ser capaz de interferir com a nossa interocepção. Dessa forma, aumenta a nossa suscetibilidade a estímulos que incitam a alimentação, como fatores externos ou motivações emocionais. Ou seja, as tentativas de restringir a ingestão energética acabam por ter o efeito contrário do que seria desejável.  

Como resposta a este problema, surgiu um conceito – a Alimentação Intuitiva ou Intuitive Eating – em 1995, desenvolvido por Tribole e Resch, definindo-se como uma sintonização de integração de processos dinâmicos da mente, do corpo e da comida. É uma forma adaptativa de alimentação essencialmente baseada nos sinais de fome e saciedade de modo a regular a ingestão alimentar. 

Este estilo de alimentação tem sido cada vez mais estudado, associando-se a vários índices de bem-estar físico – melhorando níveis de colesterol, pressão arterial e sensibilidade à insulina – e psicológico – aumentando a autoestima e fomentando a apreciação corporal e o otimismo. Ao mesmo tempo, reduz o risco de alterações do comportamento alimentar ao diminuir a internalização do ideal-magro, a pressão para perder peso, insatisfação com o próprio corpo, vigilância e vergonha do mesmo, falta de consciência interoceptiva, alimentação emocional e restrição alimentar. 

Existem 4 componentes-chave da Alimentação Intuitiva, identificados e apoiados de forma empírica por vários estudos:  

  • Permissão incondicional para comer quando se sente fome, qualquer alimento que se deseje, em oposição à mentalidade da dieta. 
  • Comer em resposta a razões físicas, ao invés de emocionais. 
  • Os sinais de fome e saciedade determinam quando e quanto comer. 
  • Body-Food Choice Congruence, que consiste em escolher alimentos que contribuam para um bom funcionamento do corpo, mas que também preencham necessidades sensoriais, nomeadamente considerando o sabor como um componente central da escolha alimentar. 

 Pensando bem no assunto, não deveriam estes aspetos ser fundamentais na nossa alimentação?  

Em primeiro lugar, é importante destacar que não há alimentos “bons” nem “maus” e que todos, sem exceção, podem ser integrados numa alimentação saudável. Contudo, certos alimentos devem ser consumidos diariamente, outros nem tanto – e isto não é uma exclusão total, mas sim uma recomendação do ponto de vista da saúde. 

Em segundo lugar, as nossas escolhas alimentares são influenciadas por variadíssimos fatores, entre eles os sinais de fome e saciedade que o hipotálamo é capaz de produzir. Sabemos quando temos fome – o estômago pode fazer algum barulho, sentimos um vazio desconfortável e há até quem tenha dores de cabeça quando está com fome. Por outro lado, também conseguimos distinguir quando ficamos saciados com uma refeição e não nos apetece comer mais. Estes sinais que regulam o nosso apetite podem tornar-se mais difíceis de percecionar quando nos focamos mais em fatores externos, como a tal classificação dos alimentos e o desejo de obter determinada aparência.  

Em último lugar, a comida não é só um conjunto de nutrientes. O ato de comer representa uma componente social muito importante das nossas vidas, contribuindo com prazer, conforto, convivialidade. Por isso mesmo, dissociar os alimentos da sua vertente sensorial e limitá-los ao seu valor energético e nutricional é altamente prejudicial ao nosso bem-estar.  

Se o nosso objetivo é ter uma alimentação saudável, devemos ter em consideração as recomendações para atingir uma saúde ótima (que estamos fartos de ouvir), mas também aprender a desfrutar das refeições e dos alimentos que a cultura da dieta teima em classificar como “maus”.  

 

Sugestões: 

  • Deixar de seguir contas nas redes sociais que te façam sentir mal contigo próprio, nomeadamente com o teu corpo e a tua alimentação; 
  • Por oposição, apostar em conteúdos que promovam uma boa relação com a comida; 
  • Rejeitar atitudes e opiniões desrespeitosas de outros em relação à tua alimentação; 
  • Praticar menos atitudes de comparação com os outros; 
  • Procurar ajuda psicológica se sentires que não tens uma boa autoestima; 
  • Consultar um nutricionista se quiseres aprender mais sobre a alimentação mais adequada às tuas necessidades. 

 

Episódios de podcasts sobre este tema: 

  • Em Banho Maria: “Como não fazer dieta” e “Intuitive eating with Evelyn Tribole” 
  • The Food Medic: “Ditching diet culture” 

 

Contas de Instagram que abordam este tema: 

  • @embanhomaria 
  • @healthy.but.not.on.a.diet 
  • @no.food.rules 
  • @feelgooddietitian 
  • @nicolecruzrd 
  • @laurathomasphd 
  • @evelyntribole 

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